Valor Econômico, 24/01/2022
Economista americano prevê que crédito e investimento social voltarão a fluir para o Brasil
“Penso que o mundo está pronto para se mobilizar para uma nova bioeconomia para a Amazônia. Acredito que o investimento e o financiamento social vão fluir para o Brasil.” A percepção otimista com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é do economista americano Jeffrey Sachs, um dos nomes mais respeitados entre os estudiosos da geopolítica e da nova economia global.
“Há muito dinheiro disponível para clima, biodiversidade e floresta, se as políticas no Brasil forem bem concebidas”, diz ele, que acredita “que o Brasil alcançará uma classificação de crédito mais elevada sob o presidente Lula”. Sachs promete, inclusive, fazer lobby para o Brasil junto às agências de classificação de risco. Dirá que o país tem muitos pontos fortes como economia verde, energia sustentável, produção de alimentos, mineração e serviços, incluindo instituições científicas e universidades. “Tudo isto dá ao Brasil fortes perspectivas de crescimento.”
Professor e diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade Columbia, o economista diz que o Brasil, ao ocupar a presidência do G20 em 2024 e talvez sediar a COP30, em 2025, “poderá ajudar a reformar a arquitetura global, incluindo finanças e política externa, em prol do desenvolvimento sustentável”.
Os atos golpistas de 8 de janeiro foram “inquietantes”, mas “fortalecerão a democracia expondo os abusos de poder e a retórica de políticos demagogos”. Acredita que o Brasil, com Lula – “um grande pacificador” -, pode trabalhar com outros para “acabar com a guerra na Ucrânia através da diplomacia, e não da escalada militar”.
Em 2019, junto ao cientista Carlos Nobre, fundou o Painel Científico para a Amazônia. A iniciativa inédita reuniu 240 cientistas de oito países amazônicos e produziu o mais abrangente diagnóstico sobre a região. “Agora o painel irá trabalhar com os governos da região buscando identificar os melhores caminhos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia incluindo o fim do desmatamento, a restauração de milhões de hectares de terras degradadas e a promoção da nova bioeconomia”.
Ex-assessor especial do secretário-geral da ONU, Sachs defende uma abordagem cooperativa na América do Sul. “Os EUA devem acabar com o boicote e sanções contra a Venezuela, para que a América Latina possa se reunir em torno do objetivo comum do desenvolvimento sustentável”, diz.
“A crise climática global continuará a se agravar nos próximos anos. Serão necessárias muito mais ações políticas, investimentos em energias verdes e financiamento climático”, alerta.
Sachs veio ao Brasil para a posse do presidente Lula, que conhece pessoalmente há anos. Durante 11 dias esteve em Brasília, Rio, Salvador e Belém. Em Brasília teve várias reuniões – uma delas com o ministro da Educação Camilo Santana. Para o economista, educar a todos deve ser uma prioridade central. “Esse é um dos pontos da incrível desigualdade que existe no Brasil”, disse, em evento em setembro, em Nova York. Logo ao retornar do Brasil, concedeu esta entrevista ao Valor, por escrito:
Valor: O que pensa sobre este momento no Brasil?
Jeffrey Sachs: Apesar do caos recente que aconteceu em Brasília, este é um momento de grande esperança. O presidente Lula fará um enorme benefício para o Brasil, como fez durante 2003-2010. Acredito que ele também dará grande contribuição global como um líder mundial para o desenvolvimento sustentável e presidente do G20 em 2024.
Valor: O senhor acha que a democracia brasileira está ameaçada? A invasão do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF colocará em risco novos investimentos?
Sachs: Os acontecimentos foram inquietantes, claro. Ainda precisamos compreender seus antecedentes, e quaisquer possíveis ligações a “conselheiros” dos EUA também. A natureza do evento foi, obviamente, muito semelhante à que foi concebida por Donald Trump em 6 de janeiro de 2021. No entanto, penso que os eventos no Brasil fortalecerão a democracia aqui, expondo os abusos de poder e a retórica de políticos demagógicos. Acredito que o presidente Lula terá pulso firme e que os líderes políticos brasileiros, tanto federais como estaduais, atuarão para proteger as instituições da democracia brasileira.
Apesar do caos que aconteceu em Brasília no dia 8 de janeiro, este é um momento de grande esperança”
Valor: Como foi seu encontro em Brasília com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad?
Sachs: Foi muito inspirador, assim como a reunião com o ministro da Educação Camilo Santana. Ficou claro para mim que o objetivo deles é seguir uma agenda ousada para o Brasil, que subscrevo inteiramente. Encontrei também com diretores do BNDES e de várias universidades, servidores públicos e líderes da sociedade civil.
Valor: A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, terá muitos desafios que estão apenas começando. Qual a sua visão sobre o momento ambiental que o Brasil vive?
