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Participação popular: lições do governo Marília Campos, por Viviane França

O que se verifica, no estudo da Democracia, é que seu conceito revela uma flexibilidade dinâmica, capaz de evoluir com os modelos adotados pelo Estado Plural. Já em 1948, o artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, previu a participação democrática na administração estatal, dispondo: “Artigo 21° 1.Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios, públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.” (DIDH, 1948).

No contexto atual, a participação da sociedade na gestão do Estado não apenas destaca as suas características democráticas, como pode se mostrar cada vez mais “eficaz”, seja para fiscalização da gestão na aplicação de recursos públicos e no desenvolvimento de projetos, seja para o atendimento das verdadeiras prioridades sociais, considerando as limitações do orçamento e a multiplicidade de demandas sociais. Ao observar as evoluções do Estado, do absolutista ao republicano, percebe-se que implicaram também no desenvolvimento da forma de administração e da relação do poder público com a sociedade.

Dalmo de Abreu Dallari apresenta três movimentos que vieram a consagrar os princípios que direcionariam o Estado Democrático, quais sejam, a Revolução Inglesa (1689), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) (DALLARI, 1998). Daí, então, pela influência histórica dessas revoluções e o avanço na consagração de direitos individuais e coletivos oriundos dos movimentos citados, Dallari (1998) indica que entre as três bases fundamentais do Estado Democrático, que se relacionam como síntese de todos os seus princípios motrizes, está a supremacia da vontade popular, que elucida a “participação do povo” na administração estatal.

Conceitualmente podem-se classificar duas modalidades de participação popular adotadas no Brasil: a Democracia Representativa (indireta), identificada através do voto e da eleição de representantes eleitos pelo povo. E a Democracia Participativa (direta ou semidireta), quando a população participa dos atos de administração do Estado. O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular são os exemplos mais comuns de participação popular direta enumerados no texto constitucional vigente, mas, não únicos.

Contagem vem sendo pioneira em bons exemplos de participação popular, particularmente nas gestões da Prefeita Marília Campos. No contexto atual, ousaria dizer que o que está em desenvolvimento em Contagem, no que se refere à relação do poder público com a população indica que o governo Marília dará grande contribuição para uma verdadeira reinvenção da participação popular no Brasil, no que se refere aos conceitos, métodos e práticas inovadoras. Governar com as pessoas é uma marca dos governos de Marília. Em 2011, quando ela exercia seu segundo mandato como prefeita de Contagem, foi criado o Orçamento Participativo (Lei n. 4.495). O Orçamento Participativo permitia ao povo contagense participar diretamente da aplicação dos recursos da cidade. A participação deveria ocorrer por meio das regionais do município e ser organizada pela Secretaria do Planejamento. Nesse cenário a participação popular se restringia à eleição de obras a serem realizadas pela Prefeitura de Contagem.

Nos dois primeiros governos de Marília era um contexto diferente. O Brasil vivia um uma experiência de democratização capitaneadas pelo Governo Federal com a realização das conferências de políticas públicas, instituição de conselhos… O contexto agora é outro. Em entrevista concedida em julho de 2017, o professor da UFMG e cientista político Juarez Guimarães diagnosticou um fenômeno contra a revolução neoliberal, que consiste que “os valores fundamentais da paz, da liberdade, dos direitos humanos, do pluralismo e da tolerância estão em questão”, destacou Juarez, concluindo se tratar de uma crise civilizacional (GUIMARÃES, 2017). E olhe que a previsão um tanto quanto negativa do professor não considerava, e nem poderia fazê-lo, as consequências da tragédia humana que foi (ou ainda continua a ser) a pandemia da COVID-19. A pandemia impôs mudanças profundas nos processos de sociabilidade, reduzindo, em todo o mundo, os espaços públicos e privados coletivos. Por outro lado, acelerou formas virtuais de socialização e de participação política. Eleita, novamente prefeita, em 2020, Marília voltou ainda mais inovadora com os métodos de diálogo aberto com a cidade na sua gestão.

A epidemia COVID-19, que impactou no isolamento social da cidade logo quando Marília assumiu a gestão, não foi empecilho para as estratégias de diálogo com o povo. Iniciou-se pelas audiências públicas virtuais, onde a prefeitura decidiu junto com as 3 representações da Cidade quais seriam as medidas de restrição para proteger a população e preservar a economia local.

Em pouco mais de um ano de governo, Contagem apresenta 29 conselhos ativos, a criação pioneira de 8 Conselhos Regionais, na Defesa Civil a reestruturação dos NUPDEC´s (Núcleos de Proteção e Defesa Civil, que são núcleos comunitários que contribuem de forma voluntária para a Defesa Civil, com alertas e prevenção de desastres).

