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Sergio Lamucci: Poder de compra do salário mínimo cresce comparado à cesta básica

Com recuo do preços dos alimentos e aumento do valor do piso salarial, capacidade de consumo dos mais pobres melhora

VALOR ECONÕMICO, 24/08/2023

O poder de compra do salário mínimo medido em relação ao valor da cesta básica tem aumentado com mais força nos últimos meses. Em julho, o piso salarial comprava uma cesta básica e sobravam R$ 107,18, um quadro diferente do registrado na segunda metade de 2022. Em julho do ano passado, o mínimo era insuficiente para pagar todos os itens do conjunto de itens básicos, faltando R$ 54,91, como destaca o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. Com a queda dos preços de alimentos e o aumento do mínimo, houve uma melhora da capacidade de consumo dos mais pobres.

“A cesta de julho ficou R$ 54,11 mais barata que um ano atrás [o equivalente a queda de 4,27%] para um salário mínimo R$ 108 maior [8,91% a mais]”, resume Montero. Em julho do ano passado, a cesta básica divulgada pela Fundação Procon-SP, que reúne itens de alimentação, limpeza e higiene pessoal, atingiu R$ 1.267, o nível mais alto desde setembro de 2019, quando foi reconfigurada. O levantamento é feito em convênio com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No mês passado, quando caiu 1,96% em relação a junho, a cesta custava R$ 1.212,82. O salário mínimo, por sua vez, passou de R$ 1.212 em julho do ano passado para os atuais R$ 1.320, valor vigente desde maio – de janeiro a abril, o piso ficou em R$ 1.302.

Segundo Montero, o movimento começa a reverter um período de três anos, entre a pandemia e o fim do governo de Jair Bolsonaro, em que houve uma queda quase contínua do poder de compra do mínimo, medido em relação ao conjunto de itens básicos.

Montero chama a atenção para o fato de que o barateamento da cesta básica se deu todo em itens de alimentação. A queda do valor total da cesta em relação a julho de 2022, de R$ 54,11, resulta da combinação de recuo de R$ 73,82 em alimentos e de alta de R$ 7,45 em higiene pessoal e de R$ 12,26 em limpeza. Ele destaca o impacto favorável da agropecuária, num cenário de alta forte da safra de grãos e disparada das exportações, com um câmbio abaixo de R$ 5.

“Chove comida, chove renda, chove câmbio, chove desinflação, chove produto”, resume ele, para quem “o movimento ainda tem carga deflacionária no atacado a desaguar no varejo”. No Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), as cotações dos produtos agropecuários ao produtor recuam 16,03% nos 12 meses até julho. A expectativa dos analistas é de mais uma queda dos preços de alimentação no domicílio no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)-15 deste mês, a ser divulgado na sexta-feira (25).

“A safra aumentou um quarto de tonelada de grãos por brasileiro neste ano”, observa Montero, ao falar do aumento da safra de 45 milhões de toneladas. “É grão que não acaba; muita oferta, sem plena capacidade de escoar ou armazenar, partindo de preços altos demais e somando-se ao ciclo favorável das carnes: o país terá que comer mais e melhor”. No IPCA, o grupo alimentação no domicílio viu a alta acumulada em 12 meses passar de 17,49% de julho de 2022 para 0,66% em julho deste ano. A forte desaceleração da inflação de alimentos beneficia especialmente os grupos de menor renda, como mostram os cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base no IPCA. Nos 12 meses até julho, o grupo com rendimento domiciliar mais baixo (até R$ 2.015,18) por mês, teve inflação de 3,44%; no caso do grupo de renda alta (superior a R$ 20.151,76 por domicílio), a alta foi de 5,09%. O IPCA geral subiu 3,99% no período.

Esse cenário de ampla oferta de alimentos ocorre num ambiente de aumento de renda, que vai além da alta mais forte do salário mínimo. O valor do Bolsa Família se manteve em R$ 600, e a partir de março foi iniciado o Benefício para a Primeira Infância, pagando mais R$ 150 por criança de até seis anos. Em agosto, o benefício médio do Bolsa Família ficou em R$ 686,04.

Para Montero, a resiliência da economia, mesmo num cenário de juros elevados, é uma história ligada ao comportamento das rendas. Ele nota que a Renda Nacional das Famílias, um agregado construído pelo Banco Central (BC) equivalente a 68% do PIB, cresceu 7,7% nos últimos 12 meses, descontada a inflação. Já a chamada Renda Nacional Restrita das Famílias, que equivale a 53% do PIB, excluindo aluguéis ou juros, cresceu 8,7% nos últimos 12 meses, também descontando a inflação. O barateamento da cesta básica libera renda para outros gastos, lembra ainda Montero.

Ele também enfatiza o comportamento da balança comercial, que tem registrado superávits comerciais cada vez mais robustos no acumulado em 12 meses. Em 2022, o saldo atingiu US$ 61,8 bilhões; nos 12 meses até agosto, deve superar os US$ 80 bilhões, diz Montero. Há um aumento de renda dos exportadores, impulsionado pela venda de commodities, que se irradia para outros setores da economia. De janeiro a julho, as exportações de soja, por exemplo, aumentaram 8,1% em valor em relação ao mesmo período do ano passado, para US 38,1 bilhões, o equivalente a 19,6% das vendas totais ao exterior.

Sergio Lamucci é jornalista.

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