A minha sogra, Silvia Campos, mãe da Marília, sempre acompanha os noticiários das TVs e, repetidas vezes, nos últimos anos, me falou: “José, o Lula está muito bravo”. Na minha opinião, grande parte dos milhões de “lulistas”, como minha sogra, gosta mesmo é do “Lulinha, paz e amor”; o homem que vai ao encontro de sua gente; que fala da democracia e da justiça social com palavras simples e profundas; que brinca com as pessoas; que chora, quando fala da fome, por exemplo; que se emociona, quando visita as fábricas e cai nos braços dos operários; que visita as favelas e abraça pessoas simples. Em meio a dureza da disputa política, é este Lula que está de volta. Lula, em vez das “falas inflamadas” está falando de forma mais “suave”, está reduzindo a temperatura da “polarização política”; está mais “dialogal” e “sedutor”. É este o Lula, em uma conjuntura que está ficando muito favorável à esquerda, que poderá ampliar a base social de seu governo e vencer as eleições de 2026, um feito histórico para o Brasil e o mundo numa época em que quase nenhum governo de países democráticos consegue se reeleger.
Pode parecer arrogância e muita pretensão política a afirmação que sempre faço de que a estratégia da “despolarização política” que utilizamos em Contagem, com Marília Campos, é, em minha opinião, o único caminho possível para vencer a extrema direita em 2026. Veja só: Marília é, desde sempre, uma liderança afirmativa, desde quando iniciou sua trajetória como liderança estudantil em Uberlândia, mesmo quando Lula era ainda o “inflamado” líder operário. Mas foi com Lula, no período de 2003 a 2010, que “teorizamos” a nossa conduta política; replicamos em Contagem o “Lulinha, paz e amor” e criamos, com a marca lúdica da “Marilinha, paz e amor”. E política afirmativa, ao contrário do que muitos afirmam, não é algo ingênuo. A política negativa, somente nega; a política afirmativa, a um só tempo, nega e afirma. Ou seja, se proponho, por exemplo, a “Contagem da diversidade” estou negando a “Contagem do preconceito e do ódio”, se defendo “cultura, esporte e lazer de graça para a população” estou negando “tais políticas somente para quem pode pagar”. E Lula tem razão em ser mais “dialogal” e “sedutor” porque a polarização é um “suicídio político” para quem é governo. Defendo a despolarização mesmo quando somos oposição, pois se o governo está desgastado deixemos a campanha negativa para os governantes e devemos apontar a “esperança de futuro”. Já a polarização para quem é governo, que me desculpem quem se sentir ofendido, beira a “estupidez política”. A polarização somente interessa a oposição, que, não sendo governo, não tendo nada a mostrar, age como uma “metralhadora giratória”; governo é avaliado, majoritariamente, pela gestão, pelas entregas que faz em termos de políticas públicas e investimentos em obras.(…) O que me impressiona é como Marília, não tendo se desgastado com o anti-petismo nos últimos 12 anos, manteve números praticamente iguais aos de Lula; ela tem 81% de aprovação popular, o mesmo percentual que Lula tinha em 2010; Marília conquistou o quarto mandato com votação em Vargem das Flores de 72%, exatamente o mesmo percentual que Lula teve no Nordeste em 2022. Vargem das Flores é o “Nordeste da Marília”.
A adoção da política baseada nos “dois pês”, “Propósito e Pertencimento”, sugerida por Alon Feuerwerker se tornou para mim “um mantra”. Disse ele: “Sem subestimar a economia, tampouco é demais olhar para aspectos mais subjetivos dos mecanismos de produção de opiniões políticas. O capital político dos governos sempre se beneficia de dois pês: propósito e pertencimento. Quando está claro a que veio o governo, e quando ele passa a sensação de querer o bem de todo mundo, e não só de sua turma. Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando. Por isso se diz que a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione”. (Poder 360, 17/3/2024). São palavras de enorme sabedoria, que se tornam ainda mais fantásticas nestes tempos de enorme polarização política.
