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Maria Cristina Fernandes: A combustão bolsonarista

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Praga do radicalismo, depois de ter sido alimentada pelo presidente, agora se volta contra as campanhas majoritárias do bolsonarismo

Valor Econômico, 15/09/2022

Quando duas pesquisas de metodologia reconhecida, como a do Ipec e da Quaest, discrepam para além da margem de erro sobre a distância entre os líderes da disputa presidencial, de 15 pontos para o primeiro e oito para o segundo, nenhuma biruta sinaliza melhor os rumos do que aquela das campanhas. A do bolsonarismo está desgovernada.

O sinal derradeiro disso foi dado pela agressão do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) à jornalista Vera Magalhães. Foi a espontaneidade do gesto que o torna mais eloquente. Está claro que o parlamentar não foi instruído pela campanha bolsonarista, mas pela expectativa de alavancar sua reeleição.

E é por isso que a reeleição do presidente está em apuros. Se em 2018 ele foi capaz de tirar os radicais do armário para dar combustão a um sentimento difuso que se denominou de antipetismo, esses mesmos radicais hoje fugiram controle. Até podem alavancar candidaturas proporcionais, mas produzem estragos em candidaturas majoritárias. Se servem de combustível para algo hoje é ao antibolsonarismo que move a campanha de 2022.

Não foi outro o motivo de o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ter vindo a público repreender o deputado, seu maior aliado na Assembleia Legislativa além de titular da sucursal paulista do gabinete do ódio. Além de vergonha, passou recibo: “Essas atitudes inconsequentes visando os holofotes e a autopromoção, além de erradas em si mesmas, podem pôr a perder um trabalho de meses, reforçar estereótipos e trazer prejuízos a todo um grupo político. Neste caso, a direita.”

Há cinco meses o mesmo Eduardo Bolsonaro comentava um tuíte de Miriam Leitão com a frase “Ainda com pena da cobra”, valendo-se do símbolo do animal que foi colocado numa sala escura em que a jornalista foi trancada nua, grávida, aos 19 anos, para ser torturada. Foi uma fatia dessa virulência que Douglas Garcia transpôs para a plateia do debate dos candidatos ao governo de São Paulo na agressão à Vera Magalhães.

As pragas gestadas pelo bolsonarismo no berçário do ódio se acostumaram a se voltar contra o jornalismo para desviar o foco do essencial. Ao fazer dos jornalistas o personagem da notícia, o bolsonarismo aposta na desmoralização da imprensa, além de montar a armadilha para que o jornalismo deixe de se ocupar do outro – o eleitor e de seus dramas, argamassa da profissão. O problema é que as agressões são tantas, à democracia, ao decoro e à civilidade, que o personagem da notícia emerge sem concorrência. É ele, o agressor.

Tarcísio Freitas deu-se conta disso de imediato e tentou se dissociar do episódio que envolveu um convidado de sua comitiva dizendo mal conhecer o parlamentar. Poucos minutos depois, porém, apareceu a foto dos dois abraçados e, no dia seguinte, o candidato a governador já estava em campanha no interior de São Paulo com Jair Bolsonaro, autor da agressão à jornalista repetida à exaustão por Douglas Garcia.

O mesmo candidato que, além de inspirar, armou as bestas-feras, apareceu arrependido na entrevista a um podcast de influenciadores evangélicos. A missão, por óbvio, era diminuir a rejeição.

Se foram instruídos, até que os influenciadores apareceram sinceros em suas interpelações. Um falou do sogro, morto pela demora da vacina – “Não tenho inclinação pela esquerda, mas sua fala me entristeceu.” Outro perguntou se, olhando para trás, retiraria algo do que disse. Uma terceira lembrou-lhe do preceito cristão: “Faltou sensibilidade, sabe presidente, não custa nada pedir perdão.”

O muro das lamentações estava erguido. Era só se encostar. Disse ter dado uma “aloprada”, falou em arrependimento, deu razão ao entrevistador que perdeu o sogro, retirou o “coveiro”, o “jacaré” e a “fraquejada”. Agiu como o delinquente que é enquadrado pela esposa evangélica: “Apesar de ser bronco, tô tentando melhorar. Manda quem pode, obedece quem tem esposa.”

Como constatou que o Auxílio Brasil de R$ 600 não serviu para aplacar a rejeição à sua condução na pandemia ou a agressividade de seu comportamento, tentou emplacar uma conversão. E se não der certo? “Se não for a vontade de Deus, a gente passa a faixa e vou me recolher porque com minha idade não tenho mais o que fazer na terra”.

Parece sugerir que, se o deixarem em paz, não vai mandar sua horda de seguidores, por exemplo, fazer uma reprise tupiniquim da invasão do capitólio. Foi mais ou menos o que um dos ministros de quem é mais próximo no Supremo Tribunal Federal disse, no dia da posse de Rosa Weber, ao ser indagado se Bolsonaro, deixando o governo seria preso.

Depois de queixar-se da imprensa com a veemência de um bolsonarista, este ministro disse que a prisão de Bolsonaro só colaboraria para radicalizar o país. “Se ele for preso, os filhos dele continuarão soltos”, disse, como pretendesse antecipar o papel da Procuradoria-Geral da República e do STF num Brasil que, eventualmente, caia sob novo comando.

No dia seguinte às declarações de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, respondeu ao jornalista William Waack, na CNN, se anistiaria Bolsonaro: “Não se vai querer presidir o país para instigar a confusão. O país precisa de paz para crescer. E quem pode fazer isso é o presidente da República. O comportamento dele dita as regras da sociedade. O atual presidente vive disso, de ofender, de instigar. Vamos ganhar a eleição para reconstruir a paz”.

A reação ao comportamento de Bolsonaro foi tão grande que mudou Lula, do discurso à vestimenta. Do candidato que, no início da campanha, posava de sunga com sua noiva, Janja, na praia, e dizia ter 76 anos de idade, energia de 30 e “tesão de 20”, agora, quando lhe perguntam sobre sua vida amorosa, se levanta com um risinho envergonhado e diz: “Gente, chega por hoje”.

Se Bolsonaro tentou ganhar pelo medo, primeiro de golpe, depois da violência, o tiro saiu pela culatra. Hoje Lula faz da paz o apelo pelo voto útil. A contrição não é a única aposta de Bolsonaro. Ontem voltou a chamar Lula de “pinguço” e “vagabundo” e vai continuar a fazê-lo para manter seu poder de mobilização, quesito em que supera seu principal adversário.

Vai em busca do eleitor e não do seu séquito habitual com a ida à ONU e aos funerais da rainha Elizabeth. Sua campanha sabe dos riscos que o presidente corre de se repetirem os protestos que marcaram as idas ao exterior durante o mandato. Se viajar o repúdio pega, se ficar a rejeição come. Vai pagar pra ver.

Maria Cristina Fernandes é jornalista

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