Na casa grande há um exíguo quintal. Se é que pode se chamar assim à estreita faixa de terra de míseros dez metros quadrados, que serve de arrimo entre o muro e a parede. Pois não é que em tão pouca terra se dão pequenos milagres?
Da bota de Fidel, presente que veio cuidadosa e amorosamente de Cuba, já quebrada de um lado, brota insistente planta, ainda agora florida. Seus tons avermelhados enfeitam a entrada, visível aos que chegam e aos pés do pequeno orquidário. Lá onde pétalas brancas repousam esplendorosamente, cuidadas com amor, enquanto outras adormecidas esperam pacientemente pelo tempo de florescer. São assistidas do miúdo jardim ao lado, onde a jabuticaba não dá frutos, mas dá esperança de que eles virão. E que serão saborosos como as pitangas em suas safras.
Neste espaço, como disse, prodígios acontecem todo o dia, ao longo destes anos em que aqui se habita. O mais recente é o mamoeiro. Nasceu despretensioso, semente trazida por algum pássaro. Já ultrapassou a altura do muro, está acima da cerca elétrica. E a cada subida oferta abundantes frutos, que começam a amadurecer e logo são apanhados. Grandes, doces, fartos. Em levas de quatro ou mais, servem também para presentear familiares.
Dizem que a natureza nos dá aquilo que precisamos. No caso dos limoeiros, que nasceram sem serem plantados, a explicação é simples. Tomado pela manhã em jejum, com água, o suco do limão ajuda a limpar do organismo o ácido úrico, que, produzido em excesso causa a gota. Já o mamão, que é recomendado para o bom funcionamento do intestino, veio sem nenhum motivo aparente. Pura dádiva. Com a qual nos deleitamos.
Outra que chama atenção é uma espécie de trepadeira. Essa foi uma das poucas plantadas. Cria um tipo de garra que gruda na parede e a eleva às alturas e a segura de eventuais quedas. E assim, garante um domínio vertical, já que além disso ela se esparrama no solo em diferentes direções. Impressionantes também são as plantas aleatórias que surgem, crescem e engrossam seus caules. Uma delas, com espinhos que atacam quando chega a necessidade de poda.
Mas nada é tão fascinante quanto aquela que na primavera tudo enfeita com generosas flores amarelas. No outono seus galhos secam e ela adormece. Parece morta. Mas a vida está apenas repousando. Seu ritual se repete, à espera de setembro. E ela sabe que depois todos verão as lagartas chegarem e devorarem tudo que nela é verde. Alguém diz que precisam ser exterminadas. Mas como resistir ao encanto que é saber que estão apenas iniciando o ciclo que ao final as transformará em borboletas? E vê-las, patinhas apressadas, fugindo dos predadores e buscando os lugares mais inusitados para tecer seus casulos e cumprir o sentido de sua existência. Agora mesmo tem uma pendurada no cantinho da escada que liga a garagem ao primeiro piso.
Outra coisa fascinante nesta micro biosfera são os ninhos. Gerações de rolinhas passaram por eles. A princípio se ofereciam às nossas vistas curiosas. Depois, cansadas de serem espiadas, foram migrando para galhos mais altos. Ainda é possível vê-las altivas, a cabeça sobressaindo depois que se aconchegam para proteger os ovos. De certa feita fomos agraciados por um abrigo ainda mais delicado. Uma beija-flor nos escolheu como testemunhas de sua reprodução. Como acontece com alguns casais, após o cortejo e a cópula o macho segue sua vida e a fêmea é quem se incube de construir a provisória morada, cuidar dos ovos e alimentar as crias. A mãe solo os protege até que possam bater asas entre 50 e 80 vezes por segundo e seguirem seu próprio rumo. Gentil, essa que fez curta estadia entre nós, se deixou fotografar, permitindo eternizar a bela lembrança da sua presença.
O olhar bucólico encontra ainda no jardim a flor do deserto. Plantada no dia em que Cecilia nasceu, ela está prestes a completar quatro anos no finalzinho de maio. Zeloso carinho de uma amiga “kérida”, faz companhia a espada de São Jorge, ao cacto, ao lírio-da-paz e tantas outras. E, pasmem, são vizinhas de uma bacia de plástico onde proliferam deliciosas e verdes cebolinhas. Do outro lado, majestosa, impera a pata de elefante. Garbosa. Elegante como tinha que ser.
Tanta beleza ilustra os dias. Aquece a alma. E pode ser admirada da varanda, deitado na rede ou sentado no velho banco de madeira de lei. Meus pais o ganharam de presente de casamento há mais de 60 anos. Veio do interior de Minas, quando o casal ancorou em Contagem, em 1966… Mas essa é outra história.
A que estou contando aqui é sobre coisas belas, simples, singelas, que fazem a vida valer a pena. Ou, como disse Fernanda Torres, “a vida presta”, com nossos jardins, frutos, flores e alegrias cotidianas tecidas como os frágeis e ao mesmo tempo consistentes ramos e galhos dos quais os pássaros fazem as suas moradas. Ou como a lua cheia que brilha encantada e ilumina sonhos e sonos profundos no céu de abril.
Hamilton Reis é jornalista e advogado.