O Estado de Bem Estar Social está em risco no Brasil e no mundo; no Brasil a adoção da previdência de capitalização, corporativista e anti-social, defendida pela esquerda e pela direita, já é o início da destruição de nosso Estado Social.(…) No Brasil, são as seguintes políticas do nosso Estado Social: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição. Estas são as políticas do nosso Estado Social.(…) Veja só: uma das políticas âncoras é a previdência social, cuja função é proteger os cidadãos e cidadãs, e seus dependentes, nos eventos de velhice, doença, invalidez, acidente, maternidade, morte. O Brasil teve em 2024 uma carga tributária de 32,32% do PIB, o que equivaleu em reais a uma arrecadação de aproximadamente R$ 3,6 trilhões. A previdência é, disparado, a maior política social brasileira, com gastos, nas três esferas de governo, no INSS e Regimes Próprios dos servidores, aproximadamente R$ 1,5 trilhão; ou seja, 42% do gasto público brasileiro é com previdência. Nosso maior problema é que a esquerda e nossos governos erram demais na Previdência Social. Não temos formuladores de políticas previdenciárias no Brasil; entregamos a previdência, sobretudo a previdência dos servidores, para os atuários, que são especializados em cálculos matemáticos, mas não tem formulações econômicas, sociais e políticas para a construção do Estado Social.
Previdência Social solidária é, como se diz em relação à democracia, “tem muitos defeitos, mas ninguém inventou nada melhor”. Os desafios da previdência social são enormes e não foram previstos nas primeiras décadas de implementação deste grande direito social: o envelhecimento da população; e a desmontagem do trabalho de carteira assinada, principal base de financiamento deste programa. Previdência Social, funciona em todas as nações, com base no chamado “pacto solidário de gerações”, ou seja, quem está na ativa hoje contribui para quem está aposentado e em gozo de outros benefícios, mais as contribuições das empresas e o déficit é financiado pelos governos.(…) Fala-se no Brasil em “equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social” para se garantir a sustentabilidade desta política social. Isto, como veremos, exige um ajuste fiscal dramático, não feito em nenhum país democrático. Uma meta possível, e ainda assim a ser conseguida com enorme diálogo social, é a “estabilização do déficit previdenciário”, para não comprometer as demais políticas sociais.(…) O equilíbrio financeiro, que é obtido com as receitas cobrindo as despesas, só seria conseguido no INSS, por exemplo, com alíquotas dos trabalhadores passando de 10% para 13,5% e a alíquota das empresas de 22% para 30%. Já o equilíbrio financeiro da previdência dos servidores mineiros seria conseguida somente com alíquotas de 34% para os servidores e de 68% para o governo do Estado. Inaceitável, não é mesmo?
Veja que aberração: a previdência capitalizada, implantada para servidores de Estados e municípios, acaba com a previdência solidária e prevê a constituição de uma nova previdência “novinha em folha”, que tem rombos atuariais de R$ 1,1 trilhão para os municípios e de R$ 5 trilhões para Estados. Veja só: passivo atuarial não existe, a menos que o objetivo seja acabar com a previdência social solidária e implantar no novo modelo. É este novo modelo de previdência que está levando a uma crise financeira sem precedentes dos municípios brasileiros.
Partidos de centro articulam PEC da “sustentabilidade fiscal” das Prefeituras. O governo Lula, sob a coordenação do ministro Fernando Haddad, está lutando em Brasília pela manutenção do chamado “arcabouço fiscal” através de cortes de despesas e de avanços em uma tributária progressiva, que “coloque os bilionários no imposto de renda”. É preciso ter claro que não existe política econômica do ministro, a política econômica é de Lula, que é quem dá a palavra final em todos os assuntos de governo. Pois bem, enquanto isto está se delineando uma crise fiscal dos municípios, motivada principalmente por um modelo previdenciário com custos trilhonários, completamente incompatível com as finanças municipais.(…) Veja só alguns dos diagnósticos da crise financeira dos municípios: a) dívida com os Regimes Próprios de Previdência – RPPS de R$ 43 bilhões; b) dívidas com o INSS de R$ 248 bilhões; c) as normas da reforma da previdência, votadas no Congresso Nacional, válidas para os segurados do INSS e servidores federais e, através das Assembleias Legislativas, estendidas, com algumas nuances, para servidores estaduais de 23 estados, não foram ainda aplicadas na maioria dos municípios brasileiros; d) um rombo de R$ 1,1 trilhão com a criação, sem necessidade, de previdência capitalizadas nos municípios; e) dificuldades de pagamento dos precatórios. Para enfrentamento da crise fiscal, sobretudo previdenciária, os municípios pequenos e médios conseguiram, no Congresso Nacional, a desoneração da folha de 22% para 8%, política que, depois de muitas disputas, passou a ser revertida com a retomada gradual da oneração dos municípios para 22% até 2027. E, diante da penúria de muitos municípios, até mesmo emendas impositivas dos deputados foram liberadas para pagamento de folha salarial dos servidores municipais ativos da saúde. A PEC da “sustentabilidade fiscal” tem as seguintes medidas: parcelamento das dívidas dos municípios com os RPPS; parcelamento das dívidas dos municípios com o INSS; novos prazos para pagamento de precatórios; extensão aos servidores dos municípios dos critérios de concessão dos benefícios já implementados para segurados do INSS, servidores federais, e, parcialmente, para os servidores estaduais.
Previdência de capitalização criou um rombo, sem necessidade, de R$ 1,1 trilhão nas finanças municipais e fez disparar o déficit previdenciário dos municípios. Por que o déficit previdenciário das previdências municipais, sobretudo daqueles municípios que tiveram que se adaptar há anos a nova legislação, como é o caso de Contagem, em 2008, agora cresce muito rapidamente? Veja só: a dívida corrente líquida de todos os municípios brasileiros é de R$ 83,1 bilhões; já o rombo criado pela introdução da previdência capitalizada nos municípios é de R$ 1,1 trilhão. Vale dizer que os cálculos que o Ministério da Previdência divulga não são feitos de forma centralizada pelo governo federal, mas fruto de estudos de dezenas de empresas de cálculo atuarial; portanto, o rombo atuarial pode se aproximar de R$ 2 trilhões.
