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José Prata Araújo: “A crise brasileira não é somente de governo, é de projeto nacional”

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José Prata Araújo
Economista, autor de diversos estudos sobre direitos sociais, política e economia e foi coordenador geral da candidatura de Marília Campos em Contagem

IMPRESSIONANTE! 2010: A PIOR DÉCADA NA ECONOMIA BRASILEIRA NOS ÚLTIMOS 120 ANOS. A CRISE NÃO É SOMENTE DE GOVERNO, É DE PROJETO NACIONAL. O Brasil foi, com seus índices espetaculares de crescimento até a década de 1980, o segundo país do mundo que mais cresceu no século 20 ficando atrás apenas da Coreia do Sul. Os dados foram sistematizados pelo economista Roberto Macedo e divulgados pela revista Exame. Em quatro décadas do século, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 6%, resultado do modelo varguista de forte intervenção do Estado na economia, criação de grandes estatais e de implantação dos direitos trabalhistas e previdenciários para os trabalhadores formais. Nas últimas quatro décadas, o crescimento econômico do Brasil passou por um processo profundo de desaceleração. No passado, se dizia que 1980 era a “década perdida” no Brasil. Na década de 1990, Collor e FHC implementaram as reformas liberais para “enterrar a era Vargas”, prometeram deslanchar o crescimento da economia, mas que resultou em um índice pífio de crescimento inferior a 2%. Fruto da decepção com o liberalismo, o Brasil elegeu Lula em 2002, que conseguiu retomar o crescimento da economia para patamares superior a 3%. Já na década de 2010 (de 2010 a 2019), o Brasil cresceu a taxas médias de apenas 1,39%, sendo que o que teve de crescimento foi ainda nos governos petistas (de 2010 a 2015, sobretudo até 2013, com taxa de 2,22% anual), sendo que a média de crescimento nos governos liberais de Temer e de Bolsonaro foi de 0,12% de 2016 a 2019. O Brasil não tem um projeto nacional que une a maioria do povo e vem alternando, desde a década de 1990, políticas neoliberais e desenvolvimentistas. (…) Com este texto início um processo de reflexão sobre um projeto nacional para 2022 para o Brasil. Não serão estudos com viés acadêmico, mas diagnósticos e propostas para a ação política da esquerda e da centro-esquerda nos próximos dois anos.

PARA JOSÉ LUIS FIORI, A CRISE BRASILEIRA NÃO É SOMENTE DE GOVERNO, É DE PROJETO NACIONAL. Em artigo de 2018, Fiori já dizia que a crise do Brasil não é apenas de governo mas de projeto nacional. Para Fiori, não adianta pensar agora em candidaturas alternativas que não vão ganhar ou não vão governar nesse quadro atual. “Ou se muda esse quadro e se junta um conjunto de forças poderosas, ou não haverá governo progressista viável de nenhum tipo, seja quem for o indivíduo ou candidato. É bom que as pessoas entendam que essa crise aberta pelo golpe de Estado e essa divisão da sociedade brasileira – promovida ativamente pela imprensa conservadora– devem continuar ainda por muito tempo e exigirão uma enorme paciência estratégica. Não adianta achar que vai se virar a mesa na próxima meia hora”.(…) Fiori diz que a fragmentação da sociedade e a gangorra política destruiu a promissora economia da Argentina: “A Argentina se transforma, pouco a pouco, num país subdesenvolvido, coisa que nunca havia sido. Pelo contrário, no início do século XX, era uma das seis economias mais ricas do mundo e, mesmo até a década de 1940, seguiu sendo o país mais rico e homogêneo de toda a América do Sul. E foi só depois dos anos 50 que a Argentina perdeu o impulso econômico da sua Idade de Ouro (1870-1930), enfrentando, desde então, um prolongado processo de fragmentação social e política cada vez mais profundo e radical, que avança na forma de um movimento pendular e repetitivo, que ora aponta na direção liberal, ora na direção do peronismo, mas com a destruição mútua, por cada uma das partes, da rodada anterior”. Fiori diz que o “O Brasil entrou nessa mesma “gangorra”, mas só a partir da crise econômica da década de 1980’, e isso poderá também destruir nosso projeto nacional nas próximas décadas.

