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Ivanir Corgosinho: Governador, quem quebrou Minas não foi o PT. Foram os tucanos

No início de junho, em mais uma patente demonstração da cegueira política de quem ainda teima em surfar num antipetismo cada vez mais minoritário, o governador Romeu Zema postou em suas redes sociais: “Descontrolado! É como as contas de Minas estavam até 2018, com o PT e Pimentel”. Ou seja, na reta final de seu mandato, o governador repete o discurso fácil que adotou no início de governo, quando propalava aos quatro ventos que “O PT quebrou Minas”.

Neste momento de pré campanha eleitoral, com a tranquilidade do governador abalada pelo forte crescimento da candidatura de Alexandre Kalil em aliança com Lula, é necessário ter calma e puxar pela memória para que o tiroteio das declarações de conveniência não impeça uma compreensão bem informada da realidade mineira. Esta é a função deste artigo. Governador, não foi o PT quem quebrou Minas Gerais. Foram os tucanos, que ocupam a vice de seu governo e com os quais o senhor busca repetir chapa na eleição deste ano.

A saga tucana no governo de Minas Gerais começou em 1995 com a posse do governador Eduardo Azeredo. Em 1999, Azeredo foi sucedido por Itamar Franco, então filiado ao PMDB. Em seguida, o PSDB logrou alcançar três mandatos seguidos. Em 2003, tomou posse no comando do estado, o atual deputado federal por Minas Gerais, Aécio Neves, que foi reeleito e, após sete anos no cargo passou o governo para seu vice, Antônio Anastasia, também tucano, em abril de 2010. Anastasia elegeu-se governador na eleição seguinte e ficou no cargo até 4 de abril de 2014, quando renunciou para coordenar o Plano de Governo de Aécio Neves para Presidência da República e se se candidatar ao Senado Federal. Seu vice, o ex-deputado e presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Alberto Pinto Coelho (PP), assumiu e perdeu a eleição para o petista Fernando Pimentel. São portanto, quatro mandatos tucanos no governo estadual, três dos quais consecutivos num período de 12 anos ininterruptos.

A situação encontrada pelo PT quando chegamos ao governo de Minas, em 2014, era extremamente grave como demonstrou o diagnóstico encomentado por Pimentel à Controladoria-Geral do Estado e que pode ser acessado na íntegra aqui. Os números apontam para a perda da capacidade de investimento do Estado, crescimento acelerado dos gastos de custeio bem acima da receita e uma dívida bruta que saltou de R$ 52,1 bilhões em 2007 para R$ 93,7 bilhões em 2014.

São três as grandes obras tucanas que podem explicar o descalabro administrativo herdado por Pimentel: o crescimento exponencial da dívida pública, a Lei Kandir e o chamado “choque de gestão”.

O descontrole da dívida pública mineira tem origem nos governos do tucano Fernando Henrique Cardoso, quando as finanças estaduais em todo o país começaram a ter problemas mais sérios. Em busca de auxílio, o governador Eduardo Azeredo, recorreu ao governo federal e, em 1997, a dívida mineira foi renegociada em termos que se revelaram péssimos para Minas.

Além de oferecer a privatização dos bancos estaduais como garantia do acordo, Azeredo concordou com o comprometimento de 13% das receitas com o pagamento das mensalidades e com uma taxa de juros de 7,5% ao ano – o que, fatalmente, levaria uma situação de estrangulamento das finanças estaduais em caso de queda nas receitas. Foi o que aconteceu. Os encargos da dívida com a União, entre juros e correção, foram de 9,33% em 1998 para 684,25% em 2010, tornando a “dívida impagável”, como chegou a afirmar o ex-governador Aécio Neves. A situação era tão dramática que, lembremos, o governador Itamar Franco (PMDB) chegou a decretar a moratória por 90 dias do pagamento dos acordos financeiros) em 1999 por “absoluta falta de dinheiro”.

Números da Subsecretaria do Tesouro Estadual, revelam que a dívida de Minas Gerias atingiu o montante de R$ 149,28 bilhões ao final do ano passado. Desse total, 92,85% referem-se a dívidas com a União e com instituições financeiras que têm a União como garantidora. Isso significa que o governo estadual deve ao governo federal R$ 138,62 bilhões, com encargos que representam mais R$ 700 milhões por mês e chegam a R$ 9 bilhões por ano.

A Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) também é obra tucana. Ela foi concebida por Antônio Kandir, Ministro do Planejamento do Governo FHC com o propósito de estimular as exportações brasileiras. Para isso, isentou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados, afetando fortemente as receitas dos estados exportadores, como é o caso de Minas Gerais. A lei previa a compensação, pela União, das perdas causadas por essa renúncia fiscal, o que aconteceu apenas uma vez até 2003, segundo informações da Comissão Extraordinária de Acerto de Contas entre Minas e a União, criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para tratar deste tema. Ainda segundo a Comissão, o prejuízo acumulado por Minas Gerais (Estado e municípios exportadores) em quase duas décadas de renúncia fiscal seria equivalente a R$ 135 bilhões, valor praticamente igual ao total da dívida pública do Estado.

