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Jamil Chade: Ataques no Brasil acendem alerta sobre a ameaça global da extrema direita

Portal UOL 13/01/2023

Enquanto os golpistas invadiam os prédios dos três poderes em Brasília, no último domingo, diplomatas de embaixadas estrangeiras na capital brasileira se apressavam em enviar telegramas a seus respectivos governos, no exterior, com o alerta urgente. Num deles, o funcionário escreveu: estamos provavelmente diante de mais um capítulo da ação da extrema direita em seu esforço para minar as democracias liberais. Para governos estrangeiros, parlamentos, serviços de inteligência, especialistas e diplomatas, os golpistas no Brasil guardam profundas semelhanças com algumas das características do eventos que marcaram o Capitólio, em 2021. Não se trata, porém, de coincidências ou simplesmente tendências.

Os acontecimentos em Brasília, portanto, confirmam o processo de internacionalização da ameaça da extrema direita, capaz de se articular entre diferentes sociedades e, com estratégias moldadas para cada região, minar as democracias. O uso da mentira, de redes sociais, o silêncio parcial de seus líderes, a infiltração da ideologia em segmentos das forças de ordem e a organização de ataques contra símbolos do estado de direito são apenas alguns desses sinais de coordenação. No ano passado, num informe do Parlamento Europeu obtido pelo UOL sobre a ameaça da extrema direita, a constatação ia na mesma direção e indicando até mesmo datas nas quais grupos de diferentes países se reuniam.

“A internacionalização do movimento é caracterizada por eventos como o Dia da Honra, em Budapeste, e que reúne movimentos de extrema direita de toda a Europa”, diz. Um dos ministros da Supremo Tribunal Federal confessou ao UOL que há uma constatação de que hoje existe uma “articulação global de direita, com epicentro ano EUA”. Não por acaso, já foram iniciadas conversas entre brasileiros e congressistas americanos para avaliar de que maneira as autoridades dos dois países podem colaborar para a troca de informações e eventual investigação conjunta sobre as conexões internacionais de pessoas que estejam planejando ataques contra a democracia.

Aos americanos, o interesse não é apenas pela preservação da democracia brasileira. Para interlocutores brasileiros, assessores de deputados americanos apontaram que temem dois aspectos:

  1. a transformação dos EUA numa plataforma para exportar instabilidade entre as democracias
  2. o temor de que êxitos da extrema direita pelo mundo incentivem os movimentos domésticos nos EUA contra suas próprias instituições.

Nesta semana, numa declaração conjunta inédita, mais de 60 congressistas americanos e brasileiros publicaram um comunicado no qual denunciam um “conluio” entre os principais atores da extrema direita dos dois países. “Não é segredo que agitadores da extrema direita no Brasil e nos EUA estão coordenando esforços”, afirmaram os deputados de ambos os lados.

Exemplo disso, segundo eles, são os encontros entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro e ex-assessores de Donald Trump, como Jason Miller e Steve Bannon, que “encorajaram Bolsonaro a contestar os resultados das eleições no Brasil”. Bannon, nesta semana, aplaudiu as ações golpistas em Brasília e, em seu programa diário, difundiu mentiras sobre a eleição no Brasil e seus resultados. Um dia depois, dezenas de deputados democratas enviaram uma carta ao presidente Joe Biden para que ele coloque o FBI para investigar se os ataques no Brasil foram idealizados e organizados a partir do território norte-americano.

Quem paga?

Em uma recente reunião de emergência da OEA (Organização dos Estados Americanos), não foram poucos os governos que tomaram a palavra para alertar que a região não está diante de atos isolados ou restritos ao Brasil. O temor, na instituição, é que haja uma proliferação de ataques contra a democracia no hemisfério. Uma das principais linhas de investigação será a rota do dinheiro. Para Luis Almagro, secretário-geral da OEA não há como não pensar em um financiamento efetivo dos atos no Brasil. Para ele, apenas isso explica a manutenção dos acampamentos por tantas semanas diante dos quartéis.

Do lado europeu, a preocupação com o fortalecimento desses grupos de extrema direita é real. Os serviços de inteligência da Europa confirmam, por exemplo, que o número de atos violentos ou criminosos por parte do movimento ultra reacionário aumentou. Apenas em 2019, foram 22,3 mil crimes cometidos na Alemanha com um perfil da extrema direita. Mil deles foram violentos, enquanto os demais se referiam a propagação do ódio, teses nazistas e incitação à violência. No final de 2022, a polícia alemã realizou uma das maiores operações contra a extrema direita, depois de descobrir um movimento que planejava um golpe contra o estado. Mas o foco passou a ser o financiamento e examinar eventuais ligações externas. Num trabalho realizado pela Financial Action Task Force (FATF), entidade ligada à OCDE, a constatação é de que tais grupos extremistas usam diversas formas para garantir sua sobrevivência econômica. Na Suécia, por exemplo, o Nordisk Styrke chega a receber doações em criptomoedas, na esperança de escapar a um maior controle.

Na Austrália, segundo o FATF, investigações também apontam para um sofisticado esquema de financiamento de grupos extremistas. Mas o que mais surpreendeu foi a existência de “centenas de transações financeiras entre grupos de extrema direita da Austrália e EUA”. O caráter transnacional ainda ficou claro quando polícias de diferentes países passaram a trocar informações sobre o Atomwaffen Division (AWD), um grupo neonazista criado nos EUA em 2013 e que, poucos anos depois, já contava com atividades e ligações no Reino Unido, Canadá, Alemanha e em outros países.

O AWD chegou a montar treinamentos, conhecidos como “Campos do Ódio”. Em 2019, a partir da troca de informações entre as autoridades sobre financiamento, o governo do Canadá decidiu banir de seu território um dos lideres do grupo que tinha nacionalidade americana. Para a FATF, não existe outro caminho para lidar com esses movimentos. “Uma ruptura exitosa de grupos de extrema direita e suas atividades violentas exige uma compreensão de como eles são financiados”, completou.

Jamil Chade é jornalista.

 

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