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Poli Dias e Ramon Santos: Show de Alcione em Contagem, celebração popular e valorização cultural

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“É o juízo final, a história do bem e do mal.”

Nessa semana surgiu uma postagem que parecia ter saído diretamente de uma distopia onde a arte é crime e a alegria, ofensa. Provavelmente uma postagem feita por quem já está com o ingresso do Festival Sensacional no bolso.

A publicação dizia: “Contagem gasta 250 mil com contratação de show de Alcione”. E lá estavam os indignados de sempre, os especialistas de ocasião, os comentaristas de rede que nunca colocaram o pé em uma oficina cultural, mas têm doutorado em deslegitimar o que não entendem, ou não desejam o entendimento.

Indo aos fatos: o show da Alcione, realizado na escadaria da Igreja São Gonçalo, reuniu mais de 20 mil pessoas. Se fôssemos considerar o valor investido dividido pelo público presente, o ingresso simbólico sairia por apenas R$ 12,50 por pessoa. Um valor acessível para assistir ao espetáculo de uma das maiores artistas vivas da música brasileira.

Um investimento que promove acesso democrático à arte de qualidade e leva beleza para o centro da cidade e suas periferias. E mais: o evento contou com abertura de Juão Jubá, artista local, recebido com um beijo carinhoso da Marrom, uma cena que representa muito mais do que afeto: é o reconhecimento, a valorização da arte contagense. Os shows em Contagem têm promovido, de forma cada vez mais intencional, o fortalecimento dos nossos artistas locais, e isso precisa ser levado em conta.

Alcione foi convidada para cantar para o povo contagense numa homenagem às mães, em um show aberto, popular, onde o rico e o pobre dividem o mesmo chão, o mesmo refrão. E o que se viu? Reações de quem acha que cultura é penduricalho, supérfluo, desperdício. Como se um show assim fosse capricho e não o respiro de que tanta gente precisa para se sentir viva.

A crítica não é nova. Sempre que um real público é investido em cultura, acendem as tochas e empunham os teclados: “E os hospitais?”, “E as escolas?”. Como se uma coisa anulasse a outra. Como se cultura não fosse também saúde, educação, economia. Como se a arte não fosse dignidade.

É fundamental compreender que os recursos destinados à cultura são específicos e vinculados por lei. Eles não podem ser simplesmente redirecionados para outras áreas, como saúde ou educação. Essa separação existe para garantir que todos os direitos previstos na Constituição sejam respeitados. Cultura é direito!

A Constituição Federal de 1988 reconhece a cultura como direito de todos e dever do Estado (art. 215), determinando que políticas públicas sejam criadas para a promoção, valorização e acesso à cultura. Com base nisso, existem fundos e orçamentos específicos, como o Fundo Municipal de Cultura, Lei Paulo Gustavo ou a Lei Aldir Blanc, que têm finalidade exclusiva de fomentar atividades culturais. Usar esses recursos para outro fim seria, inclusive, ilegal.

Para além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o uso de recursos vinculados para finalidades distintas daquelas para as quais foram destinados. É como se o orçamento público fosse dividido em “caixinhas” determinadas por lei, e a “caixinha” da cultura não pode ser usada na saúde, na educação ou em qualquer outra área da mesma forma que recursos da saúde não podem ser usados para fazer shows.

A Organização Mundial da Saúde já afirmou: investir em cultura melhora a saúde mental da população. Em tempos de ansiedade crônica, luto coletivo e desesperança, um show, uma peça, uma roda de samba pode ser a diferença entre suportar a semana ou se afundar nela. A arte cura onde o remédio não alcança. E não é metáfora.

A cultura gera emprego. Muita gente trabalha para que uma apresentação aconteça: produtor, técnico de som, carregador, segurança, ambulante. Para cada artista no palco, há dezenas de trabalhadores por trás. No Brasil, a economia da cultura e indústrias criativas contribui com 3,11% do PIB, segundo o IBGE. Isso é economia, não brincadeira. E ainda tem o valor simbólico. Quando uma mulher preta como Alcione canta para o povo na rua, não é apenas um show: é afirmação, é memória, é resistência. É dizer que o povo merece o melhor, não o resto. É colocar a beleza no centro da cidade e dizer: “isso aqui também é seu”. É empoderar o sentimento de pertencimento na população.

Os que criticam o investimento em cultura costumam ser os mesmos que aplaudem shows milionários em camarotes exclusivos, pagos com isenção fiscal. Os mesmos que não se incomodam com verbas públicas indo parar em “orçamentos secretos”, mas se escandalizam quando o povo dança no asfalto.

O show de Alcione, gratuito, no coração da cidade, é uma resposta a esse pensamento pequeno e elitista. É uma demonstração de que o poder público pode, sim, promover encontros, emoção, pertencimento. Que pode e deve levar arte onde a lógica do mercado não chega porque cultura não é mercadoria, é bem viver.

Que venham mais shows como esse. Que a praça se encha, que a fé se cante, que o povo celebre. Porque a cultura não é luxo, é direito! E quem ainda não entendeu isso, talvez precise mais de um poema do que de um sermão.

“O sol há de brilhar mais uma vez, a luz há de chegar aos corações.”

Poli Dias é presidente de honra da Associação pela Música de Contagem e pós-graduada em Gestão Pública.

Ramon Santos é graduado em filosofia e teologia e secretário de Cultura de Contagem.

Referências Bibliográficas:

ONU NEWS. Estudo da OMS mostra que a arte pode fazer bem à saúde. [S. l.], 11 nov. 2019. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/11/1694131.

MINISTÉRIO DA CULTURA. Estudo mostra que PIB da economia da cultura e das indústrias criativas supera o da indústria automobilística. Gov.br, 13 abr. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/noticias/estudo-mostra-que-pib-da-cultura-supera-o-da-industria-automobilistica.

BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. Cotia: Atelié Editorial, 2007

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