Apenas para registro, o ICMS é um tributo estadual que incide sobre produtos de diferentes tipos, desde eletrodomésticos a chicletes, e que se aplica tanto a comercialização dentro do país como em bens importados. Em Minas Gerais, o ICMS responde por mais da metade do dinheiro que entra nos cofres públicos.

A situação que os tucanos criaram em Minas era grave, mas, em vez de enfrentá-la, trataram de produzir uma maquiagem tendo em vista apresentar o governar Aécio Neves como um administrador eficiente na disputa à eleição presidencial de 2014. A pretexto de haver encontrado uma grave crise fiscal e administrativa herdada da gestão de Itamar Franco, o então governador Aécio Neves colocou em prática o que foi chamado de “Choque de gestão”, método que significou a incorporação de conceitos e procedimentos da administração privada pela gestão pública, com a otimização de processos e corte de custos tendo em vista equilibrar as contas do Estado e atingir uma situação de “deficit zero”. O mentor do programa foi Antônio Anastasia. Na prática, o Choque de gestão significou a precarização dos instrumentos de gestão das politicas de governo em nome da eficiência e levou a um endividamento ainda maior do Estado graças à contratação de empréstimos para cobrir déficits que somaram R$70 bilhões entre 2010 e 2013.

Como é amplamente sabido atualmente, o Choque de gestão tucano nunca aconteceu nem jamais houve Déficit zero. O Estado se manteve altamente deficitário durante todo o período dos governo do PSDB. Ao contrário do que foi propagado durante os governo Aécio Neves e Antonio Anastasia, a dívida do Estado passou de R$ 52 bilhões em 2007 para R$ 93,7 bilhões em 2014. As despesas com a folha de pagamento saltaram de 88% do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 2007 para 105% da arrecadação, em 2014. Tudo não passou de uma jogada de marketing que não construiu alternativas econômicas para Minas Gerais e resultou em um estado falido, quebrado e com pequena capacidade de arrecadação.

Os tropeços econômicos impactaram, naturalmente, todas as áreas sociais. Como resultado desse amplo sucateamento dos recursos para a execução de políticas públicas, Fernando Pimentel encontrou um quadro bizarro que incluía, por exemplo, toneladas de medicamentos com data de validade ultrapassada, esquecidos em contêineres. Aqui, um breve resumo deste quadro em algumas áreas.

EMPRÉSTIMOS — Com a apresentação de uma contabilidade estadual maquiada (que, por exemplo, não cumpria os mínimos constitucionais com Saúde e Educação) Aécio e Anastasia obtiveram autorização do governo federal para contratar empréstimos internacionais bilionários. O aval federal para as operações de crédito internacionais foi realizado via a transferência de recursos da União para o Estado e mediante a garantir que o Estado também resguardaria também de receitas próprias para o pagamento.

OBRAS PARALISADAS — Com as finanças prejudicadas, obras e convênios firmados no passado foram abandonados. Quando o governador Fernando Pimentel chegou ao governo do Estado, haviam 346 obras paralisadas por falta de recursos, bem como outras 151 obras que seriam financiadas por bancos de fomento, como o BNDES, Banco do Brasil e Banco Interamericano de Desenvolvimento.

EDUCAÇÃO — O balanço realizado em 2019 indicava que 80% das escolas da rede estadual estavam em péssimo estado de funcionamento e conservação, conforme os dados do Sistema de Controle do Atendimento Escolar da Secretaria de Educação. As demais careciam de algum tipo de serviço, como bibliotecas, refeitórios, laboratórios de informática, banheiros em bom estado, pátios, quadras poliesportivas, cozinha e despensa. Além disso, os governos tucanos não aplicavam o mínimo constitucional para a Educação (25% da receita estadual), gerando uma dívida com o setor estimada em 8 bilhões de reais. Faltavam mais de 1 milhão de vagas para o Ensino Médio na rede pública e os professores mineiros não recebiam o Piso Salarial Profissional Nacional definido por Lei Federal.

SAÚDE — Os tucanos também não aplicaram o mínimo constitucional para a Saúde e o rombo era estimado em R$ 1,5 bilhão, além de haver cerca de R$ 10,5 bilhões em convênios da saúde não pagos pela gestão anterior. Faltavam medicamentos, hospitais, ambulâncias e centros de exames para atender a população do interior do Estado. As obras de oito hospitais estavam atrasadas ou paralisadas. Outros três nem tiveram início e apenas um, em Uberlândia, foi concluído.