Veja só: muito se diz que quem dita a agenda política, vence as disputas eleitorais. Isto é verdade, mas nestes tempos de polarização exige-se uma sofisticada implementação política. O governo Lula, podemos dizer, está ditando a agenda política do país, ou seja, está afinado os “seus propósitos” com as vontades da população. Mas a agenda política pode ampliar a base social ou estreitar dependendo de como ela é tratada na sociedade. A despolarização pode ampliar a base social da nossa agenda; a polarização, ao contrário, vai estreitar a aprovação popular e até mesmo revertê-la nestes 12 meses que faltam para a eleição de 2026. Veja alguns exemplos: a) a defesa da democracia deve ser feita de forma politizada, com denúncia do histórico autoritário e ditatorial da Família Bolsonaro; dos crimes cometidos na pandemia; no plano de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Morais; no quebra-quebra da Praça dos Três Poderes e não com sentimento de vingança, deboche e ironia; desta forma é possível manter o apoio majoritário da população pela punição dos culpados e ao “Sem anistia”; b) a defesa do Estado Social é fundamental, pois, contrário do que falam muitas pessoas, os direitos sociais estão ameaçados se a extrema direita / direita vencer em 2026; c) a justiça tributária pode virar um dos grandes trunfos da esquerda junto à classe média, mas não trata de agitar os ricos versus pobres; a isenção do IR até R$ 5.000,00 e redução da carga tributária até R$ 7.350,00 pode ser o início de uma despolarização social, com a tributação inédita no Brasil dos super-ricos; d) a defesa do fim da escala 6X1 é fundamental, mas precisa de pressão popular e negociação com o empresariado, sobretudo do comércio, e eu, como José Dirceu em artigo que divulgamos em nosso blog, defendo a implementação da escala 5X2; e) a defesa da soberania nacional é outro grande “propósito” da esquerda neste momento; o tarifaço e as iniciativas da Família Bolsonaro estão causando atritos enormes na direita e extrema direita; estão impondo perdas enormes ao empresariado; as posturas do governo Lula são amplamente aprovadas pela população e isso precisa ser sustentado até no próximo período; e Lula está assumindo características de um “governo de união nacional”; f) a economia poderá impulsionar a aprovação do governo, se mantiver, como agora, um crescimento econômico expressivo; índices que beiram o chamado pleno emprego; o crescimento expressivo da renda, com o mercado de trabalho muito pressionado e os programas sociais de transferência de renda; a redução da inflação, sobretudo dos alimentos; e, em breve, com a redução gradual dos juros.(…) Como se vê são muitos nestes momento os “propósitos” do governo Lula que tem apoio majoritário da população e isto está levando, gradualmente, à recuperação da popularidade do presidente Lula.
Mas nestes tempos de polarização não é fácil aliar “propósito” e “pertencimento”. Está certo Alon Feuerwerker quando diz que “a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione”. Mas a esquerda, no geral, não realiza este trabalho de “pertencimento” das pessoas que pensam diferente de nós, que são eleitoras de Bolsonaro, mas que cogitam se aproximar do governo Lula. A polarização na forma mais grotesca, o nós contra eles, trata os eleitores de Bolsonaro como um “bloco único”, como “gado”, como se diz, o que impede de abrir diálogo com segmentos mais moderados que votaram em Bolsonaro mas que podem ser ganhos para o voto em uma Frente Democrática; ou seja a polarização empurra eleitores de centro para a extrema direita. O governo Lula, corretamente, adota uma postura discreta nos processos contra Bolsonaro e Família, mas grande parte da representação parlamentar, ao invés de realizar uma defesa politizada da democracia, adota uma postura a pior possível, com sentimento de vingança, deboche e ironia. Assim não vai dar certo: atropelar quem pensa diferente da gente na política e querer ganhá-las pela economia. Com “chicote na mão” ninguém será convencido a vir para nosso lado, porque gera “sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando”. Esse economicismo dificilmente dará certo. Politização significa que o objetivo de todo militante nas redes sociais e nas ruas é ganhar eleitores de Bolsonaro para Lula e nossas candidaturas ao governo do Estado, Senado e para deputados federais e estaduais; senão conseguimos isso nossa prática política é inútil e é apenas uma marcação de posição, uma “zoação” para agradar quem já é “convertido”.
Vale ressaltar também as melhorias enormes na comunicação do governo Lula, com repercussões positivas na avaliação do governo. As mudanças políticas na condução do governo Lula, e do próprio presidente, são perceptíveis, especialmente depois da reformulação da Comunicação, com a entrada do marqueteiro Sidônio Pereira e, no PT, com a eleição de Edinho Silva para presidente. Política de comunicação, alguém já disse, é, acima de tudo, a comunicação da política. E a política, a pauta do governo Lula atualmente tem grande apoio popular. E Lula está menos voluntarista, como ele próprio confessou na reunião do “Conselhão”, quando disse que ele iria ler o discurso, para não repetir outro do encontro anterior, excessivamente “inflamado”. Mudaram também a agenda do governo, com destaque para o contato direto com o povo, nas vilas, favelas e fábricas, com grandes momentos de emoção. Lula também se aproxima do marketing positivo, sem lacração, que faz a Marília em Contagem, com brincadeiras, improvisos, corridinhas. E os resultados de tudo isso é um crescimento expressivo das redes sociais, onde os vídeos burocráticos anteriores dificilmente passavam de 200 a 300 mil visualizações, e agora, com mais emoção, brincadeiras e dinamismo atingiram a casa dos milhões de visualizações. E importante: Lula está acompanhando pessoalmente a indicação do novo Secretário de Comunicação do PT, para, provavelmente, alinhar a comunicação de nosso Partido com o governo, seja nas tarefas comuns, seja na divisão de tarefas de governo e Partido.
José Prata Araújo é economista