Não tem flores em Gaza. Só cinzas. Não tem mães a chorar a morte dos filhos, porque as mães foram assassinadas. E não tem pais para chorarem a morte da esposa e de seus rebentos, porque toda a família foi exterminada.
Em Gaza tem um silêncio ensurdecedor, que não nos deixa dormir em paz. Tem o medo pairando no ar. O peso da bomba que cai e trucida a vida. O gosto amargo da destruição e do caos azeda o leite, amarga o café e tira o gosto bom do pão. A pomba branca que atravessa a fumaça e sobrevive ao odor de pólvora está irremediavelmente manchada de sangue. A inocência está perdida. A infância não brinca mais de futuro. Tudo é sombrio. A desesperança paira e o desespero invade as antigas esquinas, transformadas em escombros.
Na fila da fome, perfilada, está a vergonha dos abastados, que reclamam do muito e se esquecem dos que vivem do pouco, quase nada. A solidariedade está cerceada. A ajuda proibida. Porque o extermínio está em curso. Planejado de forma meticulosa. Com safadeza bélica, com farsa, com sadismo fúnebre, porque a verdade também está morta.
Não são humanos os nossos irmãos e irmãs de Gaza? Não sentem fome e frio, não merecem moradia, trabalho, dignidade? Não acreditam no mesmo Deus ao qual clama o resto da humanidade? Estão relegados à penumbra e não têm direito ao sol que nasce para todos?
Não existem árvores em Gaza. Só cinzas. Os pássaros foram afugentados para longe. O céu é dos drones, a terra outrora prometida é um cemitério de cadáveres insepultos, porque os mortos não conseguem enterrar os seus mortos.
Aos que têm fé o apelo é para que rezem por Gaza, porque em Gaza não tem templo para a oração, nem hospital para os feridos, nem escola para se ensinar. E no peito vazio, no coração despedaçado e no estômago que ronca, nem Jesus consegue entrar.
Em Gaza, não existe noite tranquila e nem dia sem sofrimento. Tristeza maior não existe. E nós, de novo diante de Guernica, insistimos no erro. Negamos o aprendizado, até nos dividimos perante a destruição, como se diante do massacre fosse possível se dar ao luxo de se ter duas opiniões distintas, uma que chora as vítimas e outra que defende o algoz.
Nós, que assistimos aos nossos pequenos ditadores arrogando grandeza, nós que relegamos a política a mera disputa de vaidades, como é que podemos sofrer por tão pouco? Nós que temos mesa farta e madrugadas aquecidas, não podemos esquecer que não existe amanhecer em Gaza. Porque esse é o retrato do inferno e o inferno é mais cruel e medonho do que a mediocridade que nos ronda.
Hamilton Reis é jornalista e advogado.