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Neimara Coelho: Política Nacional do Luto Materno – reconhecimento legal e social

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As mulheres que passam pela experiência do luto materno ou perinatal, convivem com um sofrimento solitário e silenciado pela ausência do reconhecimento social que acaba por dificultar, ainda mais, a elaboração do doloroso processo de lidar com o fim abrupto das expectativas e sonhos de maternar que já estavam sendo vividas.

Essa dor que se instala a partir da notícia de alguma intercorrência fatal durante a gestação, alcança a epiderme em um nascimento silencioso, sem choro de bebê. Apesar de seu grande tamanho e impacto, essa dor que não se finda na perda da criança, muitas vezes é proibida de ser falada. O luto com seus rituais são etapas de cura do luto materno e tem sido uma pauta pouco discutida. Existe um componente de gênero e raça das políticas públicas de invisibilização das pautas, que tem emergido com a ocupação feminina na política.

Falar da política nacional do luto materno e parental instituída pela lei 15.139/2025 é em primeiro lugar reconhecer uma dor silenciada das famílias enlutadas. A nova legislação se aplica as mulheres e aos familiares, na perda de um bebê durante a gestação, no óbito fetal após a 20ª semana e no óbito neonatal nos primeiros 28 dias de vida e traz mudanças muito significativas para a família que se despede do filho, do neto, do sobrinho que aguardavam. Entre as principais mudanças estão a acomodação da parturiente ou puérpera em ala separada; só uma mãe que já foi questionada sobre “o que aconteceu?” repetidas vezes, em plena internação por outro paciente ou acompanhante curioso, pode compreender a fundo a importância do máximo de privacidade durante essa internação; o encaminhamento da puérpera e de todos os familiares diretamente envolvidos a acompanhamento Psicológico a ser prestado preferencialmente na residência da família e, entre estas mudanças, talvez a que tenha maior impacto em termos de humanização para quem vivencia a perda que é o registro do nome do bebê na certidão de óbito, documento este que até a vigência da nova lei federal, conferia a todos os recém-nascidos o mesmo nome, “Natimorto”.

O lugar de fala hoje na construção desse artigo, nos tocou especialmente e partiu do desejo de compartilhar um pouco da experiência pessoal com a política do luto materno. No dia 5 de agosto de 2025, perdemos a Manuela com 23 semanas de gestação. Nossa gestação em dupla maternidade, corria muito bem e foi interrompida por uma especificidade uterina muito comum e ainda carente de políticas gestacionais.

Na despedida da Manu, fomos atravessadas por uma dor aguda e temos tentado ressignificar diariamente esse luto, não poderíamos deixar de destacar o quanto foi importante o direito do registro de natimorto com o nome da criança. Ainda temos muito para avançar na consolidação da política nacional do luto materno e nas políticas gestacionais, mas é inegável a importância desse marco legal.

O reconhecimento legal e o atendimento humanizado que vão do direito ao registro da certidão de óbito com nome do natimorto, da licença-maternidade até apoio psicológico parental, que apenas em 2024, somam de acordo com dados preliminares do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais.

Esses avanços contribuem para a ressignificação da dor das mulheres enlutadas com o reconhecimento de direitos das pessoas que gestam, na perspectiva de compreender o luto materno, enquanto um problema de saúde pública que requer atenção. No entendimento de pessoas que gestam a legislação e os procolos ainda precisam se atentar as interseccionalidades dos casos onde haja dupla maternidade e o conceito de pessoas que gestam na abrangência dos direitos sexuais e reprodutivos para além das mulheres cisgênero.

Os números registram de 2020 a 2023 e indicam 172.257 óbitos fetais no país com preocupante atenção para região sudeste, que registrou cerca de 40.840 em números absolutos.

Apesar da redução na série histórica em 2023 em que foram registradas 20,2 mortes infantil e fetal por causas evitáveis e redução nesse mesmo ano da mortalidade materna, quando o presidente Lula amplia o direito a assistência psicológica no SUS, antes, durante e depois do parto como política de enfrentamento a essa mortalidade. O Brasil tem compromisso firmado com a agenda ONU 2030 nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), reduzindo para 30 mortes para cada 100 mil nascidos vivos.

Atualmente no Brasil ainda estamos falando de uma estimativa atual de 14,8 natimortos a cada 1.000 nascimentos esses dados são assustadores e apontam para urgência em avançarmos nas políticas públicas gestacionais, começando pelo reconhecimento social e legal do luto materno.

Neimara Coelho Lopes é Superintendente de Políticas Públicas Para as Mulheres Professora na Rede Pública.  Mãe do Luiz Felipe. Mãe em luto materno da Manu.

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