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Ivanir Corgosinho: Edinho Silva e o PT que o futuro exige

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Em seu discurso no 17º Encontro Nacional do PT, Edinho Silva, novo presidente do partido, eleito no Processo de Eleições Diretas (PED) de 2025, apresentou um programa ambicioso cuja principal marca é uma forte racionalidade estratégica e uma perspectiva temporal de longo prazo, voltada para o futuro do país. Isso fica claro logo no início do pronunciamento, quando Edinho afirma que devemos nos preparar para a ausência de Lula como candidato em eleições, fato que deve se consumar muito em breve, logo após as eleições do próximo ano.

Essa constatação abre caminho para uma especulação sobre quem poderia ser o substituto de Lula. A resposta de Edinho é objetiva e simples: ninguém. Jamais teremos outra liderança como Lula porque as condições históricas que permitiram seu surgimento não mais existem, nem voltarão a existir. Por isso, conclui, “seu substituto não será o nome, o seu substituto será o Partido dos Trabalhadores.”

Estamos, portanto, diante de um chamado enérgico para que o PT supere sua dependência da liderança de Lula e resolva seus problemas de organização e funcionamento, capacitando-se para a disputa pela hegemonia na sociedade num quadro de crescente acirramento das lutas de classes. O recente ataque de Donald Trump ao Brasil nada mais é que um sintoma desse prognóstico.

I

Edinho recebe de Gleisi Hoffmann um PT em melhores condições do que ela em 2017, quando assumiu a presidência em meio à crise do impeachment de Dilma Rousseff, à Operação Lava Jato e à prisão de Lula. Sob a gestão de Gleisi, o partido não somente sobreviveu, como se fortaleceu. Chegou ao segundo turno em 2018 com Fernando Haddad, venceu a eleição presidencial de 2022 com Lula e ampliou suas bancadas, de 85 deputados estaduais para 118 e de 56 para 69 deputados federais, no comparativo entre 2018 e 2022.

Em 2024, o PT conquistou o nono lugar em número de prefeituras conquistadas, chegando a 252 contra as 182 que havia conseguido em 2020, e cresceu 31% na votação para legislativos municipais, alcançando a sétima posição nacional, com 3.127 vereadores eleitos. Nesse período, também houve um crescimento significativo do número de filiados e diretórios, fortalecimento das instâncias superiores de direção, e o partido passou de 9% de citações, na crise do impeachment de Dilma, para 23% nas enquetes sobre preferência partidária no país.

Enfim, contra todos os prognósticos e, ainda que longe de sua melhor forma, o PT se manteve como polo aglutinador do campo democrático e da esquerda. Construindo sobre esse legado, o PT pode e precisa dar um salto significativo adiante. É nesta direção que o plano de Edinho aponta, a partir de dois eixos estruturantes: um político, voltado para a disputa, em pleno curso, por um projeto de país; outro organizativo, focado na melhoria da organização partidária e no fortalecimento de sua presença orgânica junto à sociedade civil como condição para que essa disputa possa ser vitoriosa.

II

No plano político, a grande meta é impedir retrocessos nas conquistas sociais e avançar na construção de um projeto nacional capaz tanto de enfrentar déficits estruturais do Brasil, como a miséria e as desigualdades sociais, quanto de responder aos desafios de um mundo em permanente mudança.

É este o sentido de uma série de propostas programáticas que visam garantir a universalização de direitos fundamentais como educação, saúde e trabalho digno, com ênfase na proteção à infância, na melhoria das condições de trabalho e no fortalecimento de sistemas públicos como o SUS. Edinho aponta também para a necessidade de nos aprofundarmos em temas que têm sido difíceis para a esquerda, como a questão da segurança pública. Suas anotações compõem um importante ponto de partida para a construção de um programa a ser defendido pelo conjunto do partido.

Essa visão se estende à inserção do Brasil na nova economia mundial. Edinho defende um modelo ousado de produção sustentável alinhado à agenda global de transição energética e de combate às mudanças climáticas. Na sua pauta estão projetos como a exploração de terras raras e das riquezas da Costa Equatorial, o reflorestamento da Floresta Amazônica, a ampliação sustentável da Amazônia Legal e a continuidade do programa de reindustrialização do país, adotado por Lula, com foco em ciência e tecnologia. Essa pauta tem o potencial de projetar o Brasil como referência em sustentabilidade e inovação tecnológica, com impacto regional e global.

Percebe-se, nas palavras de Edinho, a forte consciência de que tal programa de ação, para ser bem-sucedido, requer uma grande unidade de forças que vão além daquelas que o PT pode reunir, estabilidade institucional e capacidade de execução. Daí, em primeiro lugar, o tom enfático da demarcação tanto com Trump quanto com Israel. O sucesso do projeto depende da derrota e do isolamento da extrema-direita não somente no país, mas no mundo. Por isso, é vital eleger Lula ano que vem.