Veja então: a capitalização foi feita através do modelo de “segregação de massas”, ou seja, foi criado um “fundo financeiro” para os servidores que estavam na ativa e um “fundo novo previdenciário” para os novos servidores.(…) O fundo financeiro solidário é chamado de “fundo fechado”, nele não entra nenhum novo servidor. Mas a previdência solidária depende exatamente do ingresso de novos trabalhadores para manter o mínimo de equilíbrio financeiro; então sem novos contribuintes e com cada vez novos aposentados e pensionistas, o déficit, como era previsível, disparou.(…) Já o “fundo previdenciário” de capitalização tem cada vez mais contribuintes e quase nenhum aposentado e pensionista e tem um superávit impressionante.
Veja o caso de Contagem que se adaptou em 2008, a contragosto do então governo Marília Campos, para não ficar sem o Certificado de Regularidade Previdenciária – CRPe perder as verbas federais.(…) Em 2008, o “fundo solidário” tinha 10.368 servidores ativos e apenas 1.692 aposentados e pensionistas; em 2016, 7.877 ativos e 3.027 inativos; agora, em 2024, o número de ativos é de 4.920, ficando abaixo dos aposentados e pensionistas que são 5.225.(…) Já no “fundo de capitalização” tinha: em 2008, eram 688 servidores ativos e zero aposentado e pensionista; em 2015, eram 3.755 servidores ativos e apenas 21 aposentados e pensionistas; em 2016, no governo Carlin Moura foi feita uma nova “segregação de massas” para aliviar um pouco o déficit previdenciário, como compensação foi assumido uma dívida de R$ 500 milhões; e, em 2024, eram 3.424 servidores ativos e 850 aposentados e pensionistas.
Resultado deste processo é que no “fundo solidário”, o déficit previdenciário que era de Zero até 2012, em 2025 será R$ 150 milhões. Já o “fundo de capitalização” que tinha Zero de patrimônio em 2008, até porque não tinha nenhum segurado aposentado; 16 anos depois, em 2024, o patrimônio é de R$ 408 milhões mais valores a receber em 30 anos de R$ 500 milhões. Veja só: a dívida pública, pelos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal (dívida bruta menos os haveres financeiros), tem como limite 120% da receita corrente líquida. Em Contagem é de apenas R$ 411,274 milhões; ou 12,99% do previsto na referida legislação. Já o rombo previdenciário que inventaram com a extinção da previdência solidária é de R$ 6,5 bilhões para nossa cidade. Sempre tenho muita dificuldade para qualificar as opiniões dos formuladores e defensores da previdência de capitalização. Irresponsabilidade não traduz a gravidade da situação que criaram e defendem. A palavra que mais aproxima é bizarra, é um “adjetivo que descreve algo estranho, incomum, esquisito ou extravagante. Pode se referir a objetos, situações, comportamentos ou ideias que fogem do padrão ou são considerados incomuns”.
Na Europa, que tem Estado Social, previdência social como a principal política, o passivo atuarial para acabar com a previdência solidária é de 40 trilhões de euros, ou em nossa moeda R$ 253 trilhões. Os “gênios” formuladores da previdência de capitalização dos servidores no Brasil bem que poderiam viajar para a Europa e venderem suas ideias geniais; ganhariam fácil o prêmio Nobel de Economia. Mas para isso teriam que contar com um Milei europeu para passar a “motosserra” nos direitos sociais. Com democracia, a Europa, se tentarem acabar com o Estado Social, o mais provável é a guerra civil.
Brincadeiras à parte, nossos gênios da capitalização da previdência deveriam aprender com o que disse no início deste texto: previdência social, o histórico pacto solidário de gerações, é igual a democracia, tem muitos defeitos, mas ninguém, ninguém mesmo, conseguiu inventar nada melhor para colocar no lugar. Previdência tem um sentido universal; capitalização é para uma minoria social de 10% a 15% da população que tem condições de poupar. Servidores não tem condições de poupar por “conta própria”; uma aposentadoria de R$ 5.000,00 por 20 anos exige uma poupança de aproximadamente R$ 1,3 milhão. Na previdência de capitalização dos servidores, cada real poupado será um real a menos nas outras políticas do Estado Social principalmente na saúde. Viva a defeituosa e insubstituível previdência social, uma das maiores conquistas civilizatórias da humanidade!
Veja como o modelo de capitalização na Previdência está quebrando os municípios e, se mantido, vai quebrar os Estados. A capitalização onera de forma dramática municípios e Estados: o regime solidário de repartição simples depende, como todos sabemos, relação de servidores ativos e de aposentados e pensionistas; como este regime foi colocado em extinção nele não entram novos servidores isso reduz rapidamente o número de contribuintes e aumenta o número de aposentados; a relação ativos / inativos se estreita e o déficit previdenciário explode. Além disso, os estados e municípios têm que erguer um novo sistema de previdência capitalizado; ou seja, os “gênios” para implantaram a capitalização, partindo do pressuposto da falência da previdência, dobraram a aposta financeira com dois fundos: um em extinção e outro novinho em folha. Ora, se estados e municípios não conseguem equilíbrio financeiro de um regime de previdência, como irão sustentar dois regimes?(…) Na verdade, não são dois regimes de previdência nos Estados e municípios, são quatro: o regime de repartição em extinção para os antigos servidores efetivos; o regime capitalizado para os novos servidores; o regime complementar para salários acima do teto do INSS para novos servidores; e o INSS para milhares de servidores não efetivos. Veja o caos que os governos estão colocando os municípios e os Estados:
a) no regime financeiro solidário colocado em extinção portanto, as alíquotas, quase sempre, são fixadas em seus percentuais máximos; de 42% da folha salarial, sendo 14% para o servidor e 28% para o ente público;
c) ainda no fundo financeiro solidário, com a redução do número de contribuintes e aumento do número de aposentados, o déficit cresce rapidamente e os aportes para cobri-lo são cada vez maiores;
d)no regime de capitalização, sendo um plano coletivo, com muitos benefícios e de “contribuição definida”, as alíquotas fixadas são muito altas, sendo de 28% a 42% da folha salarial (14% para os servidores e 14% a 28% para os entes públicos). Veja só: na União só existe capitalização na previdência complementar, acima do teto de R$ 8.157,00 do INSS, em regime de “contribuição definida”, e o custo é baixo: 15%, sendo 7,5% para o governo e 7,5% para os servidores.