PREVIDÊNCIA — o Funpemg (Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais) foi extinto em 2013, comprometendo a aposentadoria dos servidores, para que o governo pudesse se apropriar dos recursos do fundo para cobrir rombos do caixa único. O Tesouro Estadual precisou fazer um aporte de 5,9 bilhões de reais para cobrir o pagamento de benefícios previdenciários. Parte desse dinheiro foi excluído do pagamento com despesas de pessoal.
Lei Complementar 100/2007 — A pretexto de regularizar a situação de quase cem mil trabalhadores da Secretaria de Estado de Educação que trabalham em situação irregular há mais de trinta anos, Aécio e Anastasia tentaram efetivá-los numa canetada, burlando a exigência de concurso público para a contratação de servidores. A manobra jogou no colo do caixa do Estado o passivo de décadas com a Receita Federal/INSS. Em 2015, a Lei 100 foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, todos os servidores foram exonerados, seus contratos de trabalho declarados nulos e o governo estadual responsabilizado pelos encargos, numa das maiores tragédias trabalhistas que já atingiram o Estado.

MEIO AMBIENTE — O Diagnóstico apurou cerca de 2,7 mil processos de licenciamento ambiental engavetados na Secretaria de Meio Ambiente, inviabilizando investimentos privados na ordem de R$ 5 bilhões. Quase R$ 500 milhões em multas, relativas a 110 mil autos de infração, deixaram de ser arrecadados. Outros 5,3 mil processos sobre manejo florestal estavam parados nas prateleiras. O engessamento dos processos se devia ao excesso de trâmites burocráticos e falta de pessoal.

AGRICULTURA — Havia 16 mil pedidos de regularização fundiária parados. Entre 2012 e 2014 apenas 51 títulos de propriedade foram emitidos. Mais uma vez, constatou-se a falta de servidores no Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais (ITER).

CULTURA — O governo de Alberto Pinto Coelho deixou uma dívida de R$ 4,3 milhões em contratos para elaboração de projetos e obras, todas paralisadas quando Fernando Pimentel tomou posse.

DESENVOLVIMENTO SOCIAL — O governo petista encontrou um quadro de sucateamento da Assistência Social. Os repasses do programa Piso Mineiro, destinado ao investimento social das prefeituras, foi interrompido. Em 2014, 478 cidades ficaram sem receber alguma parcela do piso e, por alta de recursos, os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) interromperam serviços junto às famílias em situação de vulnerabilidade social.

SEGURANÇA — O Diagnóstico governo apontou um crescimento de 52,3% no número de homicídios registrados o estado, entre 2002 e 2012. Mais de 120 mil inquéritos que não hviam sido investigados por falta de estrutura.

Como podemos ver, quando o PT chegou ao governo mineiro, a bomba acesa pelos tucanos estava prestes a estourar. Começavam a chegar ao Estado os efeitos mais graves da crise mundial instaurada em 2008, ou seja, estávamos inaugurando um cenário de drástica redução da arrecadação de receitas em todo o país e Minas estava longe de estar preparada para enfrentar a nova situação. O deficit de quase R$7 bilhões vindos das gestões de Antônio Anastasia e Aécio Neves apenas agravava a situação.

O governador Romeu Zema, que insiste em responsabilizar o PT pela suposta “herança maldita” que teria herdado, passa pano para seus aliados tucanos. Por fechar os olhos ao passado dos governos do PSDB em Minas, também não consegue elaborar um diagnóstico eficiente da realidade do Estado e, por consequência, não tem como propor um programa de políticas públicas capaz de recuperar o desmonte do Estado na educação, na saúde, na cultura, etc. Alias, restaurar as funções indutoras do Estado no desenvolvimento social é algo que sequer passa pela cabeça de Zema. Sua grande solução para os problemas de Minas é a privatização total (“Queremos privatizar tudo. As estatais do Brasil, e não só as de Minas, são utilizadas como instrumentos políticos, e de forma totalmente inadequada”, declarou em entrevista à Istoé em 2020) e a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal criado pelo Governo Temer e que acabou de quebrar o Rio de Janeiro – único ente federado que aderiu a essa proposta até o momento.

Para finalizar, a situação de Minas Gerais só não é pior devido às realizações do governo petista de Fernando Pimentel, que se somam aos repasses extraordinários de recursos federais em 2021 e ao acordo com a Vale. Foi o nosso governo que iniciou ações judiciais que garantiram, em 2019, a suspensão do pagamento das dívidas com a União, o que vem representando uma economia de, aproximadamente, R$ 9 bilhões por ano para o Tesouro Estadual. Já a realização de operações de crédito como a da Gasmig e da Codemig ajudaram a provocar, entre 2018 e 2019, um salto de arrecadação de R$10 bilhões em Minas, com aumento real de receita.

Ivanir Corgosinho é sociologo.

NOTAS

BALANÇO 90 DIAS. Controladoria-Geral do Estado., 2019. Acesse aqui.

LOPREATO, Francisco Luiz C. O endividamento dos governos estaduais nos anos 90 Texto para Discussão. IE/UNICAMP n. 94, mar. 2000.

OLIVEIRA, Fabrício Augusto; GONTIJO, Cláudio. A dívida do governo do estado de Minas Gerais: impagável?

FOLHA DE SÃO PAULO. Itamar decreta moratória de 90 dias- https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc07019908.htm

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