Vivemos em tempos de intolerância étnica, social, cultural e religiosa. Aqui no Brasil as religiões de matriz africana são as que mais sofrem ataques dos intolerantes. Em Contagem, a prefeita Marília Campos governa para garantir que todos os credos sejam valorizados e que cada grupo possa expressar livremente sua fé. É sabido por todos nós que sem o respeito e a tolerância é impossível uma convivência harmoniosa e saudável. O teólogo Leonardo Boff, em seu livro “Virtudes para um outro mundo possível ,volume II” trabalha o conceito de convivência, não como uma definição fechada, mas como uma visão que significa o resultado final de todos os processos de aproximação e de conhecimento do outro e do diferente. Este processo supõe várias etapas. Uma delas é a compreensão. Para compreender é preciso conhecer e acolher as diferenças, conviver com elas e não apesar delas.
O campo religioso deveria ser o lugar da revitalização das diferenças, o lugar da convivência pacífica. Porém, o que presenciamos são cenas de violência contínuas. Por um lado, assistimos estarrecidos, no oriente médio, o derramamento de sangue em nome de “Deus”, por outro lado, aqui no Brasil, a guerra é psicológica. Assistimos não menos estarrecidos aos gritos ensurdecedores das várias tendências do cristianismo, querendo impor sua concepção de Deus, sem respeitar as diferenças. O cristianismo é uma religião com várias matizes, a base é praticamente a mesma.
Após a reforma protestante ocorrida em 1517, os grupos cristãos aumentaram. Por uma questão de convivência, no século XIX, começou a história do movimento ecumênico em terra protestante. Uma data fundamental nessa área é 1910. Em Edimburgo, reuniram representantes das diversas correntes missionárias protestantes, onde aconteceu o primeiro encontro ecumênico registrado na história. Mais tarde, em 1963, a partir do concílio Vaticano II, a Igreja Católica Romana abre as portas para a busca da unidade. Portanto, entendemos que o ecumenismo acontece entre os cristãos. De origem grega, a palavra remete à “terra habitada”. Chamamos de diálogo inter-religioso ou macro-ecumenismo o processo de entendimento mútuo onde estão envolvidas outras religiões.
A atual conjuntura nos aponta uma crise de paradigmas. Destacamos a globalização que privilegia as grandes potências em detrimento de uma massa de miseráveis. As religiões tornam-se uma arma poderosa, são elas que dão sustentação a construção da identidade de um povo, é a religião que suscita a esperança. Temos, então, vários elementos para alimentar o fundamentalismo presente nas três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo, islamismo), que pode vir a ser um elemento complicador para a construção da paz mundial. A história humana é permeada de crises, mas para os crentes o divino interfere na humanidade, resgatando o que há mais belo no ser humano, a sua capacidade de dialogar com o diferente.
No século XIII, temos a figura de Francisco de Assis, um exemplo de cristão, que durante as cruzadas foi até o Sultão, Malek al-Kamel, para pedir permissão para conviver com os muçulmanos. Sete séculos depois, a história nos apresenta outro cristão, Martin Luther King, que liderou diversos movimentos contra a segregação racial nos Estados unidos. Em 1959, esteve na Índia para conversar com os partidários de Mahatma Gandhi, sobre os métodos pacíficos da não violência. Foi um grande estudioso das ideias pacifistas do hindu. Podemos fazer destes dois cristãos, um católico e outro protestante, exemplos de profunda humildade e abertura para aprender com o diferente.
Nós temos pela frente uma longa caminhada para concretizar a convivência religiosa, o primeiro passo é aceitar que os outros têm o direito de ser, crer e pensar diferente de nós. Marília é uma liderança pacifista, sabe dialogar e conviver com as diferenças, abraça a pluralidade e constrói em cada gesto caminhos para uma cultura de paz.
Rosane Aparecida de Souza é graduada em História, especialista em História do Brasil e Mestra em Ciências da Religião.