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Ivanir Corgosinho: O jogo jogado da eleição presidencial

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Na crônica futebolística se diz que não existe vitória garantida quando o jogo é clássico. Não importa o quão favorito seja, eventualmente, um dos oponentes. O fato de ser um clássico sobe a pressão, energiza as torcidas, desperta os talentos individuais, ativa energias insabidas nas equipes e o resultado final é aquele definido no sufoco de cada partida. Como se diz no jargão, o jogo é jogado.

Em política, nada poderia ser mais clássico que uma disputa eleitoral entre os campos de direita e de esquerda ou entre o progressismo e o conservadorismo. Esses dois times pelejam entre si praticamente desde o início das chamadas sociedades civilizadas e do surgimento do poder governamental hierarquizado. É um clássico, sem qualquer sombra de dúvida.

A eleição deste ano para a Presidência da República adquiriu, há vários meses, esse perfil. Com a eliminação da chamada Terceira Via ainda nos primeiros momentos das fases preliminares, entramos no período oficial de campanha reproduzindo a polarização Lula x Bolsonaro que vem de desde a pré-campanha, sempre com nosso ex-presidente à frente nas enquetes de intenção de voto.

Essa frente é tão demorada no tempo, tão consistente e estável e, em alguns momentos, tão ampla que, em muitos setores do campo lulista, foi se sedimentando certa convicção de que a eleição seria inexoravelmente resolvida já no primeiro turno. Basta lembrar que em maio, a vantagem de Lula sobre Bolsonaro chegava aos 15 pontos percentuais.

Dai o stress que pesquisas mais recentes, indicando uma redução da distância entre o primeiro e o segundo lugar, causaram entre alguns observadores da conjuntura. “Vai haver segundo turno!”, declararam os militantes do pessimismo, como observou Miguel do Rosário no Cafezinho em 15 de agosto. Especialmente impactantes neste grupo foi o levantamento da Genial/Quaest divulgado na sexta-feira (12), apontando a redução de 18 para 9 pontos percentuais a diferença de Lula sobre Bolsonaro em Minas Gerais e um empate técnico entre os dois em São Paulo (37% x 35%).

Há que se reconhecer que na pré-campanha, Lula vinha jogando praticamente parado e incrivelmente sozinho. Mas o jogo é jogado. Apenas uma imaginação muito ingênua poderia supor que Bolsonaro não reagiria com toda a força que o cargo coloca à sua disposição e foi o que ele fez.

Diversos levantamentos têm demostrado que a questão social e a economia serão fatores decisivos na decisão de em quem votar na eleição presidencial deste ano, com pouco espaço para o discurso moralista e conservador que corresponde mais ao gosto tacanho do presidente.

Em junho, 56% dos entrevistados num levantamento Quaest/Genial, responderam que a situação econômica do país “influencia muito no voto”. Esse percentual é semelhante ao apurado pelo Datafolha no mês anterior, quando 53% dos entrevistados deram a mesma resposta. O Instituto Paraná Pesquisas também tem um levantamento sobre as razões do voto com resultados semelhante.

Com base nesta percepção, a jogada do Auxílio Brasil visou, principalmente, alavancar a popularidade de Bolsonaro e tentar empurrar a eleição para o segundo turno. O esforço de reeleição às custas dos cofres públicos é, simplesmente, monumental, como mostram os cálculos do jornalista José Paulo Kupfer.

Estão sendo despejados na economia recursos equivalentes a 4% do PIB — são cerca de R$ 300 bilhões. Os R$ 41 bilhões extras do Auxílio Brasil até dezembro são apenas a cereja do bolo. Além disso, temos R$ 100 bilhões em cortes ou redução de tributos (IPI, PIS/Cofins para diesel e gás, alíquotas do Imposto de Importação, mais o pacote de corte de ICMS em combustíveis, energia, transporte público e serviços de comunicação) e mais R$ 90 bilhões em antecipações do INSS e permissão de saque no FGTS. É dinheiro “jogado de grila”, como se dizia d’antanho.

É evidente que essa monumental massa de recursos públicos mobilizados pelo governo federal na chamada PEC Kamikaze (diga-se de passagem, com o apoio praticamente unânime da bancada de oposição) resultaria em algum ganho para Bolsonaro.

Mas, o que as pesquisas imediatamente posteriores à da Genial/Quaest divulgada dia 12, inclusive as desse mesmo instituto, mostraram é que o ganho foi muito aquém das expectativas. Lula não apenas preserva a liderança como mantém em perspectiva a possibilidade vencer o pleito já no primeiro turno, com 52% dos votos válidos conforme o levantamento do Datafolha divulgado na quinta, dia 18.

O frisson que tomou conta de alguns analisas, no meu entender, se deve a uma leitura errada sobre o modo como o eleitor forma sua opinião e, francamente, a uma subestimação da capacidade de discernimento das pessoas, em particular, as pessoas mais pobres.

