Com qual idade você se deu conta de que a sua vida está se reduzindo ao intervalo entre jornadas de trabalho? A cultura da produtividade incessante imposta pelo capitalismo transformou o cansaço em virtude e a exaustão em medalha de honra. Vivemos para produzir e, quando sobra algum tempo, tentamos sobreviver sem perceber que já fomos tragados pela lógica do esgotamento.
Essa cultura do desempenho ininterrupto não é natural, nem inevitável. É fruto de uma organização social que colocou o lucro no centro e relegou a vida à periferia. E, vale dizer, no epicentro dessa engrenagem de exploração estão, historicamente, as mulheres.
A escala 6×1 — seis dias de trabalho para apenas um de descanso — tem tornado a vida das trabalhadoras e dos trabalhadores insustentável. Para mulheres periféricas, especialmente as negras e mães solo, a jornada nunca termina. Trabalham fora, trabalham dentro, trabalham em um limbo invisível. A elas, o domingo não é descanso: é faxina, cuidado, preparação para mais uma semana de luta. Vale sempre lembrar que elas recebem salários, em geral, 20,7% menores que os homens, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.
Quando discutimos a redução da jornada, portanto, não estamos apenas falando de melhorar índices de produtividade ou promover o bem-estar, estamos falando de justiça social elementar. De resgatar o tempo roubado. De reconhecer que a sobrecarga das mulheres é uma das mais perversas expressões da desigualdade e do patriarcado.
Morrer de trabalhar
Estudos têm mostrado que longas jornadas de trabalho têm efeitos diretos e indiretos na saúde dos trabalhadores. O estresse associado a essas jornadas mantém o corpo em um estado constante de tensão, levando ao aumento dos níveis de cortisol, o que afeta os níveis de açúcar no sangue e altera o sistema imunológico. Com o tempo, esse estresse crônico pode levar a vários problemas de saúde, como pressão alta, dores de cabeça, ansiedade, depressão, problemas digestivos, doenças cardíacas, ataque cardíaco, derrame ou distúrbios do sono, além de doenças emocionais. Só em 2024, foram registrados 472 mil afastamentos por transtornos mentais no trabalho, maior número da década, representando um aumento de 68% em relação ao ano anterior (Ministério da Previdência Social).
Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) comprovou que uma carga horária semanal superior a 55 horas está associada com o risco 35% maior de AVC e até 17% dos casos de morte por doenças cardíacas em comparação aos que cumprem 40 horas semanais.
Redução da jornada salva vidas
A redução da jornada de trabalho tem mostrado benefícios significativos. Uma pesquisa realizada na Inglaterra com 61 empresas de diversos setores revelou que, além de fazer sucesso entre patrões e funcionários, a redução da jornada de trabalho não diminuiu a produtividade. Além disso, 92% das empresas participantes decidiram manter esse novo modelo após o término do estudo.
No Brasil, uma pesquisa realizada em 2024 pelo Instituto DataSenado mostrou que para 54% dos brasileiros, uma carga horária menor iria melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, principalmente por afetar positivamente a saúde mental das pessoas. Por aqui, experiências exitosas já confirmaram que a medida é necessária e bem-vinda.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Boston College, confirma aquilo que a classe trabalhadora já sente na pele: trabalhar menos é viver melhor. Após três meses de testes com 21 empresas que adotaram a redução da jornada, 61,5% das companhias relataram avanços na execução de projetos e 58,5% perceberam mais criatividade nas atividades desenvolvidas. Mas o impacto mais transformador foi na vida das pessoas: 58% dos trabalhadores conseguiram equilibrar melhor trabalho e vida pessoal, 78% passaram a ter mais disposição para o lazer, 50% relataram melhora no sono e mais de 62% reduziram os níveis de estresse, enquanto 64,9% não se sentem desgastados no final do dia. Outros 56,5% se disseram bem menos frustrados. Os dados reforçam que a luta por jornadas mais humanas não é utopia, é uma urgência que toca a saúde, a dignidade e o direito ao tempo livre. Mas, claro, preservando os salários.
Todavia, a dimensão desse debate é ainda maior: toca também a sobrevivência do planeta.
Experiências internacionais mostram que reduzir a jornada de trabalho tem impactos ambientais imediatos. A Microsoft Japão, por exemplo, ao adotar a semana de quatro dias, teve um aumento comprovado de 40% na produtividade, ao mesmo tempo, o consumo de energia caiu 23%. Na Nova Zelândia, menos dias de trabalho significaram menos congestionamento, menos emissões de carbono e mais tempo livre. Tempo que foi usado para práticas sustentáveis, como agricultura urbana e mobilidade ativa.
Em Contagem, a luta já começou
Em Contagem, a vereadora Adriana Souza compreende a urgência desse debate, por isso, convocou uma Audiência Pública no próximo 7 de maio, na Câmara Municipal, para pensar alternativas concretas à escala 6×1. Um gesto que rompe o silêncio institucional sobre a exaustão cotidiana de milhares de trabalhadoras e trabalhadores e que vai reforçar a vocação da nossa cidade para a luta da classe trabalhadora.
Precisamos recuperar a ideia de que o tempo humano é sagrado. Que ninguém deveria sacrificar saúde mental, relações afetivas e existência plena em nome de metas inatingíveis e da sanha neoliberal. Que a vida é o centro, e não o apêndice, da organização social.
Reduzir a jornada de trabalho é, antes de tudo, um gesto de reencontro com a nossa própria humanidade. É dizer que a vida não pode ser adiada indefinidamente. Que o descanso não é luxo, mas condição de liberdade. Que cuidar do planeta começa por cuidar dos corpos que o habitam.
E que viver de verdade é um direito que não podemos mais terceirizar e jogar para o futuro. Até porque, sinto contradizer Renato Russo, mas não temos mais todo o tempo do mundo.
Rômulo Fegalli é jornalista pós-graduado em Comunicação Pública e Governamental