e)com o custeio muito elevado, são comuns os atrasos de pagamentos; a Confederação Nacional dos Municípios – CNM estima que os municípios e estados devam R$ 43 bilhões aos seus RPPS e uma PEC que tramita no Congresso Nacional propõe ampliar as condições para este pagamento;
d) mas o custo fiscal para estados e municípios da previdência capitalizada é ainda mais amplo: para favorecer a capitalização, este regime passou legalmente a cobrir somente aposentadoria e pensão; outros benefícios, bastante onerosos, como o auxílio-doença, licença maternidade, salário-família e outros assistenciais ficaram todos sob responsabilidade dos Tesouros municipais e estaduais;
e)muitos RPPS perdem muitos recursos porque não foi ainda implementada a compensação financeira entre entes públicos; é muito comum que servidores estaduais, como os professores, migrem, através de concursos para capitais, e grandes cidades e os repasses do tempo trabalhado não são feitos aos municípios;
f)quem tem RPPS tem ainda os gastos com a previdência complementar de seus servidores acima do teto do INSS de 5,3 salários mínimos; sendo a contribuição de 7,5% a 7,5% paritária para servidores e entes públicos;
g) a legislação prevê ainda: “com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento de proventos de aposentadoria e pensões concedidas aos respectivos servidores e seus dependentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão constituir fundos integrados pelos recursos provenientes de contribuições e por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei que disporá sobre a natureza e administração desses fundos”. Esta é uma forma adicional de gastos previdenciários de Estados e municípios que vem sendo apontada como uma forma de equacionamento do déficit atuarial. O Rio de Janeiro, com as finanças em frangalhos, vinculou recursos dos royalties do petróleo ao regime de capitalização;
h)quando o regime de capitalização se torna muito oneroso, pode-se solicitar ao Ministério da Previdência Social uma nova “segregação de massas”; em Contagem foi feito isso em 2016 e a contrapartida foi o pagamento, em 30 anos, de R$ 500 milhões para o fundo previdenciário;
i)mas veja só: estes são os gastos com o Regimes Próprios de Estados e municípios; existem outros gastos previdenciários expressivos com contribuições ao INSS de servidores não efetivos, que são mais de 3 milhões em todo o Brasil, de acordo com informações que obtivemos. E quais são estes gastos: a) despesas referentes à contribuição ao INSS dos servidores não estatutários —temporários, comissionados, celetistas e aqueles que prestam serviços através de RPA, considerando, inclusive que as contribuições patronais não tem teto, é sobre toda a remuneração, o que tem impacto forte sobretudo junto aos servidores de nomeação política que recebem os maiores salários. Em Contagem, Minas Gerais, as contribuições ao INSS são de R$ 107 milhões por ano, o que representa 4% da receita líquida do Município. Estas contribuições, que são principalmente dos entes com RPPS representaram, segundo dados da Previdência Social, R$ 44 bilhões em 2022; o retorno do INSS em compensação financeira são da ordem de R$ 8 bilhões;
j)tem-se ainda despesas também de parcelamentos de dívida histórica dos municípios com o INSS, que, mesmo depois de pagamentos e reduções, estão ainda na casa de R$ 248 bilhões, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios.
Observação: as questões que tratamos anteriormente, as despesas de quatro fundos previdenciários, se aplicam aos 2.141 Regimes Próprios de Previdência – RPPS de estados e municípios; são estes RPPS que estão em situação mais caótica. Temos ainda 3.455 municípios que não tem RPPS, sendo os servidores, efetivos e não efetivos, vinculados a um único fundo: o INSS.
Previdência de capitalização, formulada e fiscalizada pelo Ministério da Previdência Social (Departamento de Previdência dos Servidores Públicos), não cabe dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, vinculada ao Ministério da Fazenda (Secretaria do Tesouro Nacional). Um dos maiores problemas do Brasil é a verticalização das políticas públicas, as famosas “caixinhas” como dizemos. Por exemplo: na década de 1990, em sintonia com a Constituição de 1988, chegamos a sonhar com a constituição do Ministério da Seguridade Social, unindo numa única pasta, Saúde, Previdência e Assistência. Porque são políticas fortemente complementares e por isso deveriam ser administradas de forma integrada. Veja: grande parte dos eventos previdenciários são resultantes da área de saúde: velhice, invalidez, morte, maternidade, acidente, doença. Previdência, o nome já diz: é prevenção e prevenção é saúde (não somente hospitalar, mas também qualidade de vida, o não adoecer). Mas ministros da previdência, da saúde e da assistência social no Brasil não conversam, são completamente ignorantes nas áreas afins.
Nas finanças públicas, com dois “grandes caixotes”, esta verticalização é uma tragédia: o Ministério da Fazenda, sobretudo a Secretaria do Tesouro Nacional, não entende quase nada de previdência social e permite que o Ministério da Previdência, com despesas de mais de R$ 1 trilhão anual, fique sem gestão e formulação de políticas previdenciárias (no governo Bolsonaro foi pior ainda: a previdência foi transformada em uma secretaria esvaziada do Ministério da Economia). Já o pessoal do Ministério da Previdência Social não entende quase nada de economia e de finanças públicas e criaram a previdência de capitalização, que está destruindo as finanças públicas e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Eu afirmo com convicção: a previdência capitalizada não cabe dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal, muito polêmica no início, ganhou um amplo consenso nos anos seguintes, sobretudo em quem é administrador(a) público, foi aprovada numa época que a previdência de capitalização não existia. No governo FHC, Estados e municípios legalmente podiam optar pelo Regime Financeiro ou pelo regime de capitalização; foi no governo Lula, com sindicalistas no Ministério da Previdência Social, que foi aprovada, através de Portaria, em 2008, esta política estapafúrdia e anti-social da previdência de capitalização.
