“La civilización de um pueblo adquiere su carácter, no de las manifestaciones de su prosperidad o de su grandeza material, sino de las superiores maneras de pensar y de sentir que dentro de ella son posibles”. (José Enrique Rodó)
Sempre tive um absoluto fascínio pela América Latina. De seus resquícios revolucionários. Dos ensinamentos de José Martí e José Enrique Rodó. Das aventuras contundentes de Sierra Maestra. Por sua mentalidade progressista. Sobre as esquinas com suas cantinas bucólicas e provincianas. Das largas calles sob a alcunha de Simón Bolívar. Dos amores fugazes deixados pelas sendas da vida. Das artes, das cores de Almodóvar, e Frida Kahlo, contornando e realçando sobre os esquadros da compositora porto-alegrense.
Do espírito de latinidade, o paisito, decisivamente, tem grande espaço em minhas memórias afetivas.
Trincheira profícua do saudoso Eduardo Galeano. De Obdulio Varela, El Jefe Negro, que, em 1950, se sensibilizou- embriagando-se, da boemia, pelas ruas do Rio de Janeiro, após o jogo- com a “pena perpétua” do goleiro Barbosa e a derrota da Seleção Brasileira no fatídico Maracanazo.
Sobre histórias impressionantes, o impacto de uma palestra de Fernando Parrado, um dos sobreviventes da “Tragédia dos Andes”.
A República Oriental, também, é foro, de grandes inspirações, e reverberações de obras, tais quais do magnífico Mario Benedetti, “o poeta do compromisso”.
Por falar em compromisso, o Uruguai, nos últimos tempos, consolidou-se, como uma terceira via regional política e econômica, sobretudo sob a condução e cuidados de Tabaré Vazquez e Pepe Mujica, se firmando, assim, obstinadamente, como uma nação democrática e soberana.
Seguindo o raciocínio da aura uruguaia, o treinador da Seleção da Celeste Olímpica, o rosarino “El Loco” Bielsa, ao enunciar sobre sua satisfação de poder comandar o escrete uruguaio, a delineou nos seguintes termos:
“Não tiveram que me convencer. Eu quase diria que foi o contrário. Meu desejo de pertencer a este projeto tem dois extremos muito convincentes para mim: um são os jogadores que o Uruguai tem. Eu gosto do grupo de jogadores que representou o Uruguai nos últimos anos. E o outro é o destinatário do trabalho de uma seleção, que é o cidadão comum do país em questão”.
E é justamente esse viés do cidadão comum uruguaio que encarna e resgata os fluidos das lutas, das revoluções latino-americanas. Dos devaneios e das quimeras. Das sensações nostálgicas de atravessar a Ciudad Vieja e suas ramblas. Acerca da história do futebol na persona de José Ricardo de León; na visita ao Centenário e na vivência de um jogo do Peñarol com a sua hinchada bebendo mate e entoando cânticos intensos, desafinando o tom do establishment- e há quem diga que o esporte não se misture com política. Precisamos falar da necessária luta incansável pelas mulheres de Paulina Luisi. Pelo regozijo em deparar com um colégio denominado “Paulo Freire” em uma caminhada despretensiosa sob um vento cortante na capital localizada no Cone Sul. O desfrute da Feira de domingo de Tristán Narvaja, projetando a figura de Mauricio Rosencof e sua noite de 12 anos. As nostalgias vívidas de um destino de exílio para figuras políticas importantes na intensificação dos anos de chumbo como Jango e o engenheiro Leonel Brizola. Sem se olvidar da presença de Darcy Ribeiro, enrobustecendo um legado de suas “orgulhosas derrotas” em que não podemos deixar se esvair pelos costados.
Realça-se, a charmosa Colônia do Sacramento, expondo suas formas e delineamentos híbridos de Portugal e Espanha. E fazendo essa ponte para Terrae Brasilis. Até repousar nas alterosas. Nas montanhas de Minas Gerais. No meu canto de todo dia.
A conexão espiritual de Contagem e Montevidéu se formalizou em 2014. Tornaram-se Cidades-Irmãs. Não poderia ser diferente; e essa conexão não se restringe, tão somente, aos dois cantos geográficos; simboliza-se, sobretudo, a integração dos Povos da América Latina.
Integração esta iniciada, embora como um esboço, pelo Pan-Americanismo. Exposta sob os contornos da irmandade na literatura de Ferreira Gullar. Elencada no rol da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ressaltando-se, ainda, a figura de Hélio Jaguaribe, com notória contribuição intelectual sobre a importância do alinhamento da comunidade latino-americana.
E é nesse ambiente agregador e frugal, porém sofisticado, que me sinto no Arraial de São Gonçalo, nos dias de hoje. A Cidade das Abóboras tornou-se um reduto, absolutamente, aprazível. Não somente pelas construções e desenvolvimentos de políticas públicas e estruturas físicas, mas, sobretudo, pelos estímulos neurais e químicos que toda essa potencialidade externa se transforma.
Da atmosfera de cidadania e urbanidade na exploração dos espaços públicos. O senso de coletividade. A reflexão solitária em qualquer bar da esquina sob uma agradável embriaguez perscrutando nosso recôndito mais profundo com todas nossas contradições e vicissitudes.
Todos esses intensos estímulos de um senso coletivo é fruto do desenvolvimento da atual gestão. As realizações e os feitos na Cidade são extraordinários. Todos disponíveis na Revista produzida e lançada nos últimos dias.
O novo editorial do presente Blog dialoga com os processos desenvolvidos pela Administração e a tentativa de compreender a liderança de Marília Campos.
O economista José Prata, em seus escritos, no intuito de desmistificar a própria companheira, atestou ser uma “figura complexa”.
Talvez a complexidade resida no paradoxo e nas nuances da dicotomia da figura institucional com a figura física. Da institucional, a burocracia, a impessoalidade, a legalidade, os critérios objetivos. Ao passo que na esfera pessoal, incida as angústias, a aspiração por mudanças imediatas, a margem ampla para ruminações e equívocos.
É bem provável que a cidadã Marília não consiga se projetar com um olhar para si mesma e mensurar sua grandeza e competência política e institucional.
A resposta de sua popularidade e identificação pode ser que esteja em sua simplicidade e despojamento em lidar com as amenidades e complexidades da vida. Num mesmo espírito de personagens do realismo fantástico de García Márquez e Cortázar. Ou em qualquer película personificada por Darín. Sublinha-se, também, sua capacidade de observação e escuta ativa, atributo típico de grandes líderes, conforme pude notar nas pouquíssimas vezes que tive a oportunidade de uma prosaica e breve conversa.
Valter Hugo Mãe, alcunhado de “tsunami literário”, por Saramago, dissertou que “quando se sonha tão grande, a realidade aprende”.
Um afro-luso-quase-brasileiro que compreendeu bem a Cisplatina e a história de lutas e revoluções.
E dessa inspiração é que todos nós queremos desfrutar das bonanças e enfrentar as dificuldades das brumas.
E é dessa motivação que Marília Campos pratica sua esmerada política.
Sempre em busca da ventura de dias melhores.
Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.