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Rômulo Fegalli: Corporativismo misógino x a força (e coerência) da mãe

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A violência política de gênero segue ganhando novas roupagens em Contagem. Mais sofisticada, mais sutil, e, por isso mesmo, mais perigosa. Na última sessão plenária da Câmara Municipal, a vereadora Adriana Souza foi alvo de um episódio emblemático desse tipo de expediente. Ao anunciar com serenidade e firmeza sua renúncia ao cargo de vice-líder do governo, Adriana comunicou uma decisão madura e estratégica e acabou expondo o preço que uma mulher paga por sustentar princípios em um espaço que ainda opera sob pactos silenciosos de conivência, autoritarismo institucional e machismo estrutural.

Tudo começou quando Adriana se posicionou publicamente contra o reajuste salarial dos vereadores – a única, diga-se de passagem. Em qualquer democracia saudável, espera-se respeito por tal postura. Afinal, trata-se de uma crítica legítima, fundamentada em valores republicanos e comprometida com a justiça social e o combate aos privilégios da classe política, além de um direito genuíno dela. No entanto, a resposta foi inversa. Nos bastidores, vieram as pressões, as ameaças de retaliação a projetos do Executivo com o objetivo de criar desconforto e inviabilizar as relações institucionais entre Adriana e a prefeita. E, no plenário, o que deveria ser um espaço de debate se transformou em tribunal inquisitório. Todos homens, quase todos em tom agressivo (ou passivo-agressivo), lançando insinuações, tentando constranger, desmoralizar, confundir, levantar suspeitas, deslegitimar. Confesso que achei um tanto quanto problemática, mas sintomática, cada reação que revelou facetas que muitos tentam disfarçar no dia-a-dia.

A pergunta que ficou na minha cabeça foi: a abordagem e as reações seriam diferentes se um homem tomasse essa mesma medida? A resposta, embora incômoda, é evidente. Quando uma mulher negra, oriunda da periferia, com trajetória combativa nos movimentos populares e de autonomia política clara, decide não se calar, o sistema reage. Porque essa mulher não se encaixa no papel passivo que ainda se espera de muitas parlamentares. Ela não pede licença para existir, fala por si, sustenta sua coerência e rompe com o corporativismo dominado por homens. E isso é intolerável para estruturas acostumadas a manter o poder entre pares semelhantes.

A violência política de gênero está na imposição do silêncio, nas exigências desproporcionais, nos olhares que deslegitimam, no tom elevado reservado a mulheres, nas tentativas de enquadramento. Está também na surpresa estranha diante de uma mulher que se recusa a cumprir o script da omissão. Curioso, para mim, é que em um contexto no qual políticos fazem todos os malabarismos para sustentar a imagem que projetam de si mesmo diante de seus eleitores, um grupo se irrite tanto com uma medida elementar que pretendeu esclarecer a dúvida pertinente do povo que lhe confiou o voto. No entendimento egocêntrico de alguns, a vereadora deveria comprometer sua credibilidade para preservar a de outros que optaram por assegurar privilégios? Me parece loucura exigir condescendência com uma postura questionável como essa (aumentar o próprio salário). O que me faz crer que todo esse conforto em tentar colocar mordaça em alguém sob o risco do boicote só existe por se tratar de uma mulher. Não imagino e desconheço que uma empreitada semelhante tenha acontecido com um homem por essas bandas.

Vale ressaltar: a renúncia de Adriana não representou distanciamento do governo. Ao contrário. Foi um gesto de lealdade à prefeita Marília Campos e um antídoto para ajudar, no que lhe cabia, a preservar a sua governabilidade. O alinhamento que ambas constroem é amparado no diálogo, na escuta e no compromisso com o povo. A decisão foi preventiva, não reativa. Coerente, não impulsiva. Responsável, não desleal. Sobretudo, coerente com sua jornada, marcada por decisões corajosas e desafios vencidos que lhe colocaram no lugar onde está. Não por acaso o mote de sua campanha eleitoral histórica e bem sucedida foi: “a força da mãe da política”.

Enquanto esses passarão, Adriana passarinho. Com firmeza, escuta ativa, independência e fidelidade às pessoas que a elegeram, a revelação da política contagense segue sua trajetória de luta. Não por vaidade ou disputa de espaço, mas, por um projeto de cidade no qual o povo vem antes dos privilégios. Contagem está de olho. E a história saberá distinguir os atores de cada lado dessa história.

Rômulo Fegalli é jornalista pós-graduado em Comunicação Pública e Governamental

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