Veja só porque a capitalização se sobrepõe e não cabe dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF: a) pela LRF o limite de endividamento de municípios é de 120% da Receita Corrente Líquida e para Estados o limite é de 200% (eu defendo que deveria ser igual de municípios também de 120%); b) atualmente a dívida consolidada líquida dos municípios é de R$ 85 bilhões e os irresponsáveis do Ministério da Previdência criaram a previdência de capitalização, através de uma portaria, inventaram uma dívida previdenciária, sem precisar, de R$ 1,1 trilhão; c) veja o caso dos Estados: Lula, em articulação com o Ministério da Fazenda, aprovou o Propag, que busca solucionar a dívida dos Estados, de 896 bilhões; mas os irresponsáveis do Ministério da Previdência mantém firmes na defesa da previdência de capitalização, que abre um rombo, sem necessidade, de R$ 5 trilhões nas finanças dos Estados; d) Minas Gerais tem uma dívida de R$ 168 bilhões e o rombo da previdência capitalizada é de R$ 753 bilhões; ou seja, o Propag não vai valer para nada; d) veja o caso de Contagem: a dívida corrente líquida municipal (dívida bruta menos os recursos em caixa no Tesouro e nos fundos vinculados) é baixa de R$ 411 milhões; ou 13% da receita corrente líquida; a previdência de capitalização cria um rombo impagável para o município de R$ 6,5 bilhões; e) a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu o teto de 60% da receita corrente líquida para gastos de pessoal; a criação da previdência de capitalização foi feita sem fonte de financiamento para o rombo que foi criado de R$ 1,1 trilhão nos municípios. Resultado disso: os custos da capitalização serão suportados pelos próprios servidores nos limites dos gastos de pessoal de 60% a que nos referimos; daí porque o corporativismo sindical beira a estupidez; a bomba fiscal da capitalização vai estourar no colo dos próprios servidores; c) como vimos, previdência social solidária representa R$ 1,5 trilhão de gastos anuais ou 42% dos gastos públicos no Brasil; a supressão da previdência solidária tem custos tão elevados que destrói todas as políticas sociais.
Veja as repercussões nos municípios da previdência de capitalização. Os municípios tem receitas vinculadas na educação e na saúde principalmente e receitas de impostos vinculadas aos Tesouros. As receitas vinculadas, como na educação, podem ser utilizadas na previdência nas contribuições previdenciárias, mas não podem ser utilizadas para cobrir o déficit previdenciário gigantesco gerados pela previdência de capitalização (cada real poupado na previdência de capitalização é um real a menos para cobrir o déficit da extinção da previdência solidária). Então quem cobre o déficit explosivo da previdência de capitalização são as receitas de impostos dos Tesouros Municipais. E quais são os gastos dos Tesouros Municipais: a) 25% para a educação; b) 15% para a saúde, Contagem gasta 28% com saúde; d) cerca de 20% a 30%, de acordo com a realidade de cada município, para todas as demais áreas e secretarias das Prefeituras; e) 5,9% da receita com a Câmara, incluindo emendas impositivas; f) pagamento da dívida/precatórios; h) recursos do Tesouro para investimentos; g) pagamento do PIS-PASEP; h) e cobertura do crescente déficit previdenciário.
Repito: como se diz, “não existe almoço de graça”, todo recurso colocado na previdência dos servidores públicos implica que tem que ser compensado com cortes nas políticas públicas. Dou um exemplo da economia familiar: uma família tem uma renda de R$ 10 mil e gasta tudo; aí então um “gênio” da família, para garantir uma melhor aposentadoria no futuro, propõe que se faça uma poupança de R$ 2.000; mas não tem jeito: para poupar R$ 2.000,00 tem que cortar gastos no presente e baixar o orçamento familiar para R$ 8.000,00. (…) A esquerda e os servidores precisam entender que é assim também que garantir uma poupança para eles no futuro, quem vai pagar a conta é a sociedade com cortes nos serviços públicos. Repito: quem tiver uma ideia de como acabar com a previdência solidária sem acabar com todo o Estado Social vai ganhar o Nobel de Economia.(…) Veja as situações que estão colocadas para os Tesouros Municipais: a) diversos gastos não tem como cortar: os 25% da educação; 15% da saúde; os gastos com as Câmaras Municipais; pagamentos de dívidas; b) está claro como a luz do dia, que as opções que sobram para os cortes é no investimento realizado com recursos do Tesouro e com empréstimos; “depenando” ainda mais as secretarias menores, que juntas consomem valores pouco expressivos; dramático: cortes no SUS que tem vinculação baixa de apenas 15%; c) uma das formas de minimizar os ajustes de gastos em função da previdência de capitalização é que, sobretudo na área de saúde, é preciso uma prioridade absoluta para o gastos dos “recursos vinculados” dos repasses da União e do Estado; só depois de gastos estes recursos é que se deve recorrer ao Tesouro; necessário se faz fazer articulação política para que os repasses do SUS do Estado tenham a mesma flexibilidade dos repasses do SUS da União, que são “mais fáceis de gastar”. Claro que num primeiro momento, a educação, com recursos vinculados muito elevados, de 25% das receitas, fica preservada. Mas ninguém da área de educação deveria ficar feliz com isso: hoje corta-se na cultura e não dizemos nada, corta-se nos investimentos para melhorar a vida do povo e não dizemos nada; corta-se na saúde e não dizemos nada; e chegará o momento também de que a educação também será tragada pela destruição do Estado Social. Foi assim no Chile: a destruição da previdência social seguiu a destruição de todas as políticas sociais.
