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Leonardo Koury: Enfrentar a realidade da pobreza e da fome só é possível em uma outra configuração política, econômica e social

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O Brasil em 2014, a partir de uma série de políticas sociais e econômicas integradas conseguiu mundialmente ser reconhecido como o país que saiu do mapa mundial da fome. Os dados apresentados pela FAO/ONU garantiam que mais de 40 milhões de brasileiros e brasileiras conseguiram condições de melhoria de vida a partir de estratégias governamentais que ampliaram a visibilidade e os meios de acesso às famílias em situação de extrema pobreza, antes esquecidas pelos governos que antecederam o novo milênio.

Os programas de transferência de renda não foram os únicos fatores que garantiram a saída das famílias em situação de extrema pobreza do mapa da fome, pois essa nova fase da gestão pública brasileira contou com a integração das políticas de Assistência Social, Educação, Geração de Emprego e Renda, Saúde e etc. Somadas estas políticas a partir da concepção de gestão intersetorial também fomentaram o ciclo dos conselhos, conferências e uma nova visibilidade para a pauta da pobreza e da fome como responsabilidade de Estado.

O diálogo a partir das demandas da população entre os anos de 2003 à 2015 foi o caminho para possibilitar desde o cadastro único das políticas sociais – CADÚnico até o fortalecimento da rede de equipamentos públicos nos territórios mais vulneráveis. Porém, todos estes importantes esforços não foram suficientes para consolidar uma transição geracional que pudesse não ter a fome vinculada em seu histórico social. Dados da Rede PENSSAN, apresentam através do II Inquérito da Insegurança Alimentar e Nutricional que em 2022, 33 milhões de pessoas passam fome e aproximadamente 125 milhões não têm acesso regular à alimentação ao longo da semana.

A interrupção deste ciclo de desenvolvimento dos governos petistas ocorreu de forma abrupta com o Golpe de 2016 que trouxe diversos cenários como as contra-reformas e mudanças estruturais contrárias aos anseios da população.

O ritmo dos anos seguintes, denunciado pelos movimentos sociais, sindicais e populares em atos públicos tem como resumo: a aprovação da Emenda Constitucional 95 conhecida como EC do teto de investimentos na área pública; os desmontes dos direitos conquistados como a previdência e o trabalho; o fim de diversas instâncias do pacto federativo como o financiamento integrado entre os entes; o esvaziamento e a extinção dos conselhos co-gestores pela MP-870 qual extinguiu 17 conselhos federais como o caso do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, o maior conselho federal vinculado à Presidência da República.

A agenda das imposições e o golpe contra a classe trabalhadora são os principais responsáveis pelo dia a dia difícil vivenciado hoje pela população brasileira mais pobre. A alta dos preços do gás e dos alimentos; o elevado custo de medicamentos; piora na entrega de serviços e aumento do preço das tarifas de água e energia elétrica; a ausência de investimentos no transporte público. Aliado a essas decisões o não reajuste dos salários em relação ao custo de vida segue em paralelo com a ausência de investimentos públicos e privados no país, em suma, toda gestão genocida que promove vertiginosamente a queda na geração de emprego e o agravamento das desigualdades.

As agendas do governo Neoliberal se somam ao Neoconservadorismo e ampliam enormemente o cenário de violência contra mulheres, mortes à população LGBTQIA + e o cotidiano de guerra nas favelas. No Brasil rural o cotidiano apresenta a perseguição de lideranças camponesas, indígenas e quilombolas. Não há um dia que não se noticie uma violação dos direitos humanos no território brasileiro.

Tal cenário diminui a confiança no Estado e não seria diferente quando a Democracia vive em segundo plano ou mesmo inexiste. Mas é necessário, enquanto contraponto a essa dura realidade, a compreensão de que não é possível construir o cotidiano das políticas públicas de forma distante da defesa da democracia e da participação social. É inviável constituir a política de Assistência Social sem refletir sobre o preço do gás de cozinha como exemplo.

Assim, frente a toda putrefação humana que (sobre)vivemos, derrotar o projeto de Bolsonaro é um passo muito importante para a agenda política dos partidos de esquerda, movimentos sindicais, sociais e populares. Mas o compromisso enquanto classe trabalhadora que somos deve ir além do processo eleitoral. Esse comprometimento enquanto classe deve fortalecer a agenda nacional pela cidadania e a sua relação federativa precisa ser reconstruída.

É necessário sim tirar Bolsonaro da presidência e as suas configurações estaduais e parlamento, mas também é importante reconquistar o sentimento de unidade e os princípios ideopolíticos que nos fazem ser classe trabalhadora. Para os próximos anos, os governos aliados a Lula e ao PT precisam compreender a importância do desenvolvimento social e econômico antes de qualquer ação. Reconstruir a confiança da população na agenda pública será o dia a dia do ato de governar.

Nas últimas décadas as políticas sociais, como exemplo, ampliaram as suas metodologias, marcos legais e perspectivas. Porém para agora, nesta conjuntura, a visão intersetorial e participativa deve ser a principal centralidade do debate na gestão dos governos progressistas. Não é mais possível fazer qualquer ação que não seja através da unidade.

A Intersetorialidade enquanto prática de gestão atravessa o pensar e o agir coletivo, desfazendo a imagem das caixas e dos setores individuais que fragmentam a realidade da população atendida. Este novo momento deve aprofundar o entendimento de cidadania ao visualizar as demandas da população a partir da sua integralidade. A pobreza é uma condição multidimensional, portanto a resposta do Estado à ela deve ser a partir da compreensão de que o seu enfrentamento só se dará por uma série de ações governamentais integradas.

A participação política por sua vez só pode ser plena se for aliada ao entendimento da não fragmentação da população frente aos problemas sociais. É a participação que constitui o empoderamento coletivo. Só assim o povo se sentirá parte do Estado, quando voltar a visualizá-lo pela mais profunda expressão democrática de coletividade. A história do povo só pode ser construída com o próprio povo, pelo povo e com toda a sua diversidade.

Inúmeros novos desafios virão, para vivermos os novos tempos. Na poesia aprendemos que são nas noites mais escuras que se mostram mais brilhantes as estrelas. Essa Alvorada precisa ser sonhada e construída para nós, que lutamos e resistimos aos desmandos, ao árbitro e ao autoritarismo. Quando a fome se torna uma preocupação nacional é porque precisamos de propiciar a pergunta que segue: qual vida queremos construir? Se houver resposta objetiva a esta pergunta o texto seria: o amanhã será um outro e novo dia!

Leonardo Koury é assistente social e professor.

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