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José Prata: Reforma trabalhista não gerou empregos de carteira assinada

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Evolução do número empregos formais – 2002 a 2020 – Em milhões

Fonte: RAIS – Ministério do Trabalho

Os defensores da reforma trabalhista diziam que ela geraria milhões de novos empregos no Brasil, já que a legislação antes em vigor encarecia muito a contratação de novos empregados. Veja só: no período dos governos de esquerda, com CLT e tudo a que tínhamos direito, os empregos formais tiveram uma expansão de 19,377 milhões de postos de trabalho e passaram de 28,683 milhões, em 2002, para 48,060 milhões, em 2015. Com o golpe contra Dilma, assumiu Michel Temer que fez a reforma trabalhista, e os empregos formais passaram de 46,060 milhões, em 2016, para 46,236 milhões, em 2020. Os dados que estamos divulgando da RAIS mostram, portanto, que a reforma trabalhista não gerou mais empregos de carteira assinada mas manteve estável apenas o número de empregos formais no Brasil. Ou seja, a propaganda da eficácia da reforma trabalhista na geração de empregos é “enganosa”, é mais ideologia do que resultados econômicos e sociais concretos.(…) A RAIS é o mais completo retrato do trabalho formal que temos no Brasil. Veja o que diz o Ministério do Trabalho: “A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) é um cadastro administrativo, instituído pelo Decreto nº 76.900, de 23 de dezembro de 1975, de âmbito nacional, periodicidade anual e de declaração obrigatória para todos os estabelecimentos do setor público e privado, inclusive para aqueles que não registraram vínculos empregatícios no exercício. Em virtude da relevância e multiplicidade de informações de interesse social, a RAIS se constituiu em fonte primordial de dados estatísticos para acompanhamento e caracterização do mercado de trabalho formal no Brasil, além de subsidiar o pagamento de benefícios sociais e a formulação de políticas públicas”.

“UTOPIA LIBERAL” É UM MUNDO SEM EMPREGO FORMAL E SEM PREVIDÊNCIA SOCIAL. Todas as medidas previstas na reforma trabalhista tem uma única finalidade: universalizar, generalizar o trabalho precário em contraposição ao trabalho celetista no setor privado e o estatutário no serviço público tidos como “privilégios”. Hélio Zylberstajn, professor da USP, um dos maiores intelectuais neoliberais do Brasil que formula sobre o mundo do trabalho, não esconde o sonho que é um mundo sem trabalho formal e sem aposentadoria universal: “Daqui a 30 ou 40 anos, a aposentadoria como conhecemos vai desaparecer ou se reduzir muito, porque ninguém vai ter emprego. Mas todo mundo precisará ter poupança. Provavelmente a aposentadoria do futuro vai ser a renda universal e a capitalização, e nossa proposta já encaminha para isso”.(…) A reforma de Temer quer: acabar com a CLT, onde o ‘negociado’, numa falsa e desigual negociação coletiva, se sobrepõe ao ‘legislado’; a terceirização deixa de ser possível apenas nas atividades meio e poderá ser feita também nas atividades fins das empresas; a terceirização irrestrita no setor público acaba com os concursos públicos; é adotada ou ampliada uma ‘cesta’ de contratos precários: trabalho temporário, terceirizado, jornada parcial, trabalho autônomo, trabalho intermitente, teletrabalho e “pejotização”; a reforma, em vez de garantir os direitos, dificulta o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho; os sindicatos são enfraquecidos e sufocados financeiramente.

REFORMA TRABALHISTA RESULTOU DE UM GRANDE LOBBY EMPRESARIAL; PROJETO ORIGINAL MEXIA COM SETE ARTIGOS; JÁ NA LEI APROVADA MUDOU-SE MAIS DE 100 ARTIGOS DA CLT. O grande articulador da reforma trabalhista no Congresso Nacional foi o deputado/lobista Rogério Marinho (PSDB/RN), que conseguiu a proeza de ampliar o projeto de Temer de sete artigos para mais de 100 mudanças na CLT. Um projeto de reforma constitucional acaba sendo desidratado devido às concessões que se precisa fazer para conquistar o apoio de 3/5 dos deputados e senadores; já um projeto de lei (maioria simples), conseguido o quórum mínimo, se pode abrir as porteiras para ampliá-lo ainda mais, de acordo com os interesses no Congresso Nacional. Foi isso que fez Rogério Marinho: conduziu a reforma trabalhista com mão de ferro, não deu nenhum espaço para os sindicatos nem para a Procuradoria Geral do Trabalho e atendeu, todos, literalmente todos, os lobbies empresariais. Fizeram, como se diz, barba, cabelo e bigode. Marinho virou um herói da elite econômica e virou ministro de Bolsonaro.(…) O Blog Intercept Brasil fez uma longa reportagem, publicada em 26/04/2017, que mostra como o deputado Rogério Marinho (PSDB/RN) coordenou um enorme lobbie empresarial que destruiu importantes direitos trabalhistas. Veja trechos da reportagem: “Lobistas de associações empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma Trabalhista. Os textos defendem interesses patronais, sem consenso com trabalhadores, e foram protocolados por 20 deputados como se tivessem sido elaborados por seus gabinetes. Mais da metade dessas propostas foi incorporada ao texto apoiado pelo Palácio do Planalto e que será votado pelo plenário da Câmara.(…) The Intercept Brasil examinou as 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão especial da Reforma Trabalhista. Dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292 (34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).(…) O deputado Rogério Marinho
(PSDB-RN), relator da reforma na comissão especial formada para discutir a proposta do governo, decidiu incorporar 52,4% dessas emendas, total ou parcialmente, ao projeto substitutivo. Elas foram apresentadas por deputados do PMDB, PSDB, PP, PTB, SD, PSD, PR e PPS – todos da base do governo de Michel Temer. Reforçando o artificialismo das emendas, metade desses parlamentares que assinaram embaixo dos textos escritos por assessores das entidades sequer integrava a comissão especial, nem mesmo como suplente.(…) As propostas encampadas pelos deputados modificam a CLT e prejudicam os direitos dos trabalhadores. O texto original enviado pelo governo alterava sete artigos das leis. O substitutivo de Rogério Marinho, contando com as emendas, mexe em 104 artigos, entre modificações, exclusões e adições”.

