Tenho observado de perto a movimentação das pessoas que recebem o benefício Bolsa Família e BPC, diante da possibilidade de contratação de um novo emprego. Tem me assustado a forma como as pessoas estão encarando o programa. É como se o mesmo fosse o modo de subsistência permanente e inviolável. Significa que, o propósito do programa que é dar condições de subsistência às famílias de baixa renda, para viabilizar uma melhoria de condições de vida afim de saírem da condição de vulnerabilidade, tem sido desconsiderado ou deturpado.
É comum que estas pessoas, que recebem tais benefícios, não queiram mais um trabalho com contrato assinado. Querem o trabalho, mas não abrem mão de continuar recebendo o benefício. Este comportamento é preocupante, pois além de burlar a ética do bem estar coletivo, trás uma acomodação a um recurso econômico social que deveria ser temporário, como se este fosse uma obrigatoriedade permanente.
Não fiz nenhuma pesquisa sobre o crescimento de registros de MEI em nosso país, mas tenho observado uma movimentação grande destas pessoas para tal registro, pois sendo MEI escapam de serem fichados em um emprego, assim, não perdem o benefício. Mas penso, não perdem por que não tem cruzamento de informações? Pois o Micro Empreendedor tem renda mínima declarada, e é um contribuinte. Situação que seria inviável para as pessoas de baixa renda e vulnerabilidade, não teriam condições de arcar com uma contribuição mensal enquanto MEI.
Onde está a falha? É preciso com urgência fazer uma reflexão e revisão na concessão destes benefícios, pois estamos constituindo uma geração de pessoas que não estão lidando de forma responsável com a relação de trabalho e os benefícios da formalização que o mesmo trás. As pessoas querem ganhar, e não ter responsabilidade moral, social e econômica com o desenvolvimento pleno individual e coletivo.
Acompanho de perto o dilema de contratação de ILPIs no município de Contagem. Falo especificamente das que sou voluntária no trabalho de acompanhamento e organização de duas delas, privadas. É comum as ausências, os avisos em cima da hora da falta, o acúmulo de atestados para não comparecimento ao trabalho. Na divulgação de vagas, os acertos para o início ao trabalho, é comum um telefonema ou mensagem dizendo que não vai dar pra iniciar. Ai, vem a saga da ILPI, sair correndo pra cobrir a pessoa que desistir de começar. Quer dizer, não tem um comprometimento com o emprego fichado para o qual se apresentaram a realizar e que se disponibilizaram para cumprir tal tarefa. Lidam com este emprego como o “bico” e o benefício federal passou a ser a renda fixa. Tudo que não queríamos que acontecesse diante de um programa de Promoção Social como o Bolsa Família e o BPC foram constituídos.
A fiscalização precisa de um outro olhar e novos instrumentos. Primeiro para que não estejamos constituindo uma dependência nas pessoas de viverem eternamente de recurso de benefício federal, segundo, para evitar os desvios que ocorrem, pessoas que não necessitam do benefício, que burlam as leis, os dados, para levarem vantagem. O que nos leva exatamente a uma sociedade individualista, egoísta e autodestrutiva na relação com o outro e de empatia.
O programa foi pensado como um passo para garantir mais autonomia para as pessoas de baixa renda, um apoio até conseguirem um novo emprego, uma estabilidade. Mas o que temos visto em constante é um apego ao programa/benefício, deixando o emprego formal em segundo plano. É comum vermos pessoas dizendo: não posso fichar, porque se não perco o benefício. Mas se não ficharem, as empresas incorrem em descumprimentos legais.
É urgente um repensar da concessão de benefícios, para que preservemos os direitos trabalhistas e a geração de empregos formais, de maior estabilidade social e econômica, para as pessoas e para o país. O benefício social é para as pessoas que realmente precisam dele e é um custeio momentâneo, não permanente, para garantir subsistência e condições mínimas de inserção social, inclusão e bem estar.
Defendo o programa Bolsa Família, o BPC, mas se não cuidarmos destas questões que trago à reflexão, podemos incorrer em uma diminuição da formalização trabalhista, trazendo um inchaço dos programas de transferência de renda, dificultando as ações de governo para a manutenção e viabilização dos recursos e dos programas.
Gláucia Helena de Souza é professora de História. Pós Graduada em Sistema de Proteção Social, Seguridade e Trabalho.