Em fevereiro deste ano, o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras discutiu e aprovou as regras do Processo de Eleição Direta (PED), a ser realizado este ano. O regulamento também define os moldes do 8º Congresso Nacional do PT, previsto para agosto, com uma pauta ampla e estratégica:
1) Conjuntura nacional, internacional e o Governo Lula;
* Economia, industrialização e desenvolvimento do Brasil;
* Mudanças no mundo do trabalho e urgências climáticas;
* Os desafios da comunicação popular;
2) Organização partidária;
3) Eleições 2026: Tática eleitoral e política de alianças.
Como se vê, o temário do 8º Congresso aborda temas vitais tanto à luz dos grandes dilemas postos neste avançado início de século XXI, quanto relativos à correlação de forças interna.
O acirramento de conflitos geopolíticos (inclusive sob a forma de guerras), a instabilidade econômica global, as profundas mudanças no mundo do trabalho e da produção, o problema da migração energética e da emergência climática, dentre outros, representam desafios gigantescos para as nações. Quem quiser um lugar ao sol na nova ordem mundial em construção, precisa arregaçar as mangas e construir um projeto próprio de desenvolvimento nacional soberano. É essa necessidade que tem impulsionado, em algumas regiões, um nacionalismo protecionista renovado.
Ao mesmo tempo, no plano político-ideológico, onde se desenvolve a imaginação social, assistimos ao lado do crescimento internacional da extrema-direita e do conservadorismo. As organizações, movimentos e partidos da esquerda socialista e social-democratas revelam-se incapazes de conter este avanço por falta de um projeto alternativo que desperte as esperanças numa nova utopia plausível.
No Brasil, a extrema-direita, em ascensão desde 2013, foi derrotada eleitoralmente em 2022. Mas deixou um rastro de destruição que o governo Lula, apesar de avanços significativos, não conseguiu reverter completamente. Nossa capacidade de ação esbarra na resistência dos partidos da direita conservadora, já que retornamos ao governo em condições de minoria na Câmara e no Senado. A correlação de forças, tanto nas instituições quanto na sociedade civil, está longe de oferecer ao campo progressista uma situação confortável. Pior ainda: sem maioria parlamentar, ficamos reféns dos interesses do “Centrão”, um ajuntamento sem ideologia definida, pragmático e fisiológico.
Muito resumidamente, este é o contexto sob o qual se realizará o 8º Congresso do PT. Oxalá, o companheiro Humberto Costa, sucessor interino da destemida Gleisi Hoffmann, consiga conduzir um processo eleitoral interno pacífico e mobilizador, apontando caminhos que orientem todo o campo progressista nos próximos anos.
O maior desafio do PT hoje pode ser resumido em uma questão central: como sair do isolamento no qual a esquerda brasileira se encontra? Fomos derrotados nas eleições de 2024. O número de siglas de esquerda no comando de prefeituras caiu 13%, passando de 852 conquistadas há quatro anos para 742 ano passado. Conquistamos somente duas capitais: o Recife, com João Campos (PSB), e Fortaleza, com Evandro Leitão (PT). Embora o PT, dentre as legendas de esquerda, tenha se saído melhor, com um crescimento de 39% em relação às últimas eleições, ocupamos o nono lugar no “Grupo dos 10” partidos com mais prefeituras conquistadas. Ao analisar a população governada, percebe-se que fomos empurrados para cidades menores e que governaremos, a partir de 2025, um universo de aproximadamente 10 milhões de cidadãos, enquanto o PL, por exemplo, governará mais de 26 milhões. Vale lembrar que o PT governará somente seis dos 103 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes.
Estes números apontam para um cenário de dificuldades para o partido em 2026, quando, além da eleição para presidente da República, serão escolhidos governadores, deputados estaduais, senadores e deputados federais.
Diante desse quadro, o PT precisa compreender as razões estruturais e conjunturais que levaram a este enorme enfraquecimento da esquerda. A derrota em 2024 não pode ser vista como um mero revés eleitoral, mas como sintoma de uma desconexão crescente com setores da sociedade que outrora foram bases sólidas de apoio ao partido.
A ascensão de forças conservadoras, como o PL, reflete uma mudança no humor político do país, alimentada por narrativas que souberam mobilizar o antipetismo e o antiesquerdismo de modo geral.
