PORTAL UOL, 14/11/2022
Os economistas André Lara Resende e Pérsio Arida foram oficializados como integrantes da equipe de transição do governo Lula para formular, ao lado de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, as primeiras medidas econômicas de 2023.
Apesar de serem mais conhecidos como “pais do Plano Real”, a partir do plano “Larida”, o trabalho dos dois não parou em meados da década de 90. Do projeto que estagnou a hiperinflação para cá, ambos amadureceram suas visões econômicas e seus trabalhos e declarações mais recentes apontam em que direção a política econômica de Lula pode ir.
Em meio a muitas especulações, eles não confirmam se estariam elaborando um plano econômico que permita investimento em infraestrutura e social, como pretende Lula, com a criação de uma nova âncora fiscal em substituição ao teto de gastos. Ambos defendem investimentos sociais e a necessidade de qualquer proposta para o país ser acompanhada de reformas para melhorar a eficiência dos gastos públicos. Apesar de terem trabalhado de forma convergente na década de 90, suas visões sobre a política de juros e especialmente sobre a política fiscal se afastaram ao longo dos anos.
André Lara Resende escreveu sete livros desde 1995, sendo que no último, “Camisa de Força Ideológica”, de 2022, ele questiona a teoria macroeconômica dominante, neoclássica. Na política econômica brasileira, o economista é crítico da atual política de juros para conter a inflação e da lei do teto de gastos. Defende um maior endividamento quando se mostra necessário (como agora), desde que o recurso seja bem gasto, com controle e revisões de despesas, ponto considerado central. Sem querer reduzir, mas com o objetivo de simplificar, veja alguns pontos defendidos pelo economista:
- É crítico da teoria dominante que prevê aperto fiscal a qualquer custo e a redução do tamanho do Estado. Para ele, a macroeconomia neoclássica se tornou uma “camisa de força”, título do seu mais recente livro, que impossibilita a formulação de políticas para promover a retomada de investimento e a distribuição de renda.
- Considera uma incongruência dizer que o Estado está quebrado e não pode gastar com infraestrutura, Saúde e Educação (em função do teto outras possibilidades de financiamento do Estado. Para o economista, países que emitem a própria moeda não têm, sob algumas condições, restrições financeiras. Podem ampliar a base monetária sem criar surtos inflacionários, mas para isso precisam ter controle e disciplina para tornar o Estado mais eficiente.
- Discorda da política de juros implementada no país desde 1994. A Selic alta, para o economista, não contribuiu para segurar a inflação e ainda teve impacto na dívida pública e no baixo crescimento.
- Contesta que a dívida pública é um ônus a ser pago por gerações futuras. Para ele, sendo a dívida pública interna, os detentores são os agentes superavitários. O que importa é que esse dinheiro seja bem gasto, beneficiando bem-estar e produtividade de todos: serviços públicos, investimentos em infraestrutura, saúde, educação e segurança. Depois do efeito distributivo da dívida, haverá ônus fiscal apenas se a taxa de juros da dívida pública for superior à taxa de crescimento da economia. A relação dívida/PIB não pode subir indefinidamente, tem que ser controlada.
- O Estado pode ser empregador de última instância dos trabalhadores, da mesma forma que é credor de última instância durante crises (algo como uma porta de saída dos programas sociais, um Bolsa Famíliaassociado a capacitação e treinamento).
- Questões econômicas não podem ser analisadas fora dos contextos político e social. A exigência de que se equilibre o orçamento fiscal é uma restrição autoimposta que se justifica para evitar a tentação de gastos irresponsáveis, demagógicos e até mesmo corruptos, mas acaba sendo uma camisa de força que impede gastos plenamente justificáveis. Mas é importante definir quais gastos são justificáveis e como evitar os injustificáveis.
Pérsio Arida é um dos nomes preferidos pela Faria Lima dentro da equipe de transição e dos cotados para a equipe econômica de Lula. O principal motivo para isso é o fato do economista misturar perfil acadêmico (de formulador de políticas públicas, como o Plano Real), com a sua experiência em cargos do governo (ele sabe como funciona a máquina), e na iniciativa privada (entende a cabeça do empresário).
Na carreira acadêmica, Arida teve formação no Brasil e no exterior. Em Princeton, trabalhou com o economista Albert Hirschman, que disse para ele durante uma conversa: “É fácil perceber um modelo que está se esgotando. O bom analista observa os modelos que estão surgindo”. Ao lado de Resende, faz parte da escola da PUC-RJ, que ocupou postos chave de comando durante o governo FHC (Armínio Fraga, Pedro Malan, Edmar Bacha). Veja abaixo, algumas de suas visões:
- Aponta o baixo crescimento como o problema crônico da economia brasileira, em função do baixo dinamismo e pelo fato de ser uma economia fechada. O crescimento é insuficiente para aumentar a renda per capita e o Brasil perdeu a oportunidade de atrair capital pela falta de uma agenda ambiental nos últimos quatro anos.
- Vê poucos avanços na gestão de Paulo Guedes: apenas uma privatização do sistema elétrico, nenhum avanço na reforma administrativa, para tornar o Estado mais eficiente, na abertura comercial, na reforma tributária. Os únicos avanços foram os que já estavam em curso antes de Bolsonaro assumir: reforma da Previdência e independência do Banco Central.
- Defende a reforma tributária com simplificação de impostos, com a unificação dos impostos sobre o consumo (IVA reunindo PIS/Cofins, ICMS e ISS), para aumentar a produtividade. A proposta é semelhante aos textos de reforma tributária atualmente em discussão no Congresso, nas PECs 45 e 110. Pondera que são necessárias exceções, como da Zona Franca de Manaus.
- Cita a abertura da economia para o mercado internacional como um fator importante para aumentar a produtividade brasileira.
- Concorda com a antecipação da alta de juros para conter a inflação mundial feita pelo Banco Central do Brasil de 2021 até agora. Para o economista, sem essa alta o país estaria em situação pior. Daqui para frente, a manutenção da taxa no Brasil irá depender da nossa responsabilidade fiscal e da trajetória dos juros americanos, disse em evento recentemente.
- Não vê reversão na independência do Banco Central, o que considera um grande avanço, e elogia a atual gestão no aumento da competitividade do setor financeiro, estimulando o Open Banking e com a criação do PIX.
- É favorável ao programa de transferência de renda de R$ 600. Entende que é permanente, e não provisório, como sugere a discussão sobre a “licença para gastar”, mas pondera que é preciso melhorar a eficiência dos auxílios.
- Defende investimentos sociais para eliminar a pobreza absoluta no Brasil e investimentos em Educação para reduzir a desigualdade.
- Acredita que o uso de energia limpa pode atrair investimentos ao Brasil em um curto espaço de tempo.
- Sobre comércio exterior, é favorável ao acordo Mercosul/União Europeia, negociado há décadas mas ainda não assinado. Mas entende que após assinatura Brasil deve entrar na OCDE e renegociar os termos.
- Defende fases pré-anunciadas de um plano econômico como foi feito no Plano Real.
Mariana Londres é jornalista.