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Lucas Fidelis: Uma velha nova praça

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“O tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que só a memória é capaz de fazer mover e aproximar.” (José Saramago).

E a Praça Tancredo Neves reinventou-se uma vez mais de maneira arrebatadora. Um baluarte cultural desde 1991. Uma realidade pública que se fez tombada por seu lastro espiritual e pela vocação serena e minuciosa de uma outrora atmosfera seminarista.

Da reinauguração, um reencontro histórico de Marília Aparecida Campos e Ademir Lucas Gomes. Duas figuras que simbolizam e estão definitivamente no imaginário coletivo da cidade. Ademir, um populista inveterado quase que folclórico. Marília, uma líder popular que rompeu decisivamente ao alcance permitido com políticas conservadoras estabelecidas.

Um gesto absolutamente simbólico e que se vislumbra por desfigurar a incômoda imposição de calcular ou mensurar o que deve ser estampado para uma imagem política favorável ou não em detrimento dos fins coletivos.

Discorrendo sobre a interação de gestões e outros tempos, recordo-me vividamente do ator Marcos Frota realizando um sorteio no meio da praça para o vencedor seguinte do famigerado “Caminhão do Faustão”. Paradoxalmente, a anunciação de um sonho sobre um castelo de cartas que se desmoronava tão logo em seguida. Vem-me à mente o fascínio que isso me causara por haver tantos policiais em suas motos e um caminhão imenso adentrando pelas ruas estreitas e pelo recinto cerrado da vegetação pelos arredores. E ao chegar à casa da vencedora, a poucos metros de meu reduto, na minha memória, surge o questionamento derradeiro e definitivo do artista circense para a agraciada sobre a vontade e possibilidade pela doação dos prêmios.

Aproveitando-se, ainda, da prosa sobre caminhão e demais questões, a lembrança do saudoso pianista Arthur Moreira Lima- um personagem simbiótico que flanava entre o erudito e o popular- que carregara numa turnê por todo o país seu piano numa carreta. Parara em nossa urbe no meio da praça por um show catártico. Um tricolor incorrigível, tal qual Nelson Rodrigues e Chico Buarque, que dava o seu tom no belíssimo hino do Fluminense de Lamartine Babo. O torcedor da Estrela Solitária, criador deste blog, que me perdoe pela heresia da rivalidade.

Das recordações, até os tempos atuais, diga-se que o presente se faz pulsante. A praça está absolutamente impecável. Com uma reestruturação elegante sem perder sua característica e essência. Um espaço para todos desfrutarem da arte do encontro. De poderem aprofundar e estimular suas criatividades mais íntimas. Da percepção de que são esses os momentos que se fazem inegociáveis e incondicionais em nossas vidas.

E de que, seja dito de passagem, muito nos tem sido tirado pelos avassaladores e deletérios métodos tecnológicos de absorção de atenção, o que já é outro tema um tanto quanto complexo.

Sob o mesmo espírito do texto, relata-se que acompanhei minhas sobrinhas, Olívia e Elisa, para aproveitarem uma tarde na praça. Escalaram o muro das fantasias; desafiaram a história e a biologia divertindo-se com a imaginação pelas formas abstratas do que poderia ser um imponente híbrido de um ser aquático e/ou um dinossauro; brincaram com a mola moderna alaranjada propulsora de sonhos, só sendo paralisadas com a presença de outras crianças quando se observam de maneira lúdica e inebriante buscando desvendar e desmistificar a indelével e peculiar aura de cada movimento pueril.

Num dado momento, mirei em uma delas no balanço cantarolando e balançando a cabeça. Fez-me refletir sobre como as conexões intergeracionais são transcendentais. Sobremaneira pelo fascínio de se ver e projetar-se nas gerações futuras convivendo num mesmo espaço físico em que as gerações passadas se forjaram e se moldaram. O local é o mesmo; no entanto, sob o contraste de que os tempos são completamente distintos.

E, mais do que nunca, pela consciência profundamente reflexiva de que esse mesmo tempo é irrevogavelmente implacável. E essa inexorabilidade nos faz contemplar com mais intensidade o agora, acolher com mais brandura e compreensão as sombras e culpas que nos colocamos do passado, e cultivar com mais atenção o que deixaremos no rastro do porvir.

Por essas e pelas razões de nossa existência que somos instigados a decifrar, e pelo bem do resumo da ópera, não tenhamos pressa, mas não percamos tempo, como diria o famoso escritor.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.

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