Não obstante, em maio do respectivo ano (21/05/22) a Prefeitura de Contagem foi palco de um importante debate. O Seminário Internacional Governo Aberto e Participação Popular, realizado pela Prefeitura, através da Secretaria de Governo, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. A Tenda do Encontro recebeu, de forma presencial e\ou virtual, intelectuais, gestores públicos, políticos e consultores do Brasil e do exterior para discutir e compartilhar experiências de participação popular na gestão pública. Foi apresentado o Sistema Municipal de Participação Popular Cidadã e lançada a Plataforma Digital de Participação Popular da Prefeitura: Decide Contagem. A plataforma Decide Contagem, surge como um dos principais instrumentos da gestão Marília Campos de fomento a participação popular que agora ganha sistematização e ampliação de acessos na cidade.

O Seminário colocou em pauta dois temas muito relevantes organizados em duas mesas: a primeira com o tema Governo Aberto; a segunda com o tema Democracia Participativa em Perspectiva. E ainda contou com a Palestra Magna proferida pelo sociólogo português, Boaventura Souza Santos, mundialmente reconhecido por suas teses sobre as epistemologias do sul, dentre tantas outros.

O seminário foi um momento importante de reflexões sobre os processos participativos no Brasil e no mundo. Colocou em pauta a necessidade de utilizar todo o potencial que as tecnologias digitais colocam a disposição. Potencial este que tem sido inclusive utilizado para atacar a democracia em vários países do mundo, incluindo o Brasil, mas que deve, ao contrário, ser utilizado para ampliar a democracia, a participação e a transparência dos governos.

O professor do DCP UFMG, Leonardo Avritzer, último palestrante do evento, ressaltou, de um lado, que os processos participativos no Brasil passam por uma verdadeira crise. Por outro lado, Avritzer, que acompanha os processos participativos em Contagem desde o primeiro governo de Marília, afirmou que está em curso, na cidade de Contagem, a construção de um processo de participação popular que poderá ser referência para o Brasil. Segundo o professor, a criação dos Conselhos Regionais, uma proposta de territorializar a participação social, com o poder público discutindo e buscando soluções para os problemas concretos de cada território pode ser a inauguração de um novo impulso à democracia participativa no Brasil.

A participação popular concebida não como espaços para a transmissão e a comunicação das ações de governo, mas, antes de tudo, a criação de múltiplos espaços onde as contradições e as diferenças se encontram, em diálogo. E o governo, nesta direção, se coloca para a escuta dos problemas e para a construção de soluções. Ou seja: a participação popular no governo Marília vem constituindo-se como algo que deve ampliar a cidadania e elevar o nível de consciência e de organização da sociedade contagense.

Marília costuma dizer que é leitora do filósofo italiano Antônio Gramsci e que, por conta dessa influência, atua pela construção de consensos. O lançamento do Sistema Municipal de Participação Popular e Cidadã, aliada ao olhar que Marília tem para os espaços públicos, que tem se tornado lugares de encontro, da arte e da cultura, da construção da nossa identidade são fundamentais para, respeitando a diversidade e as diferenças, construir os consensos possíveis e as “vontades coletivas” necessárias para fazer de Contagem uma cidade mais desenvolvida, democrática, republicana e humana.

É possível constatar que, de fato, Contagem, com Marília, está reinventando as formas de participação popular no Brasil.

Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
CLARK, Giovani. O Município em face do direito econômico. Belo Horizonte: Dey Rey, 2001. 266p. CLARK, Giovani; SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico e a ação estatal na pós modernidade. São Paulo: LTR. 2011. 125p.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 20 ed. São Paulo: Saraiva. 1998. 307p.
DIDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem. Resolução 217 A. 1948. Nações Unidas Disponível em https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm, acesso em 10/10/2017.
FRANÇA, Viviane Souza. Democracia participativa e planejamento estatal: o exemplo do plano plurianual do Município de Contagem / Viviane Souza França. Belo Horizonte, 2018 (Dissertação).
GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere – volume 3. Maquiavel: Notas s Sobre o Estado e a Política. 4º ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
GUIMARÃES, Juarez. “Não há nada mais desmobilizador hoje do que 2018. Entre nós e 2018 há um abismo”. Disponível em ‘Não há nada mais desmobilizador hoje do que 2018. Entre nós e 2018 há um abismo’ – Sul 21

Viviane Souza França é advogada, mestre em Direito Público pela PUC/MG e especialista em Ciências Penais. Atua como Secretária de Defesa Social em Contagem.

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