Comete grave erro quem observa, isoladamente, as pesquisas mais recentes que indicam queda na popularidade do governo Lula. Isso porque a conjuntura continua tensa e complexa e não é aconselhável aceitar as conclusões dos institutos de pesquisa sem uma reflexão mais detida e sem buscar outros indicadores para balizar às análises. Não digo que a popularidade de Lula não esteja em queda. O que afirmo é que este fato precisa ser melhor compreendido e explicado. É o que tentarei neste artigo.
De começo, vejamos alguns exemplos da complexidade da conjuntura. A empresa de pesquisas AtlasIntel, em levantamento recente, registra que 32% da população brasileira afirma se identificar mais com o bolsonarismo, enquanto 31,2% se identificaria mais com o petismo. Temos ai um empate. Mas, no mesmo levantamento, 16,5% dos entrevistados se consideram antibolsonarista, embora não sejam petistas. Já 8,6% se diz antipetista, embora não se identifiquem com os bolsonaristas. [2] O antibolsonarismo seria, assim, duas vezes maior que o antipetismo no Brasil, embora petismo e bolsonarismo tenham tamanho equivalentes.
Outro exemplo. Levantamento do Datafolha, também recente, indica que o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro levaria 63% dos eleitores da cidade de São Paulo a não votar de jeito nenhum no candidato indicado por ele. Na mesma pesquisa, 42% dos entrevistados na cidade afirmam que rejeitariam um nome apoiado pelo presidente Lula. [3] Salta aos olhos a má vontade do paulistano para com o ex-presidente na comparação com Lula. Mas, é isso mesmo? Na conservadora São Paulo, Lula seria um cabo eleitoral melhor que Bolsonaro?
O que esse números parecem indicar é uma tendencia geral francamente desfavorável ao bolsonarismo na base da sociedade, ao contrario do que muitos acreditam. Vamos a mais um exemplo: uma pesquisa divulgada pela Quaest na esteira da manifestação convocada por Bolsonaro em protesto às ações que correm contra ele na Justiça, revela que metade dos brasileiros (50%) são favoráveis à sua prisão, mais da metade (53%) não acredita que ele esteja sendo vítima de perseguição do Judiciário e 47% dos entrevistados também acreditam que ele participou da tentativa de golpe de Estado no ano passado.[4]
É neste esquadro que as recentes pesquisas avaliando a popularidade do governo Lula precisam ser consideradas.
De forma apressada, muita gente comprou a ideia segundo a qual a queda da prestígio interno de Lula se deveria à declaração comparando o regime sionista de Netanyahu ao nazismo de Hitler. É uma explicação duvidosa, por várias razões. A mais importante delas é que a tendência desfavorável ao governo vem desde o ano passado, por volta de agosto ou setembro conforme o instituto, e a declaração de Lula foi feita em fevereiro. Tomemos o caso dos evangélicos, por exemplo, ditos como os mais ressentidos com Lula pela suposta ofensa a Israel. Entre eles, a desaprovação do presidente chegou a 62% no último levantamento da Quaest, mas já estava em 56% em dezembro, e havia chegado a 52% em outubro do ano passado. Portanto, a frase de Lula até pode ter contribuído para o aumento de sua reprovação entre este público, mas não a explica.[5]
Outra explicação amplamente difundida e igualmete duvidosa, tem a ver com a economia e, especialmente, com o preço da comida.
É fato que os preços dos alimentos consumidos nos domicílios das famílias brasileiras vêm subindo acima da inflação desde outubro do ano passado. Só neste começo de ano, em janeiro e fevereiro, a alta chega a 2,95% – ou seja, mais que o dobro do 1,25% do IPCA, índice oficial de inflação calculado pelo IBGE.[6] Os números da primeira edição da pesquisa RADAR FEBRABAN deste ano, realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), mostram que quase 7 em cada 10 entrevistados (67%) avaliam que os preços dos produtos aumentaram ou aumentaram muito, 13 pontos a mais que em dezembro de 2023 (54%). Essa percepção reflete a pressão da alta dos alimentos sobre o IPCA, somada ao impacto das contas de começo de ano, como material escolar, IPTU e IPVA sobre o orçamento doméstico, como observa Antonio Lavareda.[7]
Apesar disso, o levantamento do IPESPE mostra um brasileiro confiante no futuro e otimista com a economia. Para 48% dos entrevistados, o país está melhor na comparação com o ano anterior e 57% acreditam que o Brasil vai melhorar ainda mais. Já na pesquisa da AtlasIntel, quesitos como “Pobreza, desemprego e desigualdade social”, citados por 20,6% dos entrevistados , e “economia e inflação”, por apenas 15%, aparecem em terceiro e sexto lugares, respectivamente, no ranking das maiores aflições da população. No topo da lista, estão a preocupação com a criminalidade, com o tráfico de drogas e com a corrupção, assuntos citados como os principais problemas do país para quase 60% dos entrevistados.[8]
Ou seja, “Não é economia, estupido!”, podemos afirmar, invertando o famoso clichê criado nas eleições norte-americanas dos anos 1990.