Um chamado ao presidente Lula: acabe com o MCAP – Ministério da Capitalização e traga de volta o MPS – Ministério da Previdência Social. A esquerda erra demais na previdência e, quando acerta, como nas mudanças que Lula fez em 2004, o presidente foi muito criticado e o PT teve racha político e orgânico. Quais foram os erros: a) o governo implantou em 2008, numa gestão liderada por sindicalistas das estatais, a previdência de capitalização, que municípios tiveram que adotar para não perderam as transferências voluntárias do governo federal, que criou, sem necessidade o rombo de R$ 1,1 trilhão; b) em 2012, mais um erro dramático: a desoneração da folha de salários das empresas, substituindo por uma contribuição sobre o faturamento, mudança que nenhum país do mundo fez, e que agora Fernando Haddad luta e se desgasta com empresários e prefeitos para acabar com a desoneração da folha que nós criamos; c) Fernando Haddad, de forma correta, conseguiu a reoneração gradual das prefeituras em relação ao INSS, mas se desgasta por insistir em manter uma oneração radical dos municípios, que é a exigência de um enorme superávit através de previdência de capitalização; d) e agora, mais recentemente, os burocratas do Ministério da Previdência Social comemoram o fato de o STF ter constitucionalizado o Certificado de Regularidade Previdenciária – CRP; uma espécie de Lei de Responsabilidade Previdenciária, que nem lei é porque é apenas um Decreto. Veja que vexame: os governos estaduais de extrema direita de Minas e São Paulo não adotam a capitalização e o governo do Rio desvinculou recursos do petróleo da previdência capitalizada e agora, nosso governo de esquerda, terá que exigir capitalização da previdência dos “rebeldes” da extrema direita, que são vinculados ao mercado financeiro, mas que, pragmaticamente, não adotam o modelo “por ser muito caro” para os cofres públicos.
E quando nosso governo acertou, a esquerda rachou em 2004. Lula, numa medida histórica alinhada com o programa do PT das origens – a defesa de um regime de previdência social igual para todos e todas – acabou com a aposentadoria integral dos servidores, mantendo o direito adquirido e a expectativa de direito, e setores do PT, alinhados com a cúpula dos Poderes, rachou e criou o PSOL. Veja só: Lula, e também Dilma, salvaram o Estado do Bem estar Social brasileiro, quando retiraram a regressividade das políticas sociais, estabelecendo um teto na previdência para todos e todas na previdência e levando o Estado Social para os mais pobres, através do Bolsa Família, cotas nas universidades, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, reajustes reais do salário mínimo. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos disse certa vez que o “pai dos pobres” é Lula e não Getúlio, porque enquanto Getúlio criou direitos para quem tinha carteira assinada (CLT e previdência), foi Lula que fez os direitos chegarem aos mais pobres. É isto que explica, em grande medida, a popularidade de Lula, que o povo entende, e que, nós, de classe média, temos dificuldades de entender.
Portanto, é preciso que Lula acabe com o MCAP – Ministério da Capitalização e traga de volta o nosso MPS – Ministério da Previdência Social. Lula deveria junto com o novo Ministro da Previdência, Wolney Gueiroz, que tudo indica é uma boa escolha, compor uma nova equipe para o Ministério com claros compromissos com a previdência social e solidária e contrária a previdência de capitalização. Lula deveria, em minha opinião, apoiar a “PEC da sustentabilidade fiscal” dos municípios, que é de autoria do senador Rodrigo Pacheco, mas com medidas claras: a) aliviar as finanças dos municípios com o fim do regime de capitalização exigido atualmente, o que daria fôlego aos municípios sem onerar o caixa do governo federal; b) veja que obviedade: o governo federal não tem capitalização na previdência básica até o teto do INSS; o que se propõe é que este modelo seja também adotado para Estados e municípios; c) que seja adotado uma transição sem traumas e cortes de verbas para os 1.119 municípios e Estados que estavam abrigados, até recentemente, no CRP judicializado; d) que os recursos já poupados por Estados e municípios não voltem ao caixa dos tesouros, como aconteceu em Minas Gerais em 2014, mas sejam direcionados para “fundos de ativos” para dar maior equilíbrio financeiro para a previdência solidária; podendo o município, por exemplo, sacar anualmente metade dos rendimentos financeiros para reduzir o déficit previdenciário; e) que as normas da previdência já válidas para servidores federais, segurados do INSS, e em 23 estados, sejam estendidas aos servidores municipais; que seja aberto o debate sobre a federalização de todos os regimes próprios de pequenos municípios, que foram formados na “tora” sem nenhum critério técnico, como número mínimo de servidores, como prevê a Lei 9.717/1998 e a Portaria 4.992/99, que fixou critério adicional para se ter RPPS de receita própria ampliada superior às receitas de transferências.(…) Na verdade, a “PEC da sustentabilidade fiscal” defendida pelos partidos de centro é uma iniciativa importante para melhorar as finanças dos municípios, mas ela é paliativa, parcela dívidas, mas não resolve o problema estrutural, que é a exigência de capitalização para estados e municípios, que o governo federal não adota. É preciso salvar os municípios, que estão em uma situação dramática; medida recente do Congresso Nacional abriu a possibilidade de utilização de emendas parlamentares para pagar salários dos servidores ativos da saúde, setor mais vulnerável como mostramos neste estudo. É preciso reverter a situação dos municípios, mas apoiamos qualquer medida que não interrompa os serviços básicos à população, sobretudo na saúde.
Governadores do Nordeste, na reforma da Previdência de 2019, salvaram a previdência social e, por extensão, o Estado Social. A narrativa da esquerda sobre a reforma da Previdência de 2019 sempre enfatiza as enormes modificações nas aposentadorias e pensões.(…) Mas o mais grave nós conseguimos barrar: adoção no INSS e na previdência dos servidores dos Três Poderes do regime de capitalização, o que seria o fim da previdência social, e a desconstitucionalização ampla da previdência social, o que deixaria as mudanças serem feitas por projeto de lei, com maioria simples de deputados e senadores. Isto não faz parte da narrativa porque toda a esquerda – toda ela, – é favorável ao regime de capitalização da previdência. Quem salvou a previdência pública solidária, como veremos, foram os governadores do Nordeste.
