A questão do transporte público coletivo de passageiros sempre foi e continua sendo um grande desafio para os gestores públicos e para a comunidade técnica em geral, pois é preciso equilibrar as necessidades dos usuários com as questões técnicas, operacionais, econômicas e financeiras, o que nem sempre ocorre. Essa questão, que já é desafiadora quando se fala em resolver os deslocamentos dentro de cada município, torna-se ainda mais complicada quando se trata de grandes aglomerados urbanos, como é o caso de regiões metropolitanas, em que muitas pessoas moram em uma cidade, trabalham em outra e por vezes realizam outras atividades, como por exemplo estudar, em uma terceira cidade.
Em um “mundo ideal”, seria desejável que houvesse mais opções de transporte coletivo à disposição da população, com qualidade, segurança, confiabilidade e a um preço justo e acessível. Tratando-se da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, estamos falando da possibilidade de se ter opções no modal rodoviário (ônibus), no modal metroviário (metrô), ou no modal ferroviário (trem de passageiros), para atender a toda a população, sobretudo nas 10 maiores cidades (Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Ibirité, Sabará, Nova Lima, Vespasiano e Esmeraldas), onde estão concentradas cerca de 88% de toda a população da RMBH, ou seja mais de 4,5 milhões de habitantes. Além de mais opções, o ideal é que esses modais fossem efetivamente integrados, sobretudo na questão física e tarifária.
Integrar fisicamente as redes de transporte significa levar o atendimento do transporte público coletivo às diversas cidades e bairros da RMBH, pensando não somente na ligação com a Capital, Belo Horizonte, mas também nas ligações internas aos municípios e entre municípios vizinhos. Quando falamos em integração tarifária, estamos falando na possibilidade efetiva de que grande parte dos deslocamentos dentro da RMBH fosse feito pagando-se uma única passagem por viagem.
Já no “mundo real”, constata-se que a situação é bem diferente. Temos um sistema de transporte coletivo de passageiros que se restringe praticamente aos ônibus, sendo que o metrô atende apenas a dois municípios, Belo Horizonte e Contagem. E, ao contrário do que havia no passado, não temos mais o trem de passageiros que conectava diversos municípios da RMBH a um custo bem mais acessível.
Importante lembrar ainda que os sistemas de ônibus municipais e o metropolitano não são integrados, o que se reflete em ônus ainda maior para os usuários do transporte coletivo de passageiros. Fato é que o atendimento por ônibus está muito aquém das necessidades da população, seja pelo alto custo da tarifa, pela falta de qualidade, pela pouca oferta de viagens e pela falta de atendimento em diversas regiões destas cidades.
Vamos refletir um pouco mais sobre o título deste artigo, “Transporte público coletivo integrado: realidade ou utopia?”.
Vamos partir da constatação óbvia que não se pode tratar a questão sob a ótica apenas dos deslocamentos internos à cada cidade, mas sim considerando cada pessoa como um cidadão/cidadã metropolitano, que precisa ir de uma cidade a outra para realizar suas atividades cotidianas. Essa afirmação não tem novidade alguma, pois todos nós temos essa percepção, inclusive os gestores públicos.
Embora todos tenham essa percepção e sabem que as soluções para o transporte público coletivo de passageiros não podem ser dadas de forma isolada, o que se vê na prática é uma desarticulação quase que total das políticas de mobilidade na RMBH. As Prefeitas e Prefeitos tentam resolver a questão do transporte internamente aos seus municípios, mas não conseguem interferir nas questões da ligação entre os municípios, tarefa que é de responsabilidade do Governo do Estado de Minas Gerais. Aqui reside talvez o maior problema e o maior desafio a ser vencido, pois em uma região metropolitana, como é o caso da RMBH, não se pode pensar de forma isolada as questões de mobilidade e do transporte coletivo.
Com certeza essa desarticulação das políticas de mobilidade aqui na RMBH é uma das razões da perda expressiva de passageiros no sistema de ônibus e do metrô, para além das questões estruturais que afetaram o transporte público de passageiros em todo o Brasil, como é o caso da chegada dos aplicativos (Uber, 99 e outros), do aumento excessivo da circulação de motocicletas e também de uma certa mudança de hábitos no pós-pandemia com a adoção parcial ou total do teletrabalho.
Essa queda na demanda de passageiros é um fenômeno nacional que vem ocorrendo principalmente desde 2002, mas que foi ainda mais potencializada a partir da pandemia. A título de exemplo podemos citar o caso de Belo Horizonte, que em seu sistema municipal de ônibus já chegou a transportar diariamente cerca de 1,3 milhões de passageiros e hoje transporta algo entre 950.000 e 1.000.000,00 de pessoas por dia útil; e o caso de Contagem, que já transportou cerca de 140.000 passageiros por dia em seu sistema municipal e que atualmente transporta diariamente cerca de 85.000 passageiros.
Esse cenário, em que o transporte público coletivo de passageiros vem sistematicamente perdendo demanda, provoca o estrangulamento do sistema viário, com cada vez mais congestionamentos de trânsito em toda a RMBH, o que, por sua vez, compromete o desempenho do transporte coletivo e imputa tempos de deslocamentos cada vez maiores para todas as pessoas, com a consequente perda de qualidade de vida.