Não surpreende que a população aprove a redução no preço dos combustíveis e o aumento do auxílio emergencial. Além disso, mostram as pesquisas, é de conhecimento geral que o auxílio Brasil é uma iniciativa do governo federal e que Bolsonaro é diretamente responsável pela redução do preço dos combustíveis. Tais conhecimentos, naturalmente, levam tanto a uma melhoria da avaliação do governo quanto a uma redução da rejeição ao presidente.

Por outro lado, como as determinações da PEC Kamikaze começaram a valer há pouco tempo, ainda é cedo para saber até que ponto vão afetar o ambiente econômico de conjunto, favorecendo a volta do investimento privado, o aumento da geração de emprego, a melhoria da renda, a queda da inflação, etc. Mas é certo que algo nesta direção tende a acontecer e que o “mito” deve continuar colhendo números favoráveis.

Esta possibilidade não quer dizer que o aumento da popularidade do atual presidente será, automaticamente, convertida em votos e, mais ainda, em votos suficientes para uma reviravolta eleitoral. Neste ponto reside o erro de interpretação a que me referi acima sobre como a população forma sua opinião.

A decisão do voto se baseia, é claro, no julgamento sobre a performance do governante eleito, nos termos da clássica teoria sobre as recompensas e punições aos eleitos. Entretanto, representa também uma ponderação quanto ao futuro com base naquele discernimento. Assim, o voto não é decidido a partir de uma avaliação tópica ou presentista das ações do governo, como se nem o passado nem o futuro existissem. As ações do presente não bastam para formatar uma opinião.

Ora, Bolsonaro jamais fez questão de demostrar apreço pelos pobres (que depreciou em várias ocasiões); nunca considerou a questão social como uma prioridade e, muito a contragosto, adotou uma agenda sanitária (repleta de problemas) como resposta à pandemia de covid-19.

Os eleitores se lembram que, depois de um tempo, perderam o direito ao auxílio emergencial pago na crise sanitária e que, sem empregos, sua vida voltou a piorar depois de uma breve melhoria. Sabem que os R$ 600 do Auxílio Brasil também são transitórios e que serão pagos apenas até o fim do ano, sem obrigatoriedade de inclusão no orçamento dos anos seguintes. Finalmente, o anúncio de um pacote de bondades muito próximo à eleição levanta suspeitas de que se trata de mero oportunismo.

Não é surpreendente, portanto, que 61% dos entrevistados por pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em 1º de agosto, tenham declarado que o aumento do Auxílio Brasil foi uma medida eleitoreira.

Outro dado importante: entre os eleitores que recebem o benefício, 61% pretendem votar no petista (contra 24% que declaram voto em Bolsonaro), conforme pesquisa BTG/FSB divulgada na segunda, dia 15 de agosto. A vantagem de Lula neste segmento é de 57% contra 27% na pesquisa Genial/Quaest divulgada na quarta-feira (17) e fica em 56% a 28% no Datafolha divulgado na sexta, dia 19. Diferentes institutos, mesmos resultados.

É realmente notável que os eleitores supostamente mais beneficiados pelas bondades de Bolsonaro continuem a rejeitá-lo, e até em maior medida que os eleitores não contemplados pelo benefício.

Esses números são muito significativos. Eles nos dizem que a maioria da população brasileira quer um novo projeto de país. A pauta econômica é, sem dúvida, importante na definição do voto. Mas, não se trata de qualquer pauta econômica.

Estamos, é claro, falando na garantia de um ambiente de negócios favorável para os empreendedores e investidores, os capitalistas de modo geral e até para os banqueiros. Mas, no parecer da maioria, estamos falando principalmente de uma pauta econômica que se traduza na ampliação – em larguíssima escala – do acesso às chances vitais de sobrevivência nesta terra. Portanto, falamos de emprego, renda e da rede de proteção social.

Nada na trajetória pessoal de Bolsonaro ou em sua agenda de governo sinaliza nesta direção. Pelo contrário, o “mito” conseguiu construir uma imagem absurdamente negativa e de difícil reversão à medida que os valores que cultua estão longe de ser os mesmos que a maioria gostaria de ver no comando do país.

A conclusão a que chego é que, por caminhos diversos, conforme a história particular de vida dos grupos e dos indivíduos, a maioria do povo se deu conta que comprou gato por lebre. Acreditou que Bolsonaro seria uma espécie de “salvador da pátria” e ele se revelou o pior equívoco da história política deste país. Um erro de proporções colossais.

Esta conclusão significa que a população tenha aderido ao petismo ou tenha se tornado de esquerda? Não. Significa apenas que não querem mais Bolsonaro, do mesmo modo como, um dia, não quiseram mais o PT.

Uma comprovação desta mudança radical de atitude está no fato de, hoje, a maioria da população ter mais medo da continuidade de Bolsonaro na presidência da República que da volta do PT ao cargo (48% x 38%). O antibolsonarismo superou o antipetismo, como nos informa a Genial/Quaest do início de agosto. O fato de a rejeição de Bolsonaro ser, em média, maior que o apoio à candidatura do ex-presidente é outra evidência do mesmo fato. Até o momento da redação deste artigo, Bolsonaro era o presidente candidato à reeleição com a maior rejeição da história política brasileira. Lula e FHC foram rejeitados por 18% da população e Dilma Rousseff por 23%, em média.