OS TRÊS MODELOS DE RELAÇÕES DE TRABALHO QUE TEMOS NO MUNDO. As relações de trabalho tal como até hoje se desenvolveram no mundo podem ser resumidas em três grandes modelos: a) o modelo de relações de trabalho que podemos chamar de misto, como o que temos no Brasil, que combina os “direitos legislados” em geral inegociáveis (leis e normas trabalhistas) e “direitos contratualizados” passíveis de negociação (acordos e convenções coletivas de trabalho) e existe a unicidade na representação sindical; b) o modelo democrático de relações de trabalho, que se desenvolveu na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, com poucas leis, e que privilegia a contratação coletiva do trabalho, onde a intervenção estatal mais importante foi a definição de uma legislação de sustento ou suporte à liberdade e autonomia sindicais, sobretudo nos locais de trabalho, visando garantir o desenvolvimento mais pleno da negociação direta entre patrões e empregados; e existe a pluralidade na representação sindical; c) o modelo ultraliberal, que se fundamenta no máximo de desregulamentação do trabalho, sem praticamente nenhuma legislação do trabalho, e os contratos de trabalho, quando existem, são somente contratos individuais e por empresa; os sindicatos não contam com nenhuma legislação de suporte e garantia de liberdade sindical; suas matrizes são os Estados Unidos, o Japão e, sobretudo, os tigres asiáticos. É este último modelo, na sua versão mais selvagem, a asiática, que o governo e os empresários querem aplicar no Brasil.

PT E CUT SURGIRAM DEFENDENDO O MODELO “CONTRATUALISTA” EUROPEU, MAS, EM FUNÇÃO DAS PARTICULARIDADES NACIONAIS, PASSARAM A DEFENDER O MODELO MISTO. Como vimos temos no Brasil um modelo de relações de trabalho que podemos chamar de misto, que combina os “direitos legislados” em geral inegociáveis (leis e normas trabalhistas) e “direitos contratualizados” passíveis de negociação (acordos e convenções coletivas de trabalho). Nós, que somos da geração que fundou a Central Única dos Trabalhadores – CUT e o Partido dos Trabalhadores – PT, nem sempre defendemos este modelo. Surgimos defendendo o modelo trabalhista europeu, que tem poucas leis, mas que se fundamentava numa sólida contratação coletiva do trabalho.(…) Com a passar do tempo, o PT e a CUT, ainda que não ajustando contas formalmente com suas posições passadas, mudaram de posição sobre o modelo trabalhista para o Brasil. De fato, a realidade brasileira deixou clara as impossibilidades de uma transição, pura e simples, para o modelo europeu de relações de trabalho. Nas nossas origens, dávamos mais atenção para a luta de liberdade e autonomia sindical e para a contratação coletiva do trabalho, já que a grande ameaça aos sindicatos provinha do Estado, governado pela ditadura militar. Mais tarde, com a volta da democracia, vimos que ampliou-se um pouco os espaços para uma maior autonomia dos sindicatos e que o grande entrave aos sindicatos passou a ser a empresa privada. Ficou claro que o modelo da Europa possuiu características políticas, econômicas e sociais que não se configuram no Brasil: a) na Europa é elevada a formalização do mundo do trabalho; b) na maioria dos países europeus, a rotatividade no trabalho é muito baixa, devido às garantias contra a demissão imotivada; c) os diversos países do continente são mais homogêneos internamente, o que favorece a consolidação de contratos coletivos nacionais; d) existem sólidas garantias democráticas para os sindicatos, especialmente onde elas são mais necessárias: nos locais de trabalho; e) em países europeus é proibida aos empregadores a formação de “sindicatos fantoches”, e a pluralidade sindical é composta por correntes históricas no Continente – social democratas e comunistas; f) a Europa é formada por países mais coesos socialmente, o que faz com que as disputas entre patrões e empregados sejam mais civilizadas. Por tudo isso que está certa politicamente a esquerda que defende um modelo misto de relações do trabalho, que combine os “direitos legislados” e “direitos contratualizados”, mais adequado às particularidades brasileiras. Para que este modelo seja aperfeiçoado, com mais ênfase na contratação coletiva do trabalho, são pressupostos básicos e inegociáveis: medidas concretas e duras contra a demissão imotivada e a ampla democratização dos locais de trabalho.

