Demoraram duzentos anos para eleger uma mulher negra na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Mas bastou uma madrugada para calarem o povo mineiro. Às quatro e meia da manhã, 52 deputados aprovaram em primeiro turno, contra apenas 18 votos contrários, a chamada PEC 24, que o povo já apelidou, com precisão, de PEC do Cala a Boca.
Essa proposta, enviada pelo governador Romeu Zema, muda a Constituição estadual para tirar do povo o direito de decidir, por referendo, se as nossas empresas públicas, como a Copasa, podem ser vendidas. É um ataque direto à democracia e ao patrimônio de Minas. Zema propõe e a Assembleia chancela. O governador quer vender o que é do povo, e o Legislativo faz o serviço sujo de autorizar em silêncio, na calada da noite.
Acabar com o referendo popular é acabar com um dos instrumentos mais importantes da democracia. O referendo é o momento em que o povo deixa de ser espectador e assume o papel de protagonista, decidindo diretamente o rumo de temas que afetam sua vida. Retirar esse direito significa concentrar poder nas mãos de poucos, reduzir a transparência e calar a participação popular. É abrir caminho para decisões tomadas a portas fechadas, longe do olhar da sociedade, favorecendo os interesses econômicos de poucos em detrimento do interesse coletivo. Quando o povo deixa de ser ouvido, o Estado deixa de ser democrático.
Mas enquanto eles votavam de portas fechadas, do lado de fora da Assembleia o povo resistia. Trabalhadores, movimentos sociais e a sociedade civil organizada passaram a madrugada inteira em vigília, enfrentando o frio, gritando palavras de ordem e tentando fazer ecoar a voz que lá dentro tentavam silenciar. Foi uma cena dura e, ao mesmo tempo, bonita: o contraste entre a covardia dos que votavam contra o povo e a coragem de quem não abandonou a luta nem de madrugada.
A mobilização popular tem mostrado força. Nesta semana, a base do governo tentou incluir a Gasmig dentro da PEC e o povo barrou. Foi a pressão nas redes, o olhar atento do bloco de oposição e a coragem de quem não se cala que impediram mais esse golpe. Essa vitória parcial é uma prova: porque governo é igual feijão. Funciona na pressão. Nós precisamos estar atentos e fortes e seguir pressionando.
Zema tem o olho tão grande na venda da Copasa que esqueceu do básico: dialogar. Não conversou com o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, que representa o maior mercado consumidor da Copasa em Minas Gerais. Também não conversou com a prefeita de Contagem, Marília Campos, cidade onde a Copasa atua e que é outro polo estratégico da empresa de extrema relevância. Zema, além de querer acabar com a consulta popular, tenta vender o que não lhe pertence sem ouvir quem de fato administra as cidades.
Em Contagem, essa proposta tem impacto direto e grave. Privatizar a Copasa significa colocar em risco a represa da Vargem das Flores, a grande caixa d’água da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Um dos maiores patrimônios ambientais e hídricos de Minas Gerais, responsável pelo abastecimento de centenas de milhares de pessoas.
Uma empresa privada, movida pelo lucro, não pode ser a guardiã de um bem tão essencial. A lógica do lucro não combina com o cuidado com as águas. A represa da Vargem das Flores não é uma mercadoria. É um patrimônio natural, histórico e social que pertence ao povo. Entregar sua gestão ao mercado é colocar em risco o futuro da nossa cidade e de toda a RMBH.
Em Brasília, o povo fala em Congresso inimigo do povo. Pois aqui em Minas, é a Assembleia Legislativa que vem cumprindo esse papel. O inimigo do povo é quem governa de costas pra ele. É quem vende o que é nosso, quem legisla escondido, quem tenta calar a voz da sociedade para agradar a meia dúzia de acionistas.
Mas não vão nos calar. A água é do povo mineiro. A energia é do povo mineiro. E a voz do povo não se privatiza.
Minas vai resistir, nas ruas, nas redes e na história. Porque democracia de verdade se faz com o povo participando, não sendo silenciado.
Moara Saboia é vereadora pelo PT em Contagem