Duas possibilidades devem ser consideradas neste caso. Uma, é que os temas economicos deixaram de constar entre os principais problemas do país para a maioria da população devido aos avanços alcançados nesta área no útimo ano, com crescimento de 2,9% do PIB, aumento do salário médio, dos gastos com benefícios assistenciais (BPC), redução da taxa de desemprego, queda da inflação, etc. Acho essa interpletação pouco provável porque as agruras do cotidiano, como a carestia da vida, azedam o humor do freguês que passa a achar tudo ruim.
A outra possibilidade, mais plausível, é que estejamos perdendo a disputa pela pauta. Temas como a criminalidade, o tráfico de drogas e, especialmente, a corrupção não são, tradicionalmente, exemplos típicos das principais preocupações de brasileiros e brasileiras e, apenas recentemente passaram a ter o destaque que têm atualmente.
Em 2011, primeiro ano do primeiro mandato de Dilma na presidência da Repúbica, a corrupção estava em sexto lugar no ranking dos principais problemas do país, com apenas 3% de citações, de acordo com os dados do Datafolha coligidos pela BBC News Brasil. [9] Na época, a Saúde era a líder. No contexto dos protestos de 2013 e das primeiras revelações da Operação Lava Jato, deflagrada no ano seguinte, a corrupção chegou à terceira colocação na lista e, por volta de 2015 passou a ser apontada como o maior problema do país, sempre segundo o Datafolha. Em março de 2016, às vésperas do impeachment da presidenta, 37% dos brasileiros classificavam a corrupção como a maior preocupação do país. Essa situação praticamente não mudou até a eleição de 2018, quando começa sua trajetória de queda. Em dezembro de 2021, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, apenas 4% dos entrevistados achavam que o principal problema do Brasil era a corrupção e, de novo, a Saúde assumiu a liderança, com 24% das menções.
É interessante, portanto, que a corrupção, ao lado do tráfico de drogas e da criminalidade, volte a ter destaque entre as preocupações dos brasileiros, encabeçando a lista da AtlasIntel desde que Lula tomou posse de seu terceiro mandato. Também é de se destacar que a criminalidade e o trafico de drogas sejam os principais problemas do pais para 55,3% dos que votaram em Lula no segundo turno de 2022, contra 67,3% dos eleitores de Bolsonaro. Já a corrupção é uma preocupação proritária para apenas 40,5% dos eleitores de Lula, contra 82% dos eleitores de Bolsonaro.
No primeiro caso, temos – mais uma vez – a constatação dessa novissima variavel que tende a interferir em intensidade progressiva nas questões de políticas urbanas, pelo viés da segurança pública. Trata-se da presença do crime organizado e das milicias no cotidiano da cidadania. Não é sem razão que mais da metade dos eleitores de Lula acusem o problema e este é um complicador da equação já que o combate à criminalidade sempre foi uma pauta mais pertencente à agenda da direita. A esquerda nunca se sentiu confortável com o tema.
Já no caso da corrupção, é sem qualquer sombra de dúvida, na minha opinião, que é o bolsonarismo quem promove essa pauta dentro da estratégia de fazer a disputa de hegemonia mobilizando valores conservadores e afetos, especialmente o ódio, via redes sociais. O combate à corrupção, como aconteceu no Operação Lava Jato, pode ser o elemento galvanizador de uma perspectiva de poder e de uma narrativa que tem forte capacidade de mobilização e força convocatória, principalmente se aliada à promoção e defesa de um líder redentor supostamete perseguido e injustiçado.
O bolsonarismo nunca abandonou a disputa da hegemonia, mas ela ganhou novo vigor com a reação de Bolsonaro ao risco real de ser preso. Assim, nos últimos dias, assistimos a uma poderosa retomada da ofensiva bolsonarista tanto com o ato do dia 25 de fevereiro, quanto pela conquista do comando de importantes comissões da Camara dos Depuatdos: a deputada Caroline de Toni (PL-SC) presidirá a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), a de Educação. [10] É desnecessário frisar o quão estratégicas são estas duas comissões nos planos de qualquer grupo político, nem o quanto a foto da Avenida Paulista lotada animou a militância reacionária.