O BRASIL LIDEROU O CRESCIMENTO DA ECONOMIA NO SÉCULO 20, MAS COM UM MODELO CONCENTRADOR DE RENDA E DA RIQUEZA. O modelo varguista foi dominante no Brasil no século 20, marcado, como já dissemos, por forte intervenção do Estado na economia, criação de grandes estatais e de implantação dos direitos trabalhistas e previdenciários para os trabalhadores formais. Apesar de muito importante, foi um crescimento sem distribuição da renda e da riqueza. Isto aconteceu por muitas razões. A discriminação racial contra os negros e a discriminação contra as mulheres explicam, em boa medida, as desigualdades. O Brasil não fez uma ampla reforma agrária, como foi feita até mesmo em países capitalistas, e manteve extremamente concentrada a propriedade da terra em nosso país. O desenvolvimento econômico getulista, muito importante para o Brasil, mas priorizou o trabalho formal e excluiu trabalhadores rurais e trabalhadores informais urbanos. O Estado Social chegou tarde ao Brasil, somente com a Constituição de 1988, sendo que antes a saúde era prestada através do Inamps somente para quem tinha carteira assinada; a educação era garantida somente até o quarto ano do ensino fundamental; a previdência era somente para trabalhadores de carteira assinada; a legislação trabalhista abrangia um pequeno número de assalariados urbanos; e a assistência era favor e não política de Estado. O Brasil praticou historicamente, desde a Colônia, taxas de juros altíssimas, uma espécie de “direito adquirido dos rentistas”, que inibiu o crescimento da economia e desequilibrou as finanças públicas em nosso país. Nossa carga tributária é elevada, na mesma proporção dos países ricos da OCDE, mas violentamente concentrada nos impostos indiretos, que penalizam os mais pobres, e muito generosa no que tange aos impostos diretos sobre a renda e a propriedade, o que favorece os mais ricos. A inflação, durante décadas assolou nosso país, foi de mais de mais 14 quatrilhões por cento de 1961 a 2006 (ou precisamente 14.210.480.006.034.800%); no ano de 1993, que antecedeu o Plano Real, a taxa foi de 2,700%, e esta alta acelerada dos preços prejudicou especialmente quem não tinha renda indexada, os mais pobres (para se ter uma ideia da inflação mais controlado, que temos nos últimos 26 anos desde o Plano Real, a inflação acumulada é de 856%). Temos uma relação menores e maiores salários sem precedentes no mundo desenvolvido, no setor privado e até mesmo no setor público onde o teto de 39 mil é 35 vezes maior que o salário mínimo praticado no país.

NOSSA DESIGUALDADE HISTÓRICA TEM A MARCA DA DISCRIMAÇÃO DOS NEGROS E DAS MULHERES. Quando o Brasil vivia na escravidão, a mão de obra escrava era de negros, trazidos, de forma forçada, aos milhões da África. Quando a escravidão foi abolida, não existiram políticas para incorporação nos negros ao “trabalho livre”, através de uma reforma agrária e políticas de qualificação profissional para incorporação deles e delas ao mercado de trabalho assalariado. Quando o trabalho assalariado foi implantado, a prioridade foi a imigração europeia para o trabalho na indústria (fiquei impressionado, quando redigia este artigo, em ver que nas fotos das grandes greves operárias do início do século 20 praticamente não se vê pessoas negras). (…) Quando o trabalho assalariado era sobretudo informal e sem direitos trabalhistas, até 1930, as mulheres chegaram a ter uma participação muito expressiva no mercado de trabalho, sendo até mesmo maioria em alguns ramos industrias. Quando foram implantados os direitos trabalhistas, as mulheres perderam espaço no mercado de trabalho, que passou a ser ocupado por homens no grande processo de migração do campo para a cidade.

NOS GOVERNOS DE ESQUERDA TIVEMOS CRESCIMENTO ECONÔMICO COM REDUÇÃO DA VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA; DISTRIBUIÇÃO DE RENDA; CONTROLE DA INFLAÇÃO; DESENDIVIDAMENTO E DEMOCRACIA. Nos governos do PT e partidos aliados, o crescimento da economia teve um conteúdo que marcará a história brasileira. Diversos impasses históricos, que minaram o crescimento da economia no passado, foram enfrentados de forma séria. Primeiro: o Brasil cresceu com uma forte redução da vulnerabilidade externa, que no passado quebrou o nosso país diversas vezes, com a constituição de um volume de reservas internacionais de US$ 369 bilhões. Segundo: o Brasil cresceu distribuindo renda, colocando um fim na tese de que “o bolo tem que crescer primeiro para ser distribuído”, com a retirada de 33 milhões de brasileiros da pobreza e incorporação de 40 milhões de brasileiros à chamada “nova classe média”. Terceiro: o Brasil cresceu com o controle da inflação, não voltou a hiperinflação como previram a mídia e a direita, sendo que os índices médios de inflação de 6,28% ao ano, ainda que precisam ser reduzidos, são os menores dos últimos 73 anos na série histórica divulgada pelo IPEA. Quarto: o Brasil cresceu nos governos do PT e partidos aliados com um processo histórico de forte desendividamento, sendo que a dívida total líquida (dívida bruta menos os ativos do governo) recuou de 60% para 36% do PIB. Quinto: não se pode esquecer que o Brasil cresceu aprofundando a sua democracia, ao contrário do passado onde crescemos muito mas com regimes ditatoriais e autoritários.(…) Claro está que as condições para o desenvolvimento como vimos nos governos de esquerda, sobretudo no governo Lula, não estão colocadas no momento atual. Os desafios atuais são enormes. Estes desafios serão temas de alguns de nossos próximos textos.

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