A arte sempre esteve atrelada ao poder. Durante a Idade Média, era privilégio do clero e da nobreza, acessível apenas a uma minoria alfabetizada. Os muros dos castelos e as catedrais eram os espaços onde se desenhava a cultura dominante. Mas, com o crescimento das cidades e o fortalecimento da burguesia, a arte começou a se libertar das mãos exclusivas da igreja. Foi uma revolução silenciosa que tirou o saber dos mosteiros e o colocou nas ruas, um movimento que se repete ao longo da história.
Hoje, em Contagem, a arte de rua conquista um espaço antes negado, recebendo apoio da Secretaria de Cultura nos fomentos e ações. Mas isso incomoda. Incomoda porque a arte de rua sempre desafiou hierarquias. Ela não precisa de galerias, convites ou ingressos. Ela acontece onde o povo está: nos muros descascados, nas praças, sob os viadutos. E, por isso mesmo, enfrenta resistência. Há quem ainda a veja como algo menor, como um ato de rebeldia sem valor, quando na verdade é uma expressão legítima da cidade e de suas múltiplas vozes.
Ao longo dos séculos, a arte foi utilizada como ferramenta de controle, mas também de subversão. O grafite que surgiu nas paredes de São Paulo nos anos 70, em plena ditadura militar, era mais do que simples ilustração, era um grito contra a censura e a opressão. Assim como os trovadores medievais que espalhavam histórias pelas praças, os artistas de rua de hoje levam mensagens de resistência e reflexão para quem passa. Não pedem permissão, não cobram entrada. Apenas ocupam o espaço que é de todos. Mas, se a arte de rua sempre esteve presente, por que ainda há quem se incomode com seu reconhecimento? A resposta talvez esteja no mesmo medo que impulsionou a exclusividade da arte nos tempos medievais: o medo de perder o controle sobre a narrativa. Apoiar a arte de rua significa aceitar que a cultura não é monopólio de poucos, que as periferias e os guetos também têm voz e talento. E isso mexe com estruturas há muito estabelecidas.
O medo da arte de rua não é apenas uma questão estética, mas também política e social. Quando um mural é pintado em uma avenida movimentada ou um grupo de artistas ocupa uma praça para uma apresentação espontânea, isso desafia a ideia de que a cidade pertence apenas a determinados grupos. O espaço público, tantas vezes monopolizado por interesses privados ou pela lógica da vigilância e repressão, torna-se cenário de expressão popular.
A arte de rua não precisa de tempo, espaço, movimento cultural nem de reconhecimento para acontecer. Ela brota das necessidades sociais, dos silêncios impostos e da vontade de comunicar. Não à toa, suas raízes remontam à Antiguidade, quando gregos e romanos transmitiam mensagens pelas ruas de suas cidades e promoviam apresentações de teatro ao ar livre. No Brasil, sua força se fez notar em períodos de crise, e sua marginalização muitas vezes foi reflexo das desigualdades sociais e raciais que permeiam a história do país.
Ainda que a produção do artista de rua não seja reconhecida por muitos, é necessário destacar sua importância para a sociedade. Essa arte não apenas embeleza e ressignifica os espaços urbanos, mas também abre caminhos para reflexões, denúncias e novos diálogos. O que antes era considerado vandalismo hoje começa a ser entendido como patrimônio cultural, mas essa transição não é pacífica. Muitas proibições e regulamentações ainda tentam conter o avanço da arte urbana, ignorando que a rua, por essência, pertence a quem nela vive e circula.
Vale lembrar que muitos problemas são enfrentados pelos artistas de rua, como a criminalização de suas práticas e a falta de apoio institucional. Ademais, a própria linguagem desses artistas, que se manifesta não apenas nas obras, mas também na forma de verbalizar, na escrita de seus projetos, no seu modo de vestir e até mesmo em suas atitudes, é frequentemente incompreendida e alvo de preconceito. Essa barreira comunicacional e de expressão cultural dificulta ainda mais o acesso a oportunidades e o reconhecimento de seu trabalho. Entretanto, iniciativas como as leis que garantem a livre manifestação artística em espaços públicos mostram que há avanços. A própria Constituição Brasileira assegura a liberdade de expressão e a inviolabilidade dos direitos culturais, o que fortalece a luta por uma cidade mais aberta à arte e à diversidade. Felizmente, a Secretaria de Cultura conseguiu detectar a dificuldade de alguns agentes culturais na escrita de seus projetos e passou a realizar uma análise mais humanizada, sensível e inclusiva, reconhecendo o valor intrínseco de suas expressões para além das normas formais.
Nos últimos anos, Contagem tem experimentado uma transformação. A presença da arte de rua cresce e ganha reconhecimento. Projetos independentes, coletivos culturais e ações públicas fortalecem esse movimento. Ainda assim, os desafios são muitos. O preconceito persiste e a criminalização da arte de rua é uma realidade em muitos lugares. Mas a história mostra que nenhuma tentativa de silenciamento é definitiva. A arte sempre encontra um jeito de sobreviver.
A Secretaria de Cultura de Contagem tem enfrentado o desafio de dar visibilidade à arte de rua e garantir que ela seja reconhecida como parte essencial da identidade cultural da cidade. Não há esforços medidos para institucionalizar essa forma de expressão e oferecer suporte aos artistas. Ações como a criação de editais específicos, a ocupação de espaços públicos e o reconhecimento desses artistas têm sido passos fundamentais para que essa cena artística ganhe cada vez mais força e respeito.
A arte de rua em Contagem é mais do que uma expressão cultural, é um grito de resistência, um manifesto vivo que colore muros, preenche praças e ecoa nos encontros de artistas e comunidades. Cada grafite, cada rima improvisada, cada batida que pulsa nos becos da cidade carrega a história de um povo que transforma desafios em arte e reivindica seu espaço com criatividade e coragem. Enquanto houver talento nas ruas e vontade de mudar o mundo, Contagem continuará sendo palco de uma cultura vibrante, autêntica e revolucionária e poderá contar com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura. Mas afinal, quem tem medo da arte de rua?
Poli Dias é presidente de honra da Associação pela Música de Contagem e pós-graduada em Gestão Pública.
Ramon Santos é graduado em filosofia e teologia e secretário de Cultura de Contagem.