Em segundo lugar (e aqui reside o ponto crucial do projeto de Edinho), sem que o Executivo possa retomar seu papel protagonista, o projeto ficará comprometido. “O Congresso não pode executar 52 bilhões de reais e nós acharmos que isso é normal. O Congresso não pode se apropriar de atribuições do Executivo”, afirma. Por essa razão, defende uma reforma política para restabelecer os poderes constitucionais do presidencialismo, fortalecer os partidos via adoção do voto em lista, reduzir a fragmentação política e priorizar projetos de governo no Congresso Nacional. A meta é avançar rumo a um sistema político mais representativo e funcional, capaz de sustentar um projeto de nação inclusivo e soberano por gerações.

III

O PT será fundamental neste processo. A organização do campo de forças necessário para sustentar este projeto necessita de um núcleo dirigente que elabore, articule e mobilize. Dentre os sujeitos que, atualmente, compõem o nosso campo democrático, somente o PT reúne os recursos necessários para cumprir esse papel — entre eles, principalmente, a convicção. O discurso, nesse sentido, é um apelo dramático para que o partido se supere e se consolide, nos próximos anos, como um partido fortemente enraizado na sociedade civil, capaz de mobilizar amplas maiorias em torno de uma agenda de transformações estruturais.

É sintomática, nesse sentido, a crítica mal-humorada à centralidade dada às redes sociais na disputa política atualmente. “(…) ninguém faz disputa de consciência de classe postando reels. Que a consciência de classe, que a disputa da consciência de classe é educação popular, é reunir 10, 15, 20 pessoas. Reunirmos a nossa periferia, a nova classe trabalhadora, a juventude que tem se afastado de nós. Reunirmos aqueles que são a razão da nossa existência”, afirma.

Aqui, a orientação é para um firme comprometimento com o mundo tangível, visando a reconectar o partido com suas bases militantes e sociais pelo incentivo à participação: “esse processo só vai se dar se o PT tiver presença, presença nas periferias, presença junto à classe trabalhadora brasileira”. O próprio Edinho se compromete pessoalmente com essa presença ao afirmar que quer “ser um presidente presente na vida do nosso partido, quero viajar o Brasil e quero estar junto com vocês no dia a dia na construção do nosso partido”.

Nesta mesma perspectiva, Edinho destaca a urgência de uma reorganização interna voltada para o fortalecimento da organização de base. Propõe que os núcleos de base voltem a ser instâncias decisórias e o retorno das políticas de nucleação como estratégia central para reconectar o PT com as periferias. Indo além, investe contra a cultura dos conflitos internos e do personalismo expresso, particularmente, nos mandatos legislativos. Diz Edinho: “Não é possível nós disputarmos hegemonia na sociedade sem os mandatos. Mas mandato não pode substituir instância partidária”.

Além disso, trata-se de mudar a qualidade do diálogo do partido com a sociedade no sentido de estimular a auto-organização popular e a formação de uma cidadania crítica.

Neste ponto, cabe destaque à crítica ao abandono do Orçamento Participativo, que deve ser entendida como crítica ao abandono da perspectiva da democratização do poder e de normalização, nas prefeituras e em mandatos parlamentares, de gestões que pouco investem em participação popular, em transparência e prestação de contas — práticas essenciais para produzir coesão social, formação de capital social e engajamento das juventudes e das periferias.

Finalmente, Edinho aponta a economia solidária e o cooperativismo como ferramentas centrais para a superação da desconexão do partido com os trabalhadores informais e desempregados, que estão fora do alcance dos sindicatos tradicionais. A economia solidária e o cooperativismo não seriam, nesse sentido, apenas soluções econômicas para assegurar o poder de compra da nova classe trabalhadora, mas um instrumento de organização e luta dos trabalhadores precários, das desempregadas, dos desempregados e dos excluídos.

Conclusão

Não há sinais, no horizonte próximo, de arrefecimento da atual crise do neoliberalismo e da globalização. Alguns autores projetam décadas, antes que alguma solução de longo prazo se viabilize. Neste interregno, a tendência é que os conflitos sociais se agudizem, especialmente em função dos ataques sistemáticos aos mecanismos institucionais que possibilitam uma distribuição mais equânime da riqueza socialmente produzida. No Brasil, vimos como isso ocorreu sob os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

A construção de um sujeito político que possa organizar a resistência a esses ataques e, mais que isso, dirigir a construção de um projeto de país soberano, desenvolvimentista e inclusivo é, nesse sentido, uma tarefa estratégica.

O discurso de posse de Edinho Silva ilumina esse caminho. Sua ambição estratégica é uma profunda revitalização do PT como condição necessária para a articulação do campo de forças que pode dar continuidade aos projetos de Lula e seguir adiante, na transformação do país numa nação soberana, rica e justa – um país que, nas próximas décadas, possa se afirmar como referência global em políticas sociais, econômicas e ambientais.

Ivanir Corgosinho é sociólogo

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