topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

João Santana: A crise de 2025 é mais difícil do que a de 2005 para lula

Coluna do Thiago Prado. O Globo, 12/03/2025

A Bahia sempre foi o grande celeiro do marketing político brasileiro, e o presidente Lula soube beber muito desta fonte nas três eleições que venceu: de Duda Mendonça (em 2002) a Sidônio Palmeira (em 2022), a propaganda do petista usou e abusou do tempero baiano.

Entre os 20 anos que separam o Lulinha paz e amor do Faz o L, existiu também o Deixa o homem trabalhar , em 2006, de João Santana, o sexto entrevistado da série da newsletter com estrategistas políticos e donos de institutos de pesquisa . Você, leitor, pode conferir cada uma das conversas nos links abaixo. A riqueza dos papos publicados desde o início do ano está nas análises tão díspares do cenário atual pelas maiores cabeças pensantes da política no Brasil. Há quem ache que o presidente está liquidado para 2026, há quem pondere que ainda é possível uma recuperação.

João Santana fez Lula sair de uma profunda crise de popularidade depois do escândalo do Mensalão. Além disso, ajudou a eleger Dilma Rousseff ao Planalto duas vezes. Depois de se livrar das acusações de caixa-dois na operação Lava-Jato, comandou a campanha de Ciro Gomes para presidente em 2022.
Ele reconhece que, agora, a missão de tirar o petista do buraco da baixa aprovação é mais complexa do que no passado. Mas sai do senso comum em dois pontos: discorda que deva haver uma aproximação ainda maior de Lula com o centro para alcançar o quarto mandato; e discorda que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é o principal oponente que a direita pode criar para 2026.

Abaixo, os principais trechos da conversa.

Há tempo para Lula reverter a crise de popularidade atual como fez com o senhor após o escândalo do Mensalão estourar?

Não acho que a situação dele seja terminal, mas vejo como bem profundas as diferenças entre os tempos, o que torna a missão de reverter a crise de popularidade muito mais difícil. Hoje temos a politização caótica e superficial das redes sociais; o crescimento dos evangélicos; a política judicializada; o Centrão como fiel da balança; a conjuntura mundial delicada. Nada disso existia em 2005.

No PT, muitos defendem que o governo faça uma guinada à esquerda, enquanto entre analistas e na base aliada há uma cobrança por maiores sinalizações para uma agenda de centro. Qual o melhor caminho para chegar competitivo em 2026?

Não tenho a menor dúvida que à esquerda. Tanto para vencer no ano que vem quanto para resgatar a biografia do Lula. Fiz a campanha do Fernando Haddad em 2012 para a prefeitura de São Paulo, acho ele uma figura extremamente cordata, mas houve uma acomodação muito grande dele com o setor financeiro e os defensores de políticas fiscalistas. O que é o Brasil de hoje? De um lado, uma esquerda moderada clientelista; de outro, uma direita selvagem e antidemocrática. O equilíbrio não é a busca por um centro amorfo, se for por aí Lula não tem condições de vencer em 2026. Isso não é papo de esquerda defasada, não. Em alguns momentos é, sim, necessário partir para alguns enfrentamentos. E já está ficando tarde para fazê-los.

A que tipo de enfrentamentos o senhor está se referindo?

Um exemplo. Há uma amnésia do governo com relação à escala 6×1 . Devia estar na linha de frente das iniciativas do Planalto. Mas se você teme reações de corporações, não vai fazer. Aí voltamos ao Haddad. Faltam elementos de agilidade, de força carismática e coragem de tomar certas atitudes. Taxação de dividendos e de grandes fortunas são outras ideias. No caso de lideranças já testadas, como o Lula, as crises se aprofundam quando reforçam uma sensação de déjà vu, junto com cargas de monotonia e de sentimento de beco sem saída. Este é o terrível labirinto das insatisfações coletivas. Quando se entra nele, um governo deixa de viver apenas uma crise e passa a viver uma tragédia de imagem. Acho que se ele não melhorar a avaliação entre seis e oito meses, pode, sim, desistir de concorrer.