Veja as propostas de capitalização de Bolsonaro/Paulo Guedes, que abriria um rombo de R$ 18,3 trilhões nas contas públicas. Veja a mudança que propuseram no artigo 201, que trata do RGPS/INSS: “Lei complementar de iniciativa do Poder Executivo federal instituirá novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício, admitida capitalização nocional, vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de ente federativo.(…) O novo regime de previdência social será implementado alternativamente ao Regime Geral de Previdência Social e aos regimes próprios de previdência social e adotará, dentre outras, as seguintes diretrizes: I – capitalização em regime de contribuição definida, admitido o sistema de contas nocionais”.(…) A PEC da reforma da previdência propunha a extensão aos servidores públicos da capitalização privada: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão para o regime próprio de previdência social o sistema obrigatório de capitalização individual previsto no art. 201-A, no prazo e nos termos que vierem a ser estabelecidos na lei complementar federal de que trata o referido artigo”.
Numa carta, coordenada pelo então governador do Maranhão, Flávio Dino, os governadores do Nordeste prometeram fechar posição dos 153 deputados federais e 27 senadores dos estados nordestinos contra a capitalização e desconstitucionalização da previdência: “a) Registramos que não concordamos com a ideia de desvinculações de receitas para fazer face às despesas obrigatórias com saúde, educação e fundos constitucionais, que resultariam em redução de importantes políticas públicas. Em vez disso, desejamos discutir realmente o Pacto Federativo, inclusive no tocante à repartição constitucional de receitas e competências; b) Quanto à Reforma Previdenciária, consideramos que se trata de um debate necessário para o Brasil, contudo posicionamo-nos em defesa dos mais pobres, tais como beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social, aposentados rurais e por invalidez, mulheres, entre outros, pois o peso de déficits não pode cair sobre os que mais precisam da proteção previdenciária. Também manifestamos nossa rejeição à proposta de desconstitucionalizar a Previdência Social, retirando da Constituição garantias fundamentais aos cidadãos; c) do mesmo modo, consideramos ser imprescindível retirar da proposta a previsão do chamado regime de capitalização, pois isso pode inclusive piorar as contas do sistema vigente, além de ser socialmente injusto com os que têm menor capacidade contributiva para fundos privados. Em lugar de medidas contra os mais frágeis, consideramos ser fundamental que setores como o capital financeiro sejam chamados a contribuir de modo mais justo com o equilíbrio da Previdência brasileira”.
Outro pronunciamento fundamental contra a reforma na Previdência foi do Ministério Público Federal, que considerou o regime de capitalização inconstitucional. No ano de 2019, no processo de tramitação da reforma da Previdência Social, o Ministério Público Federal, via a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, produziu uma Nota Técnica que taxou de inconstitucional o regime de capitalização e a desconstitucionalização dos direitos previdenciários: “A possibilidade de reforma constitucional mediante emenda tem como limite as chamadas “cláusulas pétreas”. Esta foi a solução encontrada para, de um lado, salvaguardar determinados valores fundamentais, que não podem ficar expostos às flutuações de uma maioria, ainda que qualificada, e, de outro, permitir, quanto a tudo mais, que as gerações futuras tenham o direito de deliberar sobre as soluções constitucionais que lhes convenham. E não há como negar que os temas atinentes à capitalização e à desconstitucionalização dos principais vetores da Previdência alteram o núcleo essencial da Constituição de 1988. A uma, porque a capitalização é o que comumente se chama “poupança individual”. A ideia força aqui é a do máximo egoísmo, em que cada qual orienta o seu destino a partir de si, exclusivamente. Nada mais incompatível, portanto, com o princípio regulativo da sociedade brasileira, inscrito no art. 3º da CR, o da solidariedade. De resto, como demonstra a análise empreendida pela Organização Internacional do Trabalho, a capitalização, sob a forma de poupança individual, como regime substitutivo ao de repartição, aumenta a desigualdade de renda e gênero, na contramão do grande investimento constitucional na redução das desigualdades e discriminações de todos os tipos”.
Maria da Conceição Tavares: “O INSS é o maior programa de distribuição de renda do mundo”. Sou um dos mais antigos militantes e intelectual da previdência no Brasil. Viajei todo o Brasil com palestras nas décadas de 1980, 1990 e 2000. Minhas publicações sobre previdência e direitos sociais, vendidas ou com cessão dos direitos autorais aos movimentos sociais, tiveram tiragem de 1 milhão de exemplares. Me aposentei na temática previdenciária, mas agora me desaposentei para voltar a defender uma das construções mais notáveis da humanidade: a previdência social.(…) E nunca me esqueço de dois momentos gloriosos. O primeiro na década de 1990, num debate em Brasília para 200 procuradores da previdência, com o ministro Reinhold Stephanes; ele defendeu que a capitalização seria inevitável porque com o envelhecimento da população a previdência pública estaria falida. Retruquei o ministro e afirmei: “Com previdência pública ou privada, a população vai continuar envelhecendo e isto é muito bom. O que o senhor ministro não tem coragem de afirmar é o seguinte: o senhor não acredita que, com o envelhecimento da população, é possível uma previdência social para todos e todas, mas sim uma previdência de capitalização para poucos que podem pagar”. A cena foi inesquecível! Tive que sair mais cedo para pegar o avião, o ministro ainda estava na mesa, e, quando estava saindo entre fileiras de cadeiras, fui aplaudido de pé por todos os 200 procuradores e procuradoras presentes.(…) Outro momento histórico que fez e faz valer minha luta, foi em Brasília no ano da década de 2000. Eu participei de uma reunião da tendência petista “Mensagem ao Partido”, com muitas lideranças presentes, inclusive a histórica economista Maria da Conceição Tavares. Todo tímido me inscrevi na reunião, questionei algumas lideranças sobre o economicismo de só tratar de juros, câmbio, superávit primário, etc e que faltava incluir a questão social, especialmente a previdência social. Me retrucaram fazendo pouco caso de minha fala. Maria da Conceição Tavares, levantou-se da cadeira e falou aos gritos: “Seus ignorantes, o rapaz está certo. O INSS é o maior programa de distribuição social do mundo”. Nesta minha volta à luta em defesa da previdência social repito Maria da Conceição: “Seus ignorantes, o INSS é o maior programa de distribuição de renda do mundo”. Os formuladores e defensores da capitalização falam sem nenhum constrangimento: “a previdência está quebrada e precisamos da capitalização para proteger os servidores”. Ninguém vai sobreviver a um dilúvio ultraliberal se a extrema direita voltar ao poder em 2026. Os servidores não estarão seguros sozinhos, mas somente na luta ao lado do povo brasileiro. Abandonem esta aberração para a esquerda que a defesa da capitalização, que é uma poupança para poucos, não mais do que 10% a 15% da população!
