A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em 21 de maio último, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 12/2022 que extingue a reeleição no Executivo(1). A proposta representa uma das maiores mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro desde a Constituição de 1988 e a introdução da reeleição pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997. A PEC prevê: o fim da reeleição a partir de 2028 para prefeitos e de 2030 para presidente e governadores; a unificação dos pleitos municipais e nacionais em uma única data, a partir de 2034 e, finalmente, a fixação dos mandatos de todas as funções eletivas em cinco anos — incluindo senadores, que sofreriam uma redução de três anos nos mandatos a partir das eleições de 2034. A PEC seguirá para o Plenário do Senado, com pedido de urgência. É fundamental que seja rejeitada.
A possibilidade de reeleição para chefes do Executivo no Brasil não existia antes da década de 1990. Esse mecanismo foi introduzido em 1997, por meio da citada PEC 16, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Com a aprovação, acrescentou-se ao texto constitucional o dispositivo que permite ao presidente da República, governadores de estado e do Distrito Federal, prefeitos e seus sucessores ou substitutos no curso do mandato serem reeleitos para um único período subsequente.
A mudança foi um escandaloso casuísmo que envolveu, inclusive, denúncias de compra de votos no Congresso, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo à época (2). Posteriormente, o próprio FHC reconheceu que a emenda da reeleição envolveu “muitos interesses”, incluindo o de forças políticas que queriam evitar a eleição de Lula em 1998 (3). José Dirceu, então presidente nacional do PT, considerou-a “ilegítima”, e um verdadeiro “golpe de Estado”(4).
Apesar de sua origem controversa, a reeleição vingou, a exemplo do que ocorre na maioria das democracias do mundo. Segundo o relatório “Freedom in the World 2025” (Liberdade no Mundo), da Freedom House, dos 86 países considerados democracias eleitorais em 2025, 80 permitem a reeleição para executivos, seja para presidentes em sistemas presidenciais ou para primeiros-ministros em sistemas parlamentares. Na maioria dos casos, a legislação estabelece limites para o número de mandatos consecutivos ou totais que um Chefe do Executivo pode exercer (5).
A adoção da reeleição em escala global indica que se trata de uma instituição vantajosa.
Primeiro, ela permite que o eleitor avalie e recompense bons gestores, servindo como incentivo para os executivos tomarem decisões alinhadas às aspirações populares (responsividade) na expectativa de serem reconduzidos. Segundo, possibilita a seleção de políticos experientes por meio da avaliação do desempenho no exercício do cargo, evitando aventureiros. Por fim, favorece o planejamento de políticas públicas de longo prazo, como saneamento básico e infraestrutura urbana, que demandam mais tempo para execução.
Ainda assim, a PEC 12/2022 foi assinada por cerca de 29 parlamentares de partidos de direita e de esquerda, como o PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PT, PSDB, Podemos, PP e o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Os argumentos relacionados pelo relator da proposta, senador Marcelo Castro (MDB-PI) e pelo presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), repetem críticas à reeleição que vêm sendo esgrimidas desde 1997. Nenhum deles se sustenta à luz dos fatos. Vejamos.
Evitar o uso da máquina pública para fins eleitorais. Alegam que o fim da reeleição reduziria o uso da máquina pública em campanhas. Contudo, nada garante isso. Pelo contrário. Um executivo impedido de se candidatar pode intensificar o uso da máquina no esforço de eleger seu sucessor, já que a transferência de votos não é um fenômeno simples, como mostram inúmeros levantamentos.
Economia de custos. Trata-se de outro argumento frágil. A unificação das eleições a cada cinco anos é apresentada como uma forma de reduzir custos eleitorais. Contudo, nada encarece mais as campanhas do que o abusivo fundo eleitoral aprovado pelo Congresso em 2023, que chegou a R$ 4,9 bilhões para as eleições municipais do ano passado. A PEC, aliás, não propõe qualquer mecanismo de fiscalização ou sanções mais rígidas contra o abuso de poder econômico.
Risco à continuidade de políticas públicas. Surpreendentemente, a extinção da reeleição é defendida como forma de promover gestões de longo prazo. O oposto é mais provável. Um novo governante, especialmente de oposição, pode desfazer políticas bem-sucedidas por motivos ideológicos ou programáticos, como fizeram Temer e Bolsonaro em relação aos governos de Lula e Dilma. Outra possibilidade é o incentivo à busca por resultados imediatistas, a serem obtidos no tempo de um mandato único sem perspectiva de renovação, enfraquecendo o compromisso com reformas estruturais e de longo prazo. Por outro lado, também é possível que o governante sem possibilidade de se candidatar à reeleição adote políticas de longo prazo irresponsáveis ou populistas, transferindo ônus e dívidas para os sucessores.