Então, resolver o problema da inflação e da comunicação governamental não será suficiente para Lula recuperar os índices de popularidade?

Falar só de economia e comunicação é uma rota de fuga perigosa e equivocada. As crises de imagem são profundas quando atacam, simultaneamente, os sentimentos de confiança, esperança, admiração e de expectativas. Ainda é cedo pra saber se é isto que está ocorrendo com Lula, mas há indícios apontando nesta direção. Algumas pesquisas qualitativas já na campanha de 2022 mostravam um certo cansaço dos próprios eleitores do Lula com ele. Era desconforto com o tom da voz, com a postura corporal. Pode estar havendo uma fadiga de material. Em 2005, a crise foi moral, e, naquela época, falávamos muito do efeito teflon no Lula, que nada pegava nele, que era protegido. Pode ser também que isso esteja diminuindo. Naquele ano, ele era uma novidade. Tinha ímpeto. E, principalmente, tinha uma equipe ao redor.

Falando em equipe, o senhor acha que o entorno atual fala para ele o que verdadeiramente pensa dos assuntos ou são pessoas que só bajulam o presidente no dia a dia?

Sobre a equipe ministerial atual, não tenho muito o que dizer, só sei o que leio nos jornais. Mas, de fato, no meu tempo e nos momentos mais agudos ele trocava muito com Antonio Palocci , Luiz Dulci, Luiz Gushiken, Gilberto Carvalho.

E Lula por acaso é um líder que sabe ouvir verdades dos subordinados?

Depende do momento. Sempre digo que um dos grandes desafios de qualquer marqueteiro é o de não se apaixonar pelo cliente. Vale para o entorno. A proximidade sempre tira o poder crítico. Em algumas situações, Lula é mais difícil e acaba agindo como uma figura mercurial. Mas, como qualquer ser humano, quando passa por dificuldades, ele fica mais propenso a ouvir mesmo quando o que escuta não agrada. É a situação de agora.

Muitos petistas afirmam que Lula passou a ser mais teimoso e a pensar menos no que fala por toda a mágoa gerada pelos 500 dias de prisão. O que acha desta visão?

A Lava-Jato pode, sim, ter gerado um choque pós-traumático que levou ao rancor. Agora, isso também poderia ter se manifestado de outra forma: em um governo mais audacioso e ousado. Desde o início do mandato, Lula preferiu um jogo de transferir culpas: escolheu os juros e o Roberto Campos Neto como alvos. Também ficou perturbado demais com o 8 de janeiro. Fazendo uma brincadeira aqui, o 8 de janeiro tinha que ter durado no máximo até 8 de março; acabou durando até 8 de dezembro nos discursos. Ficou monotemático falar disso e de Bolsonaro o tempo todo. Eu entendo que o Bolsonaro é muitas vezes um cabo eleitoral do Lula. Mas não precisa falar dele nessa intensidade. Houve uma overdose desse argumento. O país é muito maior do que isso, a ansiedade das pessoas está bem acima dessa polarização.

Houve um momento da crise do Mensalão em que Lula se recolheu e falou menos. Diante de tantas declarações que repercutem mal, não era o caso de dosar mais as aparições?

Ele é um grande ativo de comunicação, mas não pode ser o único. Achar que colocá-lo para falar mais é uma bala de prata que pode ter efeito contrário. Lembro que, no primeiro comício que Lula fez em 2006, conseguimos convencê-lo a usar teleprompter na comunidade Brasília Teimosa, em Recife. Já imaginou fazer o Lula não falar de improviso numa favela? Fizemos outras vezes. Foi um acordo para controlar o ímpeto emocional e desvios do ponto de vista das expressões e do jogo metafórico que ele gosta de fazer.