Portanto, embora fragilizado, e perdendo espaço real, como já vimos, o bolsonarismo mostra resilência, resiste como força ativa, engajada e sinaliza a quem interessar possa que continua relevante no cenário político do país.
Resultado positivo dessa estratégia é que segue aumentando o número de pessoas que acreditam que o país está mais polarizado – outra notícia ruim para a narrativa da reconstrução nacional e de organização de uma frente ampla em defesa da democracia e do país, adotada por Lula. De outubro do ano passado a fevereiro deste ano, o percentual de pessoas que concorda com a afirmação: “o país está mais dividido”, subiu de 64% para 83%. O percentual é o mesmo apurado em fevereiro de 2023, logo depois dos ataques extremistas à sede dos Três Poderes no 8 de janeiro.[11]
Falando em notícia ruim, voltemos à popularidade de Lula. As coisas não vão bem. Em primeiro lugar, o presidente vem perdendo prestigio principalmente entre seu eleitorado de 2022. Em julho de 2023, ele era “ótimo/bom” para 82,8% de seus eleitores de segundo turno, coforme a pesquisa AtlasIntel. Neste mês de março, este percentual caiu para 70,6%. Na Ipec, a baixa foi de 70% para 61%. Segundo a Quaest, Lula na presidência segue aprovado entre os nordestinos (68%), entre as pessoas que ganham até 2 salários mínimos (61% ) e entre os brasileiros com nível fundamental de escolaridade (59%). Contudo, mesmo nesses três segmentos a avaliação positiva caiu, respectivamente, 4%, 8% e 7% em relação aos patamares de agosto de 2023.
Além disso, entre fevereiro de 2023 a fevereiro de 2024, de acordo com a Quaest, o governo teria perdido apoio entre as mulheres, que passaram de 58% de aprovação para 51%; entre a população de 16 a 34 anos (de 57% para 46%), entre as pessoas com ensino superior incompleto (de 53% para 45%), entre os com renda entre 2 e 5 SM, que caíram de 56% para 45%; e entre as pessoas pardas, que reduziram de 61% para 53% o nível de apoio a Lula.
Em duas palavras: estamos perdendo a disputa política e isso, por tudo o que foi dito neste texto, é inacreditavel e inaceitável.
A verdade, entretando, é que a esquerda e o conjunto das forças democáticas que sustentam o governo Lula não parecem ter uma estratégia para fazer a disputa de hegemonia e presservar a confiança de seus eleitores. Este é o grande desafio. No debate aberto pela divulgação das pesquisas, tem prevalecido a tendência a debitar a queda de prestigio de Lula a erros na comunicação do governo e, embora ache que, de fato, é uma comunicação ruim, não concordo que essa possa ser a explicação para este problema.
Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que o governo está desorientado, sem um um núcleo político experimentado e autorizado. O próprio Lula reconhe isso em matéria no canal Poder 360. Segundo o texto, a primeira-dama, Janja Lula da Silva, é quem vem ocupando o “posto de principal conselheira do 3º mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É uma das poucas pessoas que faz críticas e alertas sobre a condução do governo. A função é reconhecida pelo próprio chefe do Executivo, que montou a cúpula da sua administração com ministros que não fizeram parte de sua trajetória política e, por isso, não têm liberdade para dar ‘palpites ao chefe”. [12] Sem um núcleo duro tarimbado e de confiança, sobra espaço para o “fogo amigo” (que de amigo não tem nada), para divergências públicas e para as cabeçadas na gestão, como temos visto.
Por outro lado, a tarefa de fazer a disputa pela hegemonia cabe muito mais aos partidos que ao governo. O governo pode e deve participar dessa disputa, mas por meio de ações que fortaleçam o campo interpretativo da realidade que valoriza os bens públicos e o papel do Estado como ente coordenador da vida social e indutor de desenvolvimento para o bem comum, como já escrevi neste blog sobre o governo Marília Campos e sua importância estratégica.[13] Para tanto, é necessária a ampliação presença governamental nas várias áreas sociais e ampliação dos invesimentos em serviços, assistência, infraestrutura, segurança, etc. Não há duvida que a melhoria real das condições de vida da população via políticas públicas é uma das mais eficazes armas da esquerda no enfrentameto das forças de direita.
Portanto, cabe ao governo Lula colocar ordem na casa, enquadrar determinados ministérios, constituir um núcleo de articulação politica com nomes de estofo e sintonizados com seu projeto de governo e, claro, melhorar amplamente a capacidade de comunicação governamental, especialmente nas redes sociais.