Quando falo em antipetismo, não me refiro, necessariamente, ao bolsonarismo. São coisas diferentes. O ódio ao PT surge já no nascimento do partido, alimentado pela aversão que, historicamente, as elites nacionais têm pela democracia. Em todas as eleições presidenciais em que Lula concorreu (contra Collor, em 1989, e contra Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e 1998), houve tentativas de estigmatização do petismo, associando-o à criminalidade, ao caos, à anarquia, ao comunismo, à corrupção, entre outros. Trata-se, portanto, de um fenômeno anterior ao bolsonarismo e, como mostram inúmeras pesquisas, o voto contra o Partido dos Trabalhadores é a principal razão para muitos eleitores conservadores optem pela extrema-direita.
A título de exemplo, vimos como o antipetismo, em Contagem, comprometeu parte da popularidade da prefeita Marília Campos, que se reelegeu com pouco mais de 60% dos votos, apesar de haver chegado ao período eleitoral com uma aprovação excelente, variando entre 70% e 80% da população.
Essa distinção é crucial para definir o comportamento do PT rumo a 2026. Se o antipetismo é um fenômeno enraizado, anterior e mais amplo que o bolsonarismo, combatê-lo exige mais do que enfrentar a extrema-direita e tentar desconstruir sua narrativa. Nisso consiste o erro da estratégia de polarização com o bolsonarismo, tão enfatizada por alguns companheiros. Essa estratégia lida com o problema apenas circunstancialmente e não cria as condições necessárias para um isolamento de longo prazo do antipetismo. Além disso, como vimos na eleição de 2024, a polarização não corresponde ao modo de pensar da maioria da população, que convergiu para o centro do espectro político, afastando-se dos polos opostos. Brasileiros e brasileiras deram mostras de que preferem uma boa conversa com quem entende dos dramas de seu dia a dia e pode auxiliar a resolvê-los, a uma troca de ofensas entre militantes fundamentalistas.
Todavia, não se trata apenas de uma dissonância entre o discurso político e as expectativas da população. É importante observar que, durante mais de três anos, mantivemos em Contagem um alto índice de aprovação ao governo Marília entre a parcela do eleitorado que se diz de direita e odeia o PT. Foi na campanha, ou seja, no momento de disputa real pelos votos, que sofremos um desgaste em nosso potencial de voto, que chegava a 72% do eleitorado. A conclusão a que chego é que a polarização só é útil para quem está na oposição — se tanto. Ela funciona como uma espécie de viseira, ou distração, que desvia a atenção das pessoas para assuntos que dividem e antagonizam, impedindo-as de ver o que possa haver de positivo no governo. Por isso, a polarização é predatória, leva a um jogo de soma zero e essa é uma linguagem que a esquerda não domina, como disse o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, do PT, em entrevista ao jornal O Globo.(1)
Por outro lado, é preciso compreender que apelos por tolerância e convivência pacífica terão pouca eficácia em um ambiente de escassez e concorrência acirrada por recursos. Por outro lado, acredito que a perspectiva de um país mais próspero, generoso em oportunidades e com maior justiça social tem o potencial de unificar uma gama de atores políticos e segmentos sociais, de distintos matizes ideológicos, inclusive setores de direita legalista. Este é um propósito de interesse geral, e não somente da esquerda. Como consequência, tal perspectiva pode também contribuir para distensionar o ambiente político, para isolar o extremismo e o antipetismo.
Acredito, portanto, que cabe ao PT promover um amplo debate sobre os rumos do país a longo prazo, propondo estratégias para a formação de um bloco social unido em torno de um projeto de desenvolvimento focado na segurança ambiental, energética, alimentar e tecnológica do país. Para tanto, a defesa da reeleição de Lula é fundamental. O núcleo duro e o ponto de partida deste projeto está nas ações que o governo federal já vem desenvolvendo, a exemplo de programas que implicam fortes investimentos em infraestrutura, como o Minha Casa, Minha Vida, o PAC e o programa Nova Indústria Brasil, dentre outros.
Trata-se de adotar uma estratégia para 2026 que impulsione o partido vigorosamente para fora de si mesmo, indo ao encontro das lideranças, dos movimentos sociais, dos intelectuais progressistas, das periferias, dos sindicatos, dos empresários e, enfim, de todos os que compartilham o sonho de um futuro próspero. A defesa da reeleição de Lula como condição para alavancar um projeto nacional de desenvolvimento pode ser o vetor que devolverá à esquerda a relevância perdida, não apenas como força eleitoral, mas como protagonista na construção de um futuro que fale ao coração e às necessidades do povo brasileiro.
Ivanir Corgosinho é sociólogo
(1) Ver: Após derrotas do PT, Edinho diz que esquerda não domina ambiente polarizado e pede ‘discurso de unidade’. Disponível em https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/10/08/apos-derrotas-do-pt-edinho-diz-que-esquerda-nao-domina-ambiente-polarizado-e-pede-discurso-de-unidade.ghtml