A primeira-dama, Janja, atrapalha a imagem de Lula, como pregam alguns aliados?

Se não atrapalha, também não ajuda. Entendo, no entanto, que esse tema é carregado de preconceito por causa da personalidade dela. Cada pessoa é de um jeito. Dona Marisa Letícia era mais discreta. Até tentei a convencê-la a ter uma ação mais política, mas ela optou pelo ostracismo político.

Do lado da direita, quem será o adversário de Lula na sua opinião?

Depende do Bolsonaro. Ele é imprevisível, capaz de tudo. Não queria estar na pele do Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo). Tem tudo para ser candidato, mas pode receber um abraço de afogado do Bolsonaro. Ele tem ido bem até agora, mas o equilíbrio vai ficar mais precário com o tempo. É muito provável que Bolsonaro seja preso. E aí, o que ele vai fazer? Continuará indo em manifestação e colocando boné? Agora, por incrível que pareça, acho que a Michelle Bolsonaro seria uma candidata mais forte do que Tarcísio.

Por quê?

Governadores de São Paulo sempre tiveram dificuldades de se eleger. O Brasil é desconfiado do poder concentrado nos paulistas. A cadeira é uma âncora que puxa para baixo. Michelle tem mais carisma e é muito religiosa. Por outro lado, dificilmente Bolsonaro deixará isso acontecer. É uma intuição, mas o machismo dele não permitirá o lançamento dela.

Há mais nomes da direita no cardápio de opções…

Não acho. É só Tarcísio ou Michelle. (Romeu) Zema não aguenta um confronto. É um queixo de vidro em qualquer embate vigoroso. (Ronaldo) Caiado terá dificuldades de galvanizar segmentos da sociedade. Gusttavo Lima não virá, e Pablo Marçal tornou-se inelegível pela Justiça Eleitoral.

A direita vai explorar a segurança pública nos discursos. Por que a esquerda negligencia tanto o tema?

O governo só pensa em economia e acaba não dando uma resposta política ou apenas simbólica nessa área. O Bolsonaro fez algumas fanfarronices na segurança, mas nem isso o PT tentou. E isso sempre foi uma opção. Lula e Dilma nunca admitiram a atuação do governo federal nesse setor. Sempre usaram o escudo de que essa era uma responsabilidade dos estados. Havia uma espécie de consciência de que o problema da violência nunca seria resolvido; e que era melhor desviar o assunto para outras carências da população. Hoje há a iniciativa da PEC da segurança, mas Lula continua sem falar do tema nos discursos. É mais um erro.

Em 2002, seu ex-sócio Duda Mendonça pregava que candidato que bate não ganha. Em tempos de polarização e embates duríssimos, essa receita ficou para trás?

Isso é um equívoco desde sempre. É evidente que fazer uma campanha positiva é muito melhor. Para os candidatos, para o ambiente social e para as coronárias do marqueteiro. Agora, muitas vezes é preciso ir para o combate. A eleição do ano que vem será das mais disputadas da história.

O senhor sempre foi muito cobrado pela propaganda em que insinuava que a proposta de autonomia do Banco Central de Marina Silva, em 2014, poderia tirar a comida do prato dos brasileiros. Há diferença entre essa estratégia e as fake news utilizadas hoje em dia nas redes?

Trabalhei na época com exagero de retórica, dramatização cinematográfica, mas aquilo não foi fake news. Havia um movimento de países pobres europeus na ocasião contra os juros do Banco Central do continente, alegando que aquele aumento poderia gerar fome. Sabe qual a diferença para o que aconteceu agora na crise do Pix? Para rebater o Nikolas Ferreira , a Erika Hilton foi para o confronto e gravou um vídeo com milhões de visualizações para rebatê-lo. Marina preferiu se fazer de vítima ao invés de reagir. Na política, os dois lados mentem e falam a verdade, e há manipulação de parte a parte. É uma linha tênue sempre.

Outras notícias