Incentivo à renovação política. A proposta também é vendida como um estímulo à renovação política, mas esse argumento é falho quando aplicado ao Executivo. Enquanto a renovação no Legislativo pode trazer diversidade, no Executivo a experiência é crucial para uma gestão eficaz. Gestores experientes, que conhecem os desafios da máquina pública, são mais capazes de implementar políticas consistentes. Assim, o fim da reeleição pode abrir espaço para aventureiros que, sem histórico administrativo, podem comprometer a qualidade da gestão.
Sobrecarga democrática das eleições unificadas. Unificar todas as eleições a cada cinco anos parece, à primeira vista, racionalizar o processo eleitoral, mas implica um alto custo democrático. Os eleitores, já sobrecarregados nas eleições gerais, terão dificuldade em avaliar candidatos a cargos diversos, de presidente a vereador. Além disso, devido à centralidade da eleição presidencial, há o risco de uma crescente nacionalização das campanhas, obscurecendo a importância dos cargos proporcionais e municipais. Finalmente, a tendência é de uma concentração ainda maior do poder político nas mãos dos grandes partidos nacionais, com estrutura para disputar campanhas simultâneas em todo o país. Isso tende a asfixiar lideranças locais e pequenos partidos, fortalecendo o caráter oligárquico do sistema de representação brasileiro.
Finalizando, é preocupante que mudanças estruturais dessa magnitude estejam sendo conduzidas sem um amplo debate com a sociedade civil. A PEC 12/2022 pode parecer eficiente, econômica e moralizadora, mas suas consequências são perigosas. Se aprovada, ela não impedirá o uso da máquina pública nas campanhas, aumentará o risco da descontinuidade de políticas públicas, não resolverá o problema dos altos custos das campanhas, deixará portas abertas para aventureiros e sacrificará a soberania popular ao impedir que o povo possa manter um governo que considera bem avaliado.
A democracia brasileira precisa de reformas que fortaleçam a soberania popular, não que a restrinjam. Em vez de extinguir a reeleição, por que não aperfeiçoá-la? Medidas como obrigar o afastamento de candidatos à reeleição seis meses antes do pleito, estabelecer limites rigorosos e mais modestos ao fundo eleitoral e ampliar a fiscalização contra abusos seriam mais eficazes. Concluo com as palavras do economista Claudio Ferraz, estudioso do assunto: “Acabar com a reeleição significa reduzir os incentivos dos políticos na busca por um melhor desempenho e, ao mesmo tempo, incapacitar os eleitores de manter no poder quem se mostrou capaz” (6).
Ivanir Corgosinho é sociólogo
Referências
(1) AGÊNCIA SENADO. CCJ aprova fim da reeleição, mandatos de cinco anos e eleições unificadas. Brasília, 21 maio 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/05/21/ccj-aprova-fim-da-reeleicao-mandatos-de-cinco-anos-e-eleicoes-unificadas. Acesso em: 27 maio 2025.
(2) FOLHA DE S.PAULO. Deputados renunciam para evitar processo de cassação. São Paulo, 22 maio 1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc220505.htm. Acesso em: 27 maio 2025.
(3) CNN BRASIL. FHC: Reeleição agravou abuso de poder e deve ser revista no Brasil. São Paulo, 23 set. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fhc-reeleicao-agravou-abuso-de-poder-e-deve-ser-revista-no-brasil. Acesso em: 27 maio 2025.
(4) ROSSI, Clóvis. Reeleição já para FHC é golpe, diz presidente do PT ao PSDB. Folha de S.Paulo, São Paulo, 19 out. 1996. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/10/19/brasil/22.html. Acesso em: 27 maio 2025.
(5) FREEDOM HOUSE. Freedom in the World 2025. Washington, DC: Freedom House, 2025. Disponível em: https://freedomhouse.org/report/freedom-world/2025. Acesso em: 27 maio 2025.
(6) FERRAZ, Claudio. A reeleição não é a culpada. O Globo, Rio de Janeiro, 29 abr. 2015. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/a-reeleicao-nao-a-culpada-16004791. Acesso em: 27 maio 2025.