A previdência, que é um pacto de vida, com a capitalização (privada ou pública) vira um pacto de morte. Mas não é somente na perspectiva financeira que devemos discutir a capitalização. Trata-se de uma das maiores rupturas sociais da história da humanidade. Em resumo: na capitalização, os aposentados e pensionistas e servidores em atividade são uma espécie de “passivo indesejado” do Estado, e devem morrer o mais rápido possível. Veja o que disse Júlio Bustamante, chefe da previdência privada capitalizada chilena, numa palestra em Brasília, em 1993, em defesa da capitalização: “A curva de despesas começa a descer porque – perdoem-me dizer assim tão friamente – começam a morrer os antigos pensionistas do sistema, de tal maneira que o Estado vai eliminando a sua carga. Assim, nossos cálculos mostram que, daqui a 15 anos, praticamente um milhão de aposentados desaparecerão, chegando a 20% do que é atualmente”. Assim, o regime de capitalização só se consolida com a morte de todos os aposentados e pensionistas da previdência pública, que representam o passivo indesejado do Estado no processo de transição. A previdência, que é um pacto de vida, com a capitalização vira um pacto de morte.
Já presenciamos conversas com alguns atuários ortodoxos, que classificam os aposentados e servidores da ativa que estão em fundos financeiros de previdência solidária de “massa podre”. Ou seja, somente com a morte de toda esta “massa podre”, a capitalização estaria concluída e os entes públicos “ficarão livres” do passivo indesejado representado pelos segurados dos fundos financeiros solidários de previdência. Daí porque falam em “segregação de massas”, expressão horrorosa utilizada na escravidão, que contradiz claramente os princípios da solidariedade do Estado Social. Ou seja, é preciso “isolar” a “massa podre” dos fundos financeiros solidários de previdência, senão ela “contamina” a “massa sadia” dos fundos de capitalização. Estes atuários desumanos vibram com o “ponto de inflexão” do regime solidário de repartição simples: é quando as mortes de aposentados e pensionistas superam o ingresso de novos aposentados na previdência em extinção, momento de “inflexão” para a extinção do regime de repartição simples, ou seja, para a morte de todos os indesejados pela capitalização. Desumano, não é mesmo? É impossível alguém de esquerda concordar com isso!(…) E uma coisa incrível: grande parte dos sindicalistas e apoiadores da capitalização são servidores mais antigos do “fundo pobre”, aqueles e aquelas que os atuários preveem que serão os primeiros a morrer na supressão da previdência solidária. Isto mostra que a estupidez do corporativismo, enquanto forma de organização da sociedade, não tem limites.
Minas Gerais é um celeiro do corporativismo político; um desastre! Pedi ao meu amigo Ivanir Corgozinho que me explicasse o que é o corporativismo como forma de organização da sociedade. Ele escreveu: “Corporativismo. Em termos simples, refere-se à defesa dos interesses de uma categoria profissional ou corporação de ofício, muitas vezes em detrimento dos interesses gerais de uma coletividade. Contudo, trata-se também de uma concepção política e filosófica que propõe a organização da sociedade por setores específicos, cada um com sua função definida, alinhada aos ramos de produção, como trabalhadores, empresários, agricultores ou profissionais liberais. Nessa visão, cada setor social é representado por uma corporação, semelhante a um sindicato ou associação. Essas corporações negociam entre si e com o governo questões como salários, condições de trabalho, produção e políticas públicas. O Estado desempenha o papel de mediador, buscando equilibrar os interesses de todos e prevenir conflitos, como greves ou disputas entre empregadores e empregados”.
Na visão corporativa, a paixão que nos move na política não é pela humanidade, mas pela minha corporação em primeiro lugar. Minas Gerais, para quem não sabe, é um celeiro histórico do corporativismo político. Economistas de esquerda, fanáticos da capitalização, chegaram a formular, na década de 1990, a tese esdrúxula de que, em invés de privatizar as estatais, o patrimônio do povo brasileiro (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, BHDES e outras) deveria ser entregue para capitalizar a Previdência; ou seja, deveria se tornar um patrimônio dos segurados do INSS.(…) A previdência no governo FHC era optativa: municípios e Estados podiam adotar o modelo solidário ou de capitalização. Claro que todos adotaram o regime solidário, até porque o de capitalização quebrava todos eles. Pois foi o sindicalismo mineiro, na gestão Itamar Franco, quando os sindicalistas que estavam na gestão do Ipsemg, conseguiram aprovar uma lei, em 2002, com a fim da previdência solidária e a adoção da capitalização; esta lei foi revogada em 2014, porque o governo Anastasia considerava que era muito cara e exigia um enorme esforço fiscal, sob fortes protestos do sindicalismo mineiro. Em 2008, o Ministério da Previdência Social, sob direção do sindicalismo das estatais, implantou, através de uma simples Portaria, a capitalização para todos os Estados e municípios. E absurdo: os sindicalistas levaram para o Ministério da Previdência a experiência da previdência capitalizada das estatais, de caráter complementar, experiência que não serve em nada para a Previdência Social, que é um regime básico solidário e universal.