Mas, o governo terá dificuldades com a mobilização politica e com a disputa de valores. Esta, como disse, é uma tarefa que cabe mais aos partidos que ao governo. PT e aliados precisam assumir seu papel de agentes mobilizadores na luta em defesa do governo apresentando, sim, as realizações e avanços da gestão, mas, principalmente, oferecendo um projeto de país capaz de encantar e alimentar os sonhos mais orgulhosos e esperançosos de nossa gente. Neste caso, recomendo a leitura do artigo “PT Contagem deve inspirar o PT de Minas e do Brasil”, do José Prata, neste blog.[14] No texto o autor mostra como o partido no muncipio adotou um plano de construção que vem empolgando os filiados e simpatizantes e colaborando para a sustentação do governo municipal a partir de cinco eixos: trabalho de base; formação política; comunicação; partido como espaço do encontro e da confraternização e reorganização das finanças.
Finalizando, é bom lembrar que as pesquisas de opinião nunca traduzem uma avaliação espontânea e isenta de influências externas sobre os entrevistados. Ao, contrário, as opiniões expressas são produzidas no curso dos conflitos de interesses em jogo na sociedade e na busca dos agentes por apoios às suas causas. Para simplificar, podemos recorrer ao clichê para afirmar que o que explica a queda da popularidade de Lula nas pesquisa “é a luta de classes, estúpido”. Não nos esqueçamos da luta de classes.
Ivanir Corgosinho é sociólogo.
NOTAS
[1] – Revista Conjuntura Econômica – FGV, vol. 65, no, 9, setembro de 2011. Disponível em https://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=Conjun_D10&Pasta=&Pesq=&pagfis=3137
[2] 32% das pessoas se dizem bolsonaristas e 31,2% petistas, aponta pesquisa AtlasIntel – https://www.cnnbrasil.com.br/politica/32-das-pessoas-se-dizem-bolsonaristas-e-312-petistas-aponta-pesquisa-atlasintel/?utm_source=social&utm_medium=twitter-feed&utm_campaign=politica-cnn-brasil&utm_content=link
[3] Datafolha: Datafolha: Apoio de Bolsonaro afasta 63% dos eleitores em SP, contra 42% de Lula – https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/03/datafolha-apoio-de-bolsonaro-afasta-63-dos-eleitores-em-sp-contra-42-de-lula.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsfolha
[4] Metade dos brasileiros defende prisão de Bolsonaro, aponta pesquisa Genial/Quaest – https://jornalggn.com.br/politica/metade-dos-brasileiros-defende-prisao-de-bolsonaro-aponta-pesquisa-genial-quaest
[5] 69%: evangélicos puxam reprovação de fala de Lula sobre Israel – https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/03/06/pesquisa-quaest-lula-israel.htm
[6]Preço de alimentos já sobe mais que o dobro da inflação este ano – https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/03/14/precos-de-alimentos-ja-sobem-quase-o-dobro-da-inflacao-este-ano.ghtml
[7] Radar Febraban (fev/2024): Brasileiro começa o ano otimista, mas preocupado com a inflação. Disponível em https://antoniolavareda.com/2024/02/29/radar-febraban-fev-2024-brasileiro-comeca-2024-otimista-mas-preocupado-com-a-inflacao
[8] Atlas: Brasileiros veem criminalidade e corrupção como os maiores problemas do País- https://www.cartacapital.com.br/politica/atlas-brasileiros-veem-criminalidade-e-corrupcao-como-os-maiores-problemas-do-pais
[9] Como ‘brasileiro menos preocupado com corrupção’ pode influenciar eleições? – https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60802231
[10] O avanço do PL nas comissões da Câmara e os estragos para o governo – https://www.estadao.com.br/brasil/estadao-podcasts/o-avanco-do-pl-nas-comissoes-da-camara-e-os-estragos-para-o-governo
[11]Cresce o número de pessoas que acreditam que país está polarizado- https://www.poder360.com.br/pesquisas/cresce-o-numero-de-pessoas-que-acreditam-que-pais-esta-polarizado
[12] Sem conselheiros experientes, Lula recorre a Janja para “alertas” – https://www.poder360.com.br/governo/sem-conselheiros-experientes-lula-recorre-a-janja-para-alertas
[13] Ivanir Corgosinho: A importância estratégica da reeleição de Marília – https://www.zeprataeivanir.com.br/ivanir-corgosinho-a-importancia-estrategica-da-reeleicao-de-marilia
[14]José Prata: PT Contagem deve inspirar o PT de Minas e do Brasil – https://www.zeprataeivanir.com.br/jose-prata-pt-contagem-deve-inspirar-o-pt-de-minas-e-do-brasil