Tudo indica que Trump vencerá com muita facilidade as prévias republicanas, mas nada aponta que ele é imparável na disputa contra Biden
Valor Econômico, 24/01/2024
O processo de prévias partidárias republicano mal começou e praticamente já acabou nos EUA. Depois de vencer em Iowa na semana passada, o ex-presidente Donald Trump ganhou na terça-feira a primária em New Hampshire. Se não ocorrer algo clamoroso, ele será o candidato presidencial do Partido Republicano nas eleições de novembro. Mas a facilidade com que avança nas prévias faz de Trump o favorito para se tornar o próximo presidente dos EUA? Não necessariamente.
Trump obteve quase 55% dos votos em New Hampshire, contra 43% de Nikki Haley, a única adversária que sobrou na disputa republicana. O resultado pode não parecer ruim para Haley, mas ela precisava de mais do que isso para se mostrar viável na disputa. Entre os Estados governados pelos republicanos, New Hampshire é um dos mais hostis a Trump. Seu governador, Chris Stinunu, é um ferrenho crítico do ex-presidente e faz campanha aberta por Haley.
Haley prometeu ficar na disputa até o fim, após a desistência dos outros pré-candidatos republicanos. Talvez ela não tenha dinheiro para isso. De todo modo, Haley sabia que não tinha chances desta vez e possivelmente está de olho nas eleições de 2028, quando Trump não será candidato.
Nesse ritmo, Trump caminha para ter a vitória mais arrasadora de alguém que não era presidente na história das prévias partidárias americanas. Só um acontecimento clamoroso o impedirá de ser candidato republicano, já que nunca na história dos EUA o vencedor das primárias cleixou de ser o candidato presidencial de um partido.
Mas esse passeio nas prévias republicanas significa que Trump é franco favorito para vencer as eleições presidenciais de novembro nos EUA contra o democrata Joe Biden? Não. A vitória tranquila nas prévias ajudará a sua campanha, já que ele poderá economizar dinheiro e evitará o desgaste político de ser continuamente criticado por adversários. Mas as eleições ainda estão distantes, Biden tem a vantagem de ser o presidente, as pesquisas indicam empate técnico e muita coisa ainda pode acontecer até novembro.
Segundo a média das pesquisas elaborada pelo site RealClearPoli-tics, Trump lidera com 47,2% das intenções de voto para as eleições de novembro, contra 44,3% de Biden. A diferença está na margem de erro. Trump está à frente em vários Estados decisivos. Mas esse cenário pode mudar. Em 24 de janeiro 2016, a democrata Hillary Clinton liderava com 44% na média das pesquisas, contra 41,3% de Trump, que acabou vencendo a eleição.
A história também não favorece Trump. Apenas um presidente que perdeu a reeleição conseguiu voltar à Casa Branca. Grover Cleveland foi presidente de 1885 a 1889, perdeu a reeleição, mas conseguiu vencer a eleição seguinte e voltar à Casa Branca em 1893.
Além disso, é raro um presidente americano perder uma reeleição. Desde 1789, apenas dez presidentes disputaram a reeleição e perderam. No século 20, foram só três: Herbet Hoover.Jimmy Cárter e George Bush (pai). Trump foi o único neste século.
Nesses últimos quatro casos, os EUA entraram no ano eleitoral em meio a uma crise econômica, o que prejudicou o presidente que estava no cargo. Em 1932, Hoover perdeu durante a Grande Depressão; o PIB naquele ano caiu 12,9%. Em 1980 o PIB caiu 0,3% e Cárter perdeu. Bush perdeu em 1992, quando o PIB americano cresceu, mas havia caído 0,1% em 1991 e, segundo analistas, os americanos demoraram a sentir a melhora da economia. Em 2020, quando Trump foi derrotado, a economia americana recuou 2,8% devido à pandemia de covid-19.
Desta vez é diferente. Os EUA cresceram bem nos três primeiros anos de governo Biden (5,9% em 2021,2,1% em 2022, cerca de 2,5% em 2023) e devem crescer 2% neste ano, segundo projeções. Pesquisas indicam que a maioria dos americanos desaprova o desempenho de Biden na economia, mas há sinais de que essa percepção ruim pode estar mudando. Biden gastará muito para convencer os americanos de que a economia melhorou no seu governo.
Segundo a mídia americana, Trump é o adversário preferido pelos marqueteiros de Biden. A campanha do democrata aposta que os eleitores se recordarão das polêmicas que marcaram o governo Trump. E também que Biden conseguirá captar um número maior de eleitores independentes, isto é, aquele eleitor que ora vota democrata, ora republicano e que acaba decidindo as eleições nos EUA.
O eleitorado americano será lembrado regularmente dessas polêmicas nos próximos meses, pois Trump é réu em quatro processos criminais que vão avançar e podem ser julgados ainda antes da eleição. Pesquisas indicam que a maioria dos eleitores republicanos deve apoiar Trump mesmo se ele for condenado, mas o efeito sobre os eleitores independentes ainda é incerto. E, numa disputa apertada, mesmo uma pequena perda de votos pode ser decisiva.
Segunda a mais recente pesquisa YouGov/Economist Trump tem rejeição grande entre as mulheres e os jovens. Biden buscará mobilizar esse eleitorado. O ex-presidente também é rejeitado por uma parte do eleitorado republicano. Uma sondagem, da TV NBC e do jornal “Des Moines Register”, indicou que 43% dos republicanos que votaram em Hailey nas prévias de Iowa não apoiarão Trump e preferem votar em Biden.
Assim, tudo indica que Trump vencerá com muita facilidade as prévias republicanas, mas nada aponta que ele é imparável na disputa contra Biden. Trump deverá ser competitivo, mas a campanha eleitoral americana está apenas começando. O caminho até novembro será longo.
As eleições ainda estão distantes, e Joe Biden tem a vantagem de ser o presidente
Humberto Saccomandi é jornalista.