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Governo sem maioria e capitalismo sem risco, por Maria Cristina Fernandes

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Com derrota no saneamento, governo mostra que não tem maioria e com petição no STF, que pretende enfrentar o capitalismo sem risco

VALOR ECONÔMICO, 11/05/2023

O governo não tem maioria no Congresso para reverter duas reformas, o marco legal do saneamento e a limitação do capital votante da União na Eletrobras. Ainda assim, a centrar esforços no arcabouço fiscal, resolveu ir pra cima, com chances desiguais.

Conselheiros presidenciais chegaram a argumentar que, por mais fundamentais que fossem, as batalhas da água, esgoto e luz deveriam ser adiadas para quando o governo ganhasse fôlego parlamentar. O fiasco no saneamento levou o tema para o Supremo. A contestação ao modelo societário da Eletrobras foi direto para a Corte. A primeira é choro de perdedor. A segunda, não. Aos fatos.

Na negociação do saneamento, sob Jair Bolsonaro, os governadores acamparam no Congresso. Sem fôlego financeiro, de um lado, e transformadas em cabides de emprego, do outro, as estatais ficaram longe de universalizar o serviço, mas argumentavam que o capital privado só o faria porque desobrigado de se valer dos consumidores ricos para subsidiar os pobres.

Um dos porta-vozes mais ativos das estatais era o então governador da Bahia. Tendo o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por testemunha, Rui Costa fechou acordo que preservava o direito de as estatais prorrogarem os contratos vigentes sem licitação desde que se comprometessem a cumprir metas de universalização em curto espaço de tempo.

As concessões, portanto, foram de lado a lado, mas o PT, apesar do acordo, votou contra. A posição facilitou a vida de um ex-ministro, hoje senador, que recomendou o veto deste artigo da lei para o ex-presidente.

Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presença de ex-governadores petistas na Esplanada já sinalizava que a agenda invadiria a pauta. Não deu outra. A Advocacia-Geral da União fez ressalvas, mas com a Casa Civil comandada pelo ex-governador derrotado no saneamento, Lula assinou o decreto que confrontou a lei aprovada.

O texto não apenas regulamentava como recuperava artigos anteriormente vetados. Não se trata de Lula impondo sua derrota a Bolsonaro. Os vetos do ex-presidente foram mantidos pelo Congresso. É o governo bancando uma maioria que deveras tem. E, assim, a rejeição do decreto pela Câmara na semana passada marcaria a primeira grande derrota parlamentar do presidente.

Foram tantos os erros que a ação do governo contaminou a percepção sobre a petição da AGU protocolada esta semana no Supremo sobre outro tema. Não que faltasse disposição para repeti-los. Lula reiterou mais de uma vez, depois da posse, sua disposição de reestatizar a Eletrobras, mas foi convencido de que lhe faltam agulha e linha. Além do mais, capítulos polêmicos daquela empreitada, como o jabuti das termelétricas, contaram com o apoio do PT.

A tese prevalente da ação direta de constitucionalidade, capitaneada pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, não é pela retomada de controle. Não advoga nem mesmo que se interrompa a diluição do capital estatal, hoje de 42% das ações. A petição questiona a afronta aos direitos políticos da União e requer sua equiparação ao capital investido na empresa. Uma breve retomada dos fatos se impõe.

A privatização da Eletrobras proibiu que acionistas tenham capital votante superior a 10%. Em tese, esta cláusula foi estabelecida para evitar que a concentração acionária resultasse num controle danoso à prestação de um serviço básico. Na prática, só atingiu um único acionista, a União, cujos direitos políticos foram minorados em detrimento de minoritários – sem que tenha sido, sequer, indenizada por isso. Foi muito diferente do que aconteceu, por exemplo, com a desestatização da Embraer, que só reduziu os direitos políticos depois da pulverização das ações.

A ideia era concluir a pulverização do capital com o uso de precatórios. Com as mudanças promovidas sob o patrocínio do ex-ministro Paulo Guedes, bancos se empanturraram de precatórios para comprar fatias acionárias da União como a da Eletrobras. No meio do caminho, porém, mudou o inquilino do Planalto.

Com a jabuticaba aprovada pelo Congresso, a União não fez um único representante no conselho de uma empresa da qual é maior acionista. Esteve ausente, por exemplo, da deliberação que aumentou a remuneração dos atuais administradores e conselheiros para até R$ 12 milhões anuais.

O mais provável é que o Estado seja lembrado quando houver prejuízos a serem socializados. Ilação? Basta ver o que se passa com a Vibra, que resultou da privatização da BR Distribuidora. O governo tem recebido pressões de bancos para que a Petrobras recompre a empresa com ações em queda. Não é fantasioso imaginar uma reprise visto que a Eletrobras hoje é dirigida por administradores que, até recentemente, estavam na Vibra.

O modelo de privatização da Eletrobras foi votado no período em que mais se afrontou a democracia. E não ficou imune a isso. Se a Eletrobras, até a desestatização, foi marcada pela ausência de governança, o capítulo que veio a seguir em nada a incrementou. A petição do governo já foi acusada de promover insegurança jurídica. É de se perguntar que segurança o colossal calote da Americanas produziu para as expectativas dos investidores. A petição sobre a Eletrobras oferece ao STF a oportunidade de evitar que práticas semelhantes invadam sua gestão. A chegada de outro processo, o do saneamento, permite ainda que a Corte diferencie uma coisa da outra.

Maria Cristina Fernandes é jornalista.

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