Por uma perspectiva progressista e democrática
Desde o processo de redemocratização, a esquerda brasileira enfrentou momentos de ascensão e resistência. No entanto, o período compreendido entre 2013 e 2019 marca uma inflexão crítica na correlação de forças políticas no país. As jornadas de junho de 2013, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a prisão de Lula em 2018 desenharam um cenário de retração para os setores progressistas, enquanto a direita avançava sistematicamente nos espaços institucionais e culturais.
Esse avanço da direita se deu por meio da ocupação contínua de territórios políticos — eleições municipais, estaduais e federais de 2014 a 2020 revelam uma construção estratégica e persistente, diferente da defensiva em que a esquerda se viu obrigada a atuar. Enquanto lutávamos pelo “Fora Temer”, pelo “Lula Livre” e sobrevivíamos à pandemia, a direita moldava, sem interrupções, o seu projeto de poder.
A eleição de Lula em 2022 deve ser compreendida nesse contexto de resistência. Foi uma vitória histórica, mas que não pode ser lida como uma reafirmação hegemônica do projeto do Partido dos Trabalhadores. Pelo contrário, ela foi resultado de uma ampla frente democrática formada, sobretudo, pelo sentimento de rejeição ao bolsonarismo e sua ameaça autoritária. A escolha de Geraldo Alckmin como vice-presidente não foi apenas estratégica para vencer as eleições — ela foi também fundamental para garantir a governabilidade de um país profundamente dividido.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que o atual governo opera a partir de uma base de centro-direita. A coalizão que sustenta Lula no poder é composta por atores que não compartilham da agenda histórica da esquerda, especialmente no que se refere à soberania estatal, à desconcentração de renda e à valorização dos direitos sociais. A presença de setores comprometidos com privatizações, com a desvinculação do salário mínimo e com uma visão liberal do papel do Estado impõe limites claros às possibilidades de avanço em pautas progressistas.
Contudo, dentro desses limites, o governo Lula tem conseguido importantes conquistas. A aprovação da PEC da Transição, a implementação de reformas microeconômicas, a queda do desemprego, a redução da desigualdade social e o crescimento econômico são indicadores concretos de que, mesmo num cenário adverso, é possível construir políticas públicas que beneficiem as maiorias sociais.
Há, ainda, um elemento que precisa ser afirmado com clareza: o Brasil não está polarizado — ele está politizado. A sociedade brasileira está dividida entre dois grandes blocos: de um lado, setores conservadores e de direita, muitos dos quais flertam abertamente com o autoritarismo; de outro, uma base progressista e democrática que defende as instituições, os direitos humanos e a justiça social.
A recente entrevista de Flávio Bolsonaro ao jornal Folha de S. Paulo, na qual ele defende anistia aos golpistas e sugere caçar ministros do STF, escancara o projeto autoritário da extrema direita. Não estamos lidando com adversários dentro das regras do jogo democrático — estamos diante de um campo político que ameaça essas próprias regras.
É neste contexto que se impõe a tarefa urgente da esquerda: reconstruir sua força social e política, disputando os corações e mentes da população, especialmente da classe trabalhadora. Precisamos reocupar os territórios perdidos nos últimos anos, fortalecer a organização popular e disputar o projeto de país que está em jogo.
A luta política no Brasil contemporâneo não é apenas entre partidos — é entre dois modelos de sociedade: um que flerta com o autoritarismo e a concentração de riqueza, e outro que afirma a democracia, a justiça social e a dignidade para todos. O tempo presente exige lucidez, coragem e unidade.
Fábio Luiz da Silva de Sousa Leão é mestre em Educação (UEMG), graduado em História (UNIBH) e Artes Visuais (UNINTER).