ICMS Educação: outro desastre do corporativismo sindical. O governador Romeu Zema não quis regulamentar a lei do ICMS Educação em Minas Gerais. Com a omissão do governador, o PT Minas na ALMG, assumiu grande protagonismo nesta questão já que tem a presidência da Comissão de Educação e uma parlamentar petista foi quem relatou a Lei. Pois bem, 10% do ICMS dos Municípios foi dividido por uma série de critérios, mas, de uma forma inacreditável sem ponderar o número de alunos. Assim, cidades com redes de ensino como Contagem (58.223 alunos) e Belo Horizonte (147.046 alunos) estão recebendo os mesmos valores anuais do que as duas menores cidades de Minas, Cedro do Abaeté e Serra da Saudade, com redes de ensino de 97 e 99 alunos respectivamente. Os dois sindicatos da Educação da Grande BH ficaram em completo silêncio. Veja como o corporativismo não é universal nem dentro da própria corporação. Contagem tem 58.000 alunos e 4.500 professores recebe de ICMS Educação o mesmo valor que uma cidade de Minas Gerais tem 90 alunos e uns 20 professores. Além de violentamente injusto o ICMS Educação é um desastre político, retirando de Contagem, governada pelo PT, cerca de R$ 350 milhões de 2024 a 2028.
Veja como Marília Campos fez a necessária transição de sindicalista, representando a corporação dos bancários, para prefeita, representando 650 mil moradores de Contagem. Veja só: eu, José Prata, sou fruto das gigantescas lutas sociais e democráticas das décadas de 1970, 1980, 1990. Eu era das correntes mais radicais da esquerda, do MEP e depois do PRC, e eu fui um dos que considerava Lula “pelego”. Pois foi Lula o principal inspirador da criação do PT que eu e muitos sindicalistas resistíamos quando a proposta foi formulada. E por que Lula? Porque Lula veio para São Paulo, conseguiu se formar no ensino profissionalizante, era um retirante bem sucedido, mas seu “coração continuou no Nordeste”, pobre, massacrado e desumanizado. Lula nos disse: não podemos representar apenas as nossas corporações, precisamos de um partido para dialogar com toda a sociedade e fazer as transformações sociais que o Brasil precisa. Nós, da classe média do Sudeste, corporativista que somos, temos muita dificuldade de compreender Lula porque ele é o “coração nordestino” para que passou “a pulsar no Brasil”.
Me emociono com Lula porque ele fala de fome, de falta de saúde, das misérias da sociedade. Pois eu também, quando criança, em Simonésia no Leste de Minas, junto com meus sete irmãos, passamos fome (a gente só almoçava e não tinha jantar, dormia com fome e até hoje acostumei a não jantar). Não tínhamos SUS, meu pai se gabava da “saúde de ferro” e até os 70 anos de nunca ter ido a um médico; dor de dente a gente tratava é com algodão com álcool e se o dente era “ruim” a gente arrancava sem anestesia; somos de uma época em que a educação pública era só até o quarto ano primário, quem quisesse seguir os estudos tinha que passar na prova de “admissão”. Para me tirar da rua meus pais me colocaram, aos 8 anos, para trabalhar de graça. Mas felizmente perdoei meus pais em vida, porque eles nos salvaram nos tirando da roça, foi muito criticado pelos sitiantes vizinhos, para nós termos acesso aos estudos. Meus pais me colocaram na escuridão, mas me apontaram a “luz no fim do túnel”: a educação.
Por isso eu digo: o corporativismo não cabe dentro de mim, minha vocação existencial é a luta pelo bem comum. Não tenho paixão por nenhuma categoria profissional somente, minha paixão é pela humanidade. E falo aqui pela primeira vez: minha paixão pela humanidade é tão grande, tão grande, que não consigo ter um amor maior pela minha família. Não é que eu não goste demais de minha família. É que eu esgotei minha capacidade de amar. Sou um cara cansado, esgotado de tanto amar! Meus filhos e minha mulher me perdoem por falar isso!
Marília eu vejo ela também assim: amor sem limites. Veja a transição histórica que ela fez. É bom destacar que Marília fez uma transição muito interessante de sindicalista para prefeita, uma trajetória muito parecida com a do nosso presidente Lula. Marília foi sindicalista e presidenta do Sindicato dos Bancários e depois ocupou por três vezes o mandato executivo, como prefeita de Contagem e, agora, foi eleita para um quarto mandato. Um balanço indica claramente que os movimentos sociais, em geral, são mais radicais, mas também, por representarem interesses concretos de segmentos da sociedade, são mais corporativos. Já no Poder Executivo, os administradores de esquerda, em geral, são mais moderados, mas, tendo que atender demandas de toda a sociedade, são também mais universais. Marília se dedicou com muita garra à luta dos bancários por melhorias salariais, emprego e por planos de saúde e de Previdência, auxílio-alimentação e creche; mas, na Prefeitura, teve que avançar para uma visão mais universal, para atender demandas de saúde, educação, urbanização de toda a população. Ou seja, Marília, como Lula, era mais radical como sindicalista. Como prefeita, ela é mais moderada, mas também é uma líder política mais universal.(…) Não sinto raiva por aqueles e aquelas que agridem a Marília dizendo que ela rompeu com o passado como grande sindicalista. Isto é uma enorme injustiça com uma mulher que luta há quase 50 anos pelo “bem comum”. Eu sinto é perplexidade e repulsa com a estupidez humana representada pelo corporativismo apaixonado pelas suas categorias, mas indiferente ao sofrimento da população, em particular da população mais pobre. Indiferença quando defende a constituição de uma previdência capitalizada novinha só para eles, a custa da desproteção social de toda a população.
Observação: publiquei recentemente um longo texto sobre capitalização que está no PDF: Regimes Próprios de Previdência — RPPS de Estados e municípios têm situação caótica; mudanças profundas precisam ser realizadas