Enfim, a maioria do povo brasileiro possui uma opinião bastante nítida e extremamente ruim sobre o governo de Jair Bolsonaro e quer se ver livre dele.

Neste cenário, apenas Lula e o PT pontificam como alternativa capaz de mudar o comando do país. Esta é uma percepção consolidada entre a população já há praticamente um ano. Isso se deve a razões que incluem a liderança pessoal de Lula, a memória ainda viva das realizações dos governos petistas e a organicidade e capilaridade social do partido e sua capacidade de diálogo como os movimentos sociais. Mas, principalmente, acredito, se deve à dominância de uma mentalidade moderna e progressista no Brasil urbano, em tudo oposta ao imaginário representado por Bolsonaro.

Mas, assim como nos clássicos do futebol, não existe vitória prévia e o atual presidente está longe de ser cachorro morto, fácil de chutar. Ele tem o poder conferido pelo cargo, uma base social disposta e ainda conta com o reforço colateral dos muitos grupos formadores de opinião que tendem a valorizar o “risco Bolsonaro” para vender mais caro o apoio a Lula.

Nesse sentido, continuamos sujeitos a algum vaivém nas pesquisas e a tensão tende a aumentar à medida que a data da votação se aproxima e as ações com fins eleitorais se multipliquem e ganhem intensidade. Haja Coração!

Concluo este artigo com três observações sobre pesquisas eleitorais que podem ser uteis tanto aos analistas mais distraídos quanto aos torcedores mais apaixonados.

Em primeiro lugar, as pesquisas de intenção de voto são fotografias do momento, e não uma predição de resultado, como já advertiram inúmeros especialistas. Cada retrato, ou seja, cada pesquisa, depende da movimentação dos atores envolvidos (em especial os candidatos e seus suportes) e o resultado pode mudar significativamente entre a aplicação do questionário e o dia da votação —até porque boa parte do eleitorado apenas decide seu voto às vésperas da eleição.

Portanto, os resultados de uma, ou de uma série de pesquisas realizadas por vários institutos no mesmo intervalo de tempo, não justificam nem a euforia nem o arrefecer dos ânimos.

Em segundo lugar, mais importante que as fotografias do momento é o filme que capta as tendências apontadas nas séries históricas dos institutos. Quanto mais longa a série e mais frequentes e sistemáticos os levantamentos, com a possibilidade da análise comparada dos resultados alcançados pelos diversos institutos, mais útil será a pesquisa para uma correta interpretação das disposições e humores da opinião pública, ou seja, das chamadas tendências eleitorais.

Como terceira consideração, é óbvio que uma tendência eleitoral pode ser interrompida por algum movimento inesperado que provoque uma reviravolta na opinião dos eleitores. Como exemplo, é possível citar Romeu Zema, franco favorito nas pesquisas de intenção de voto para a eleição ao governo mineiro e dado por muitos como virtualmente reeleito. Entretanto, é Kalil quem assume liderança quando eleitor é informado sobre apoio de Lula.

Em outro exemplo, na eleição para governador de Minas em 1994, Eduardo Azeredo (PSDB) chegou ao final do primeiro turno com 27,2% dos votos contra 48,3% de Hélio Costa (PP) — uma diferença brutal de 21,1 pontos percentuais. Mas, no 2º turno deu Azeredo, com 58,6% contra os 41,3% do famoso ex-âncora da Globo. Como explicação para a reviravolta, suspeita-se que o governador da época, Itamar Franco, tenha favorecido fortemente o candidato tucano. Certo é que Itamar não declarou voto em Costa.

Não obstante estes exemplos, mudanças de rumo numa tendência estabilizada correspondem a exceções. Nas cinco disputas de eleições presidenciais que tivemos desde 1989, por exemplo, o presidenciável que chegou na frente no 1º turno também ganhou o segundo turno.

Já um levantamento realizado pelo portal Poder 360 com dados do TSE, mostra que aconteceram 29 reviravoltas (30,9% do total) nas 94 eleições para governadores disputadas no 2º turno que tivemos no país desde 1989. Na maioria desses casos, os finalistas haviam terminado o primeiro turno bem próximos e qualquer um poderia vencer o segundo turno. Em apenas 5 casos, a distância entre o 1º e o 2º colocado era maior do que 10 pontos percentuais – incluindo a citada disputa de Minas, em 1994.

Enfim, raras, mas não impossíveis, reviravoltas nas disputas eleitorais brasileiras podem acontecer. Até agora, entretanto, não surgiu um só levantamento de instituto de pesquisa com alguma credibilidade que aponte a possibilidade de vitória de Bolsonaro sobre Lula, qualquer que seja o cenário. Esta é uma tendência que deve se manter. Mas, é bom lembrar,  o jogo é jogado.

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

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