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Jogo parado acabou. Lula começa pré-campanha por Minas: artigo de Ivanir Corgosinho

Até houve quem tentasse apresentar os eventos da vinda de Lula a Minas Gerais como um fracasso de público. Pelas correntes de WhatsApp e postagens no Facebook, imagens feitas antes do início dos atos mostravam cadeiras vazias e gatos pingados dispersos. Mas, um vídeo registrando a enorme fila para ver o ex-presidente em Juiz de Fora (1) viralizou nas redes socais e se tornou o símbolo mais significativo do sucesso da visita. “O campo está cheio e tem gente na rua querendo entrar. Tá doido? O negócio está cabuloso mesmo, parecendo a fila da vacinação”, teria dito um motorista, conforme matéria do Diário do Centro do Mundo.

Milhares de pessoas acorreram ao Expominas, em Belo Horizonte, ao Só Marcas Outlet, em Contagem e ao campo do Sport Club, em Juiz de Fora. Lula foi recebido por uma multidão colorida, aguerrida, apaixonada e esbanjando esperança naquele que desponta como preferido nas pesquisas sobre a eleição deste ano há quase 12 meses. Em Minas, Lula também manteve uma agenda de articulações políticas com lideranças partidárias e foi recebido pelas prefeitas Margarida Salomão (PT), de Juiz de Fora, e Marília Campos (PT), de Contagem. Em Belo Horizonte, o aguardado encontro com o prefeito Alexandre Kalil (PSD) não aconteceu.

Tanto Lula quanto Kalil já manifestaram publicamente o desejo de caminharem juntos na eleição. Mas, um impasse na articulação da chapa ao Senado vinha dificultando as conversações. A vaga era reivindicada pelo senador e representante da ala bolsonarista do PSD, Alexandre Silveira e, também, pelo deputado federal petista Reginaldo Lopes. O evento no Expominas, aliás, foi marcado pelo lançamento da candidatura de Reginaldo, para a contrariedade do PSD. O impasse só foi resolvido na última quinta (19/05) quando o próprio Reginaldo anunciou, via redes sociais, aliança entre o petista e Kalil. Pouco depois, foi a vez do ex-prefeito de Belo Horizonte compartilhar o jingle da dupla: “Eu sou de Minas Gerais, do coração do Brasil. Quero quem vai fazer mais, eu vou colar no Kalil. Lula e Kalil! A esperança que surgiu, Minas Gerais já aplaudiu”, diz um trecho da canção(2).

De toda forma e disputas à parte, a vinda de Lula a Minas sinaliza que o tempo de “jogar parado”, acabou. No último dia 7, em São Paulo, num empolgante evento que reuniu a militância democrática de diversos partidos, da intelectualidade, do mundo artístico e dos movimentos sociais, foi realizado o lançamento do “Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil” que dará sustentação à chapa do ex-presidente e do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O clima do ato foi de festa, com entusiasmo transbordante numa grande demonstração de confiança na vitória na disputa pela Presidência da República.

A escolha de Minas para inaugurar as andanças de Lula após o lançamento oficial da pré-candidatura foi estratégica. O estado é o segundo maior colégio eleitoral do país, com cerca de 10% do eleitorado nacional (atrás apenas de São Paulo) e, em 2018, Bolsonaro ganhou o segundo turno aqui com 58,19% dos votos válidos, contra 41,81% de Fernando Haddad (PT). O governador Romeu Zema, um envergonhado aliado de Bolsonaro lidera as pesquisas, mas mineiras e mineiros estão mais para um “Lulema” que para um “BolsoZema”.

Nas várias pesquisas de intenção de voto feitas no estado, Lula vem liderando com inegável consistência e, ainda que não seja possível comparar as enquetes devido às suas diferenças metodológicas, vale mencionar as mais recentes. No levantamento da Rádio Itatiaia/Instituto Ver, divulgada em abril, Lula pontifica com 44% das intenções de voto, contra 27% do atual presidente. Na pesquisa realizada pela Datatempo e divulgada em 09/05, Lula tem 44,4% das intenções de voto contra 29,95% de Bolsonaro. Já a pesquisa Genial/Quaest, divulgada na última nesta sexta (dia 13), aponta o ex-presidente com 44% das preferências do eleitorado mineiro contra 28% do capitão. Finalmente, um levantamento do Instituto Paraná Pesquisas, divulgado dia 14, aponta o petista como favorito por 41,6% dos entrevistados, ante 33,8% de Jair Bolsonaro.