MODELO TRABALHISTA PRECISA FORTALECER A CONTRATAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO. Existe uma grande polêmica na esquerda sobre a “revogação” ou “revisão” da reforma trabalhista. Na minha opinião muita coisa precisa ser revogada e outras coisas precisam ser “revistas”, ou seja, não podemos simplesmente voltar à situação anterior. Considero que a militância histórica da esquerda, da CUT e do PT especialmente, da qual eu faço parte, deveria com a vitória de Lula avançar em alguns aspectos das relações do trabalho que não conseguimos em governos anteriores. A CUT foi ousada nas décadas de 1980 e 1990 quando se opôs à enorme “judicialização” dos conflitos coletivos de trabalho. Todos os sindicalistas de minha geração se lembram: os pelegos não mobilizavam as categorias, não faziam assembleias amplas e nem convocavam greves, e, ao final da campanha salarial, sem resultados concretos, quase sempre, apresentavam a proposta de instauração dos “dissídios coletivos” na Justiça do Trabalho. Rompemos com esta prática de “judicialização”, apostamos na mobilização e na negociação coletiva, caminho que precisa ser aprofundado numa nova legislação trabalhista.(…) Não acho correto que se crie empecilhos, como fez a reforma trabalhista, para o trabalhador ingressar com reclamações na Justiça do Trabalho, mas podemos sim propor formas de que os dissídios individuais sejam discutidos e resolvidos em grande medida no interior das empresas, através de comissões por local de trabalho vinculadas aos sindicatos, deixando o recurso à Justiça do Trabalho como a última possibilidade se falhar a negociação do trabalhador com a empresa.(…) Nós, da esquerda devemos nos opor à volta do imposto sindical apresentando como alternativa para a sustentação financeira dos sindicados, além das mensalidades dos sócios, a contribuição da campanha salarial, com determinados critérios fixados legalmente.(…) Regras do trabalho intermitente podem continuar existindo para atividades comprovadamente intermitentes (e não como para todas as atividades como prevê a reforma trabalhista), desde que sejam garantidos os direitos legais, inclusive o salário mínimo e o vínculo previdenciário. Podemos debater a possibilidade de terceirização de todas as atividades, desde que se garanta aos trabalhadores terceirizados os mesmos direitos dos trabalhadores diretos da empresa e que o vínculo sindical seja feito no sindicato do ramo de produção.

NÃO SE PODE SUBSTITUIR A TUTELA DO ESTADO PELA DITADURA DO MERCADO. Os neoliberais, coerentes com sua concepção ideológica, consideram que não são as empresas, mas sim o Estado o principal empecilho à negociação coletiva. O que defendem, sinteticamente, é que os trabalhadores troquem a tutela do Estado, que limita a contratação do trabalho, pela ditadura do mercado, que seria o espaço privado adequado para a definição das relações de trabalho. Grande parte dos empresários até admite a liberdade e autonomia dos sindicatos em relação ao Estado, mas não a toleram quando se trata da relação do sindicato com a empresa. Ou seja, eles consideram que o local de trabalho é um espaço de relação privada entre pessoas (trabalhador e empregador), não devendo, por isso, ser motivo de normatização por parte do Estado e de interferência por parte do sindicato. Por isso apoiam as comissões por local de trabalho “independentes do sindicato”, que expressem, sem politização e com amortecimento da luta social, as relações privadas entre o trabalhador e o patrão. Sem uma sólida organização por local de trabalho, que democratizem os locais de trabalho, a negociação coletiva proposta pelos neoliberais não passa de uma farsa para precarizar e retroceder as conquistas do mundo do trabalho no Brasil.(…) Veja, por exemplo, as garantias sindicais nos locais de trabalho na Itália. A título de exemplo, veja só os direitos que estão inseridos no Estatuto dos Trabalhadores da Itália sobre a liberdade sindical: constituição de representação sindical na empresa; nulidade de qualquer ato ou pacto discriminatório; direito de controlar a aplicação de normas para prevenção de acidentes e doenças profissionais; proibição do empregador constituir ou sustentar sindicatos de acomodação ou fantoches; direito de realização de assembleias nos locais de trabalho, fora ou durante o horário de trabalho, dentro dos limites de até 10 horas anuais; direito de licenças remuneradas ou não para os dirigentes sindicais; direito de retenção voluntária das contribuições sindicais; disponibilidade de locais nas empresas para as representações sindicais de trabalhadores; proteção especial aos dirigentes sindicais no exercício do mandato. E os trabalhadores italianos contam também com legislação contra a demissão imotivada.(…) Será que uma pauta dessas tem chance de prosperar junto ao grande empresariado e suas representações políticas, que se dizem tão engajadas na renovação das relações de trabalho no Brasil?

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