Sachs: Acho que o mundo está pronto para se mobilizar para uma nova bioeconomia para a Amazônia. Acredito que o investimento e o financiamento social vão fluir para o Brasil. O presidente Lula tem sido muito claro: o desmatamento tem de parar, e o desenvolvimento verdadeiramente sustentável tem que começar. A ministra Marina Silva é conhecida no mundo todo e muito respeitada como liderança ambiental. Ao longo da nossa viagem no Rio, na Bahia, e no Pará, ouvimos muitos falarem da confiança que depositam nela.
Valor: O senhor é fundador do Painel Científico sobre a Amazônia, que lançou um importante relatório sobre a região com muitos cientistas. Como o painel vai avançar?
Sachs: O painel reúne mais de 200 cientistas de renome, de oito países amazônicos. Em um curto período estes pesquisadores estudaram a história, produziram um diagnóstico e uma visão abrangente da Amazônia. Agora o painel científico vai trabalhar com os governos da região buscando identificar os melhores caminhos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia incluindo o fim do desmatamento, a restauração de milhões de hectares de terras degradadas e a promoção da nova bioeconomia.
Valor: O desafio na Amazônia é dar valor à floresta e oportunidades para as pessoas que vivem na região. O senhor tem ideias concretas sobre o que fazer?
Sachs: O mais importante é que as pessoas na Amazônia têm muitas ideias excelentes. Na floresta existem muitos produtos de alto valor que poderiam gerar mais renda às comunidades e populações locais. Há muitas oportunidades para melhorar a saúde pública, a educação e a infraestrutura. Ainda, há múltiplas formas de promover os produtos da Amazônia para se obter maior valor nos mercados mundiais. Uma das coisas impressionantes que notamos nestes dias no Brasil foi o grau de envolvimento da sociedade civil, dos povos indígenas e dos cientistas, além dos funcionários públicos e de empresários.
Valor: A questão climática se espalhou transversalmente no governo Lula. Vários ministérios criaram departamentos e estruturas climáticas. Esta é uma boa forma do tema ganhar prioridade?
Sachs: A crise climática global continuará a se agravar nos próximos anos. Serão necessárias muito mais ações políticas, investimentos em energias verdes e financiamento climático. Acredito que o presidente Lula vai desempenhar um papel muito relevante na aceleração da ação climática. Ele é imensamente respeitado em todo o mundo e fará grande diferença.
Valor: Como o senhor acha que os EUA podem ajudar e melhorar a colaboração com o Brasil?
Sachs: Os EUA devem acabar com o boicote e as sanções contra a Venezuela, para que a América Latina possa se reunir em torno do objetivo comum do desenvolvimento sustentável. Os EUA deveriam bancar um financiamento muito maior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Também deveriam dar fim à “guerra contra as drogas” que militarizou grande parte da América Latina e mudar a abordagem da dependência química para um foco mais social.
Valor: Como vê o Brasil como uma potência ambiental e agrícola?
Sachs: O Brasil irá ocupar a presidência do G20 em 2024, e se possível, terá a presidência da conferência do clima, a COP30, em 2025, embora isso ainda não esteja definido. Mas nestas posições poderá ajudar a reformar a arquitetura global, incluindo finanças e política externa, em prol do desenvolvimento sustentável. O presidente Lula é também um grande pacificador, então acredito que o Brasil possa trabalhar com outros países para acabar com a guerra na Ucrânia através da diplomacia, e não da escalada militar. Estou particularmente feliz pelo fato de o Brasil ter se juntado à Índia e à Indonésia no comando do G20, pois isso pode ajudar a levar à paz e também à justiça social por meio de uma reforma da arquitetura financeira global.
Valor: O Brasil precisa agora mais do que nunca de recursos financeiros, após quatro anos de desmonte ambiental. Há dinheiro para ajudar na proteção da biodiversidade, da floresta e do clima?
Sachs: Sim, há muito dinheiro disponível para clima, biodiversidade e floresta, se as políticas no Brasil forem bem concebidas. Acredito que o Brasil alcançará uma classificação de crédito mais elevada sob o presidente Lula, e espero que isso possa acontecer em breve. Farei o meu melhor para explicar às agências de classificação de risco que o Brasil tem muitos pontos fortes como a economia verde, a energia sustentável, a produção de alimentos, a mineração e, claro, serviços, incluindo instituições científicas e universidades de reconhecimento mundial. Tudo isto dá ao Brasil fortes perspectivas de crescimento. Espero, também, que aconteça um aumento significativo do financiamento por parte de instituições internacionais como os bancos multilaterais de desenvolvimento, incluindo o Novo Banco de Desenvolvimento dos países do Brics.
Jeffrey Sachs é economista