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Dubiedade vergonhosa, por Aldo Fornazieri

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O Brasil não pode querer manter um pé na canoa dos direitos humanos e outro pé na embarcação da ditadura nicaraguense

CARTA CAPITAL, 09/03/2023

A Nicarágua, sob Daniel Ortega, tem hoje a mais brutal ditadura da América Latina e uma das mais cruéis do mundo. Ao longo dos anos, para manter-se no poder, Ortega transformou-se num impiedoso tirano, que usa a repressão e a violência sanguinária de forma sistemática. Em 2018, reprimiu violentamente as manifestações contra seu governo, causando a morte de mais de 300 indivíduos.

No início deste ano, de acordo com relatório da Agência das Nações Unidas para Refugiados, conhecida pela sigla Acnur, são mais de 260 mil refugiados e exilados políticos, fora os emigrados. Estudantes, religiosos, ativistas, feministas, organizações da sociedade civil, intelectuais e jornalistas sãos os grupos mais reprimidos.

Universidades e residências são invadidas sem justificativas. Dos sobreviventes da antiga cúpula do Movimento Sandinista que fez a revolução, todos vivem no exílio. Ortega foi se tornando um ditador igualável a Anastasio Somoza.

Ortega inova na violação dos direitos humanos. Em fevereiro deportou 222 presos políticos, mas ainda persistem centenas. Entre eles Cristina Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Chamorro.

Além de perseguir, matar e suspender direitos políticos, a ditadura passou a cassar a cidadania nicaraguense de perseguidos e ativistas de direitos humanos.

Em fevereiro, o bispo Rolando Álvarez, símbolo da resistência, foi sentenciado sem julgamento a 26 anos de prisão e à perda da cidadania.

Ortega professa os piores valores, comuns a todos os ditadores de extrema- direita. É machista e homofóbico.

Ele próprio é acusado de estupro e pedofilia: em 2001, Zoilamérica Narváez Murillo, enteada de Daniel Ortega e filha da comparsa de crimes do ditador, Rosário Murrillo, acusou o atual líder da Nicarágua de abusá-la sexualmente, estuprá-la e violentá-la durante 20 anos.

Segundo a denunciante, ela foi abusada desde que tinha 9 anos de idade.

Um relatório da Acnur, divulgado em 3 de março, atesta que mais de 300 nicaraguenses foram privados de sua cidadania em apenas um mês. Afirma ainda que “a situação dos direitos humanos na Nicarágua continuou a piorar nos primeiros meses de 2023”. As violações são sistemáticas, abrangentes e emanam da cúpula do governo.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU avalia que a repressão da ditadura configura crime contra a humanidade.
Um dos membros da equipe da ONU, o pesquisador Jan-Michael Simon, comparou a conduta da ditadura ao nazismo. “O uso do sistema de justiça contra opositores políticos da maneira como é feito na Nicarágua é exatamente o que o regime nazista fez.” Era também o que Bolsonaro queria fazer aqui ao investir contra o STF para dominá-lo.

É o que fazem as ditaduras de extrema-direita pelo mundo afora.

Em face da gravidade do relatório, 55 países, entre eles o Chile e a Colômbia, assinaram um manifesto condenando a violação dos direitos humanos na Nicarágua.

Inexplicavelmente, o Brasil omitiu- se. Com repercussão negativa, o Itamaraty criou uma desculpa esfarrapada para justificar a omissão. Agora, o governo brasileiro afirma que vai acompanhar a situação e que se dispõe a receber refugiados nicaraguenses.

O Itamaraty e o Ministério dos Direitos Humanos precisam explicar ao povo brasileiro qual é a sua concepção de direitos humanos. Parece que é uma posição seletiva, mas inaceitável. Não há qualquer justificativa política, pragmática, ideológica ou geopolítica que justifique a não condenação da violação aos direitos humanos pela ditadura de Ortega. O Brasil não pode querer manter um pé na canoa dos direitos humanos e outro pé na canoa da ditadura nicaraguense. É vergonhoso.

Se o Brasil quer exercer uma posição de liderança na América Latina, precisa assumir princípios inegociáveis: defesa da democracia, da liberdade, dos direitos humanos e da justiça social. Isto implica condenar as violações e os regimes ditatoriais.

Se Bolsonaro tivesse viabilizado uma ditadura, os líderes do atual governo estariam percorrendo o mundo para condená- la e condenar a violação dos direitos humanos. Diante das próprias violações do governo Bolsonaro, políticos de esquerda, corretamente, denunciaram essas violações em organismos internacionais, encaminharam recursos e buscaram apoio. Não se pode ser democrata e de esquerda e apoiar ou se omitir diante das graves violações da ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua.

Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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