Ou seja, exceto pelas manifestações ruidosas de grupinhos bolsonaristas, o ex-presidente tende a ser muito bem recebido nas Alterosas e são grandes as chances de reverter a derrota de 2018. Para isso é necessário um palanque forte (o que explica a preferência por Kalil) e um discurso capaz de empolgar a militância e mexer com a alma dos mineiros.

Neste sentido, se as negociações com o atleticano ainda não se resolveram, o discurso do cruzeirense, por outro lado, está afiado.

Tanto no lançamento em São Paulo quanto nos eventos em Minas, Lula demonstrou que, enfim, encontrou uma narrativa capaz de imprimir um rumo para a campanha. “Um início que significa também a saída de Lula do campo minado que estava armando para si mesmo, com uma série de declarações confusas que geraram repercussões negativas e produziram uma série de preocupações” (3), registrou Aldo Fornazieri, um observador atento da disputa eleitoral deste ano.

A linha de raciocínio adotada por Lula não poderia ser mais clara.

Em primeiro lugar, ele faz uma demarcação clara com o ambiente de ódio e intolerância fomentando pelas falanges bolsonaristas e pelo próprio presidente e que, de diversas formas, tem contaminado o país. “Quero começar falando da mais importante lição que aprendi em 50 anos de vida pública, oito dos quais presidindo este país: governar deve ser um ato de amor”(4), disse Lula em São Paulo e repetiu nos três eventos de Minas. Sim, o amor e não o ódio é a principal diretriz da campanha e do governo que virá. Portanto, nada de vinganças ou retaliações.

Em segundo lugar há um chamado enérgico à unidade “dos democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais e de todos os credos religiosos” para enfrentar a intolerância e vencer a ameaça totalitária. Enquanto o colunismo de esquerda não se cansa de alarmar para o golpeque Bolsonaro vem preparando desde sempre, Lula aponta o caminho recuperando a genial frase de Paulo Freire: “É preciso unir os divergentes, para melhor enfrentar os antagônicos”.

Finalmente, trata-se de reconstruir o país e isso significa, antes de qualquer outra coisa, recuperar a soberania nacional. A soberania não é apenas uma questão relativa às relações externas, à defesa do território e de fronteiras, explica Lula. A soberania também envolve áreas como a infraestrutura, a alimentação, o bem-estar social, o desenvolvimento econômico, o meio ambiente e o patrimônio público e todas as outras. Por exemplo, um país em que pessoas passam fome não é, efetivamente, soberano. A partir deste conceito, a narrativa elaborada pelo pré-candidato e sua equipe se abre para enfocar compromissos com a retomada do desenvolvimento econômico; com a interrupção da privatização de estatais estratégicas; com o crédito para as famílias e com o combate à fome; com a proteção da Amazônia, do meio ambiente e dos indígenas; com a defesa das mulheres e com o combate a racismo; com os investimentos nas universidades públicas, nas artes, na cultura e na pesquisa; com um novo padrão de política internacional mais multilateral e com o fortalecimento do Mercosul e dos BRICS, dentre tantos outros temas que deverão ser tratados em seu futuro programa de governo.

Em cada um desses aspectos, Lula faz críticas ao governo Bolsonaro e estabelece as bases de comparação entre os governos do PT e o atual. Lula rememorou, por exemplo, alguns dos principais projetos sociais das gestões do PT, como o “Minha Casa, Minha Vida”, “Luz Para Todos” e “Fome Zero”. “Travamos uma batalha contra a fome e vencemos. Tudo o que fizemos e conquistamos, o atual governo está destruindo”, afirmou o pré-candidato.

Trata-se, portanto, de uma linha de combate frontal movido por uma sincera indignação com os sofrimentos do povo – coisa que Bolsonaro é incapaz – mas, com serenidade, equilíbrio e moderação. Acredito que a ampla maioria do povo brasileiro anseia por um novo projeto para o país baseado nestes parâmetros para que possa, enfim sair da crise e se reencontrar com o caminho do crescimento, do desenvolvimento e da estabilidade democrática.

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

NOTAS

(1) https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-fila-enorme-para-ver-lula-em-juiz-de-fora-viraliza-na-web/
(2) alexandrekaliloficial: Em Minas é @lulaoficial e Kalil – https://www.instagram.com/p/CdwaxL1MZ0K/
(3) Discurso de Lula: enfim um rumo – https://www.brasil247.com/blog/discurso-de-lula-enfim-um-rumo
(4) Leia a íntegra do discurso de Lula no lançamento do Movimento Vamos Juntos Pelo Brasil – https://lula.com.br/leia-a-integra-do-discurso-de-lula-no-lancamento-do-movimento-vamos-juntos-pelo-brasil/

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