Trata-se de um círculo vicioso negativo, que podemos resumir da seguinte forma:
• o transporte público coletivo de passageiros é caro e inadequado às reais necessidades dos usuários;
• então as pessoas buscam se deslocar de outra maneira, seja com seus veículos próprios (carros ou motocicletas) ou passam a usar os aplicativos;
• a circulação excessiva de automóveis e motocicletas acaba por congestionar as vias públicas e isso prejudica também o transporte coletivo afetando sua velocidade operacional;
• com velocidade operacional baixa, o desempenho do sistema piora e o custo por km rodado aumenta, o que impacta diretamente no preço da tarifa, desestimulando ainda mais o uso do transporte coletivo;
• com vias congestionadas a mobilidade fica prejudicada; então busca-se soluções para resolver os gargalos de trânsito com a construção de trincheiras e viadutos, que aliviam momentaneamente a questão dos congestionamentos;
• com novos viadutos e trincheiras, dentre outras soluções viárias, cria-se a falsa sensação de que a mobilidade urbana foi equacionada, uma vez que por um breve período o trânsito flui melhor;
• com o trânsito fluindo melhor, outras pessoas passam a utilizar o transporte individual motorizado (carros e motos), e em pouco tempo o sistema viário volta a ficar insuficiente e a circulação volta a ficar comprometida, com novos congestionamentos de trânsito, o que impacta a circulação dos ônibus;
• e por aí vai… configurando-se um círculo vicioso perverso, que afeta a todos, mas sobretudo àquelas pessoas que não têm outra alternativa a não ser usar o ônibus ou metrô para seus deslocamentos.
Qual é a solução então para romper com esse círculo vicioso negativo?
A resposta também é muito clara e já está de certa forma incorporada no imaginário e no raciocínio das pessoas. A solução é investir em transporte público coletivo de passageiros de qualidade e com tarifas mais baixas e acessíveis.
Contudo, ainda que isso ocorra, não será suficiente para resolver plenamente a questão. É preciso que haja integração física e tarifária dos sistemas, de forma a criar um ambiente favorável para que as pessoas possam se deslocar de forma mais rápida, barata e acessível.
É inadmissível que em pleno século XXI, já no ano de 2025, ainda se tenha pessoas precisando pagar 3 ou 4 passagens para fazer um único deslocamento entre a sua casa e o seu trabalho, caso resida nos extremos da RMBH! E mesmo com a bilhetagem eletrônica, que sem dúvida foi um avanço, é impensável que o cidadão e a cidadã que usam o transporte coletivo por ônibus tenham que ter em mãos 3 ou 4 cartões diferentes para utilizar nos ônibus municipais e metropolitano!
É de certa forma até uma crueldade com a população não se dispor de alternativas para atendimento do transporte público em regiões de mais difícil acesso, como vilas, favelas e comunidades, onde o sistema viário não permite a circulação dos ônibus convencionais, o que imputa ao usuário a necessidade de fazer longas caminhadas até chegar a um local por onde passam os ônibus ou a linha do metrô.
Tudo isso pode ser resolvido em grande parte se houver um planejamento e operação integrado das redes de transporte, considerando tanto as necessidades dos deslocamentos internos aos municípios como os deslocamentos entre os municípios. Além disso não se deve pensar somente em atender aos deslocamentos entre os diversos municípios da RMBH com a Capital, Belo Horizonte, mas também criar possibilidades para que a rede de transporte atenda adequadamente a ligação entre municípios vizinhos (por exemplo entre Contagem e Betim; entre Ribeirão das Neves, Contagem e Esmeraldas; entre Santa Luzia e Vespasiano; entre Nova Lima e Sabará; dentre outras ligações).
Retomando mais uma vez a provocação contida no título deste artigo, “Transporte público coletivo integrado: realidade ou utopia?”, podemos afirmar que a questão pode ser resolvida ou pelo menos bastante melhorada, como já ocorre em outras regiões do Brasil, se houver vontade política e efetiva união entre os municípios e o Governo do Estado, em prol do cidadão e cidadã metropolitanos.
Evidentemente que essa não é uma tarefa fácil, mas é perfeitamente possível, como vem defendendo de maneira muito contundente a Prefeita de Contagem, Marília Campos, que vem pautando desde 2022 essa necessidade de integração e de criação de uma Governança Metropolitana do transporte público de passageiros, buscando inclusive ampliar as possibilidades, como a retomada do trem de passageiros e a expansão do metrô, pautas essas que contam também com o apoio da Prefeitura de Betim (desde a gestão do ex-prefeito Vittorio Medioli e agora com o Prefeito Heron Guimarães) e da Prefeitura de Belo Horizonte (com o então Prefeito Fuad Noman, que faleceu recentemente, e agora com o Prefeito Álvaro Damião), e que agora mais recentemente tem recebido o apoio da Prefeitura de Nova Lima, cujo Prefeito João Marcelo é o atual Presidente da GRANBEL.
Por fim, cabe lembrar que há projetos importantes em andamento na RMBH, como o Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, de Contagem; o BRT Amazonas, em Belo Horizonte; a expansão da linha 1 e a construção da linha 2 do metrô, sob a gestão do Governo do Estado de Minas Gerais; e, como já escrevi a respeito em outros artigos aqui nesse espaço, são iniciativas que devemos entender como ações muito positivas.
Contudo, ainda que plenamente implantados, estes projetos não conseguirão por si só resolver as questões de mobilidade na RMBH caso os sistemas não estejam integrados de fato, tanto sob o ponto de vista da rede física como principalmente da tarifa, integrações estas que se forem implementadas poderão estancar a perda de passageiros do transporte público coletivo e a médio e longo prazo trazer de volta para os sistemas coletivos parte dos usuários que migraram para o transporte individual motorizado (sobretudo carros e motos).
Convido a você que leu esse artigo a refletir sobre esse tema, buscando dar a sua contribuição para que a “utopia” de um transporte público de passageiros mais seguro, confortável, integrado e acessível possa se transformar em realidade.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes