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Rodrigo Freitas: Haverá o tempo em que ninguém do bem vai querer ser prefeito

Quando um problema urbano acontece, de quem o cidadão se lembra primeiro? Do presidente da República, do governador do Estado ou do prefeito de sua cidade? A resposta é simples. Antes de estar no país ou no Estado, o buraco na rua está na cidade. A UPA lotada está na cidade. O ônibus cheio idem. A escola que está sucateada está na cidade. O trânsito que não anda também está dentro da cidade. A enchente acontece na cidade. Embora todas essas “tragédias urbanas” ocorram dentro dos municípios, os problemas não podem ser considerados apenas como culpa dos prefeitos. Mas, em realidade, vos digo: é o que normalmente acontece.

O prefeito é a liderança mais próxima da população. É quem tem a caneta na mão para fazer uma espécie de contorcionismo com o orçamento e garantir uma distribuição minimamente equânime do parco dinheiro público que tem nas mãos. Mas, pasmem, o prefeito é quem menos recebe dinheiro oriundo dos impostos. Com o modelo federativo que temos hoje no Brasil, os prefeitos são os que menos recebem e quem mais têm os ônus da administração pública. Num país em que 70% do bolo tributário fica com Brasília, a distorção é evidente. Mas, mesmo com esse quadro, na hora do aperto, de quem a população cobra? Do prefeito.

Quem leu os dois primeiros parágrafos deste texto deve pensar que ele trata de tentar santificar a figura dos alcaides, como eram conhecidos os governadores de cidades e vilas durante a Idade Média. Não, não me ocupo de transformá-los em santos, mártires ou coisa que o valha. Trata-se de falar algumas verdades que precisam ser ditas e que nem sempre são conhecidas pela massa da população.

Para que tenhamos uma ideia do que estou falando: Contagem tem neste ano de 2024 o maior orçamento da história na área da Saúde. São R$ 900 milhões. Desse montante, R$ 600 milhões são de verbas do município, apenas R$ 220 milhões virão do governo federal e os outros R$ 80 milhões chegarão por meio do Governo de Minas. Trata-se de um enorme esforço empenhado pelo município para reconstruir a saúde com as próprias pernas e melhorar o atendimento. Porém, num dia de UPA cheia, é mais fácil que o cidadão reclame da prefeita, do governador ou do presidente? Mais uma vez, a resposta é óbvia.

Vamos a outro exemplo: para resolver o problema do transporte público nas maiores metrópoles do país, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que seriam necessários R$ 60 bilhões. Esse dinheiro obviamente não pode sair dos cofres das cidades, onde os prefeitos já têm que dar conta de todo tipo de demanda urgente. Esse deveria ser um assunto tratado por governos estaduais e a União. E o que vemos? Uma ignorância generalizada a respeito do assunto. Entretanto, quando o ônibus está cheio e o trânsito não anda, de quem as pessoas vão reclamar? Do prefeito, do governador ou do presidente? Nessa hora, ninguém lembra do governador. Mas não custa lembrar que ele é o responsável, por exemplo, pelo transporte metropolitano (os ônibus vermelhos, laranjas e azuis) que, em Contagem, representa 60% dos veículos em circulação. Ninguém cobra o governo federal, que finge não ver o problema.

Para piorar, mesmo com essa pobreza orçamentária dos municípios, há quem tente fazer graça com o chapéu alheio, como já dizia minha avó. Peguemos o exemplo do ICMS da Educação, assunto levantado, bancado e referendado por Contagem. Somente a nossa cidade vai perder R$ 87 milhões se nada for feito. Na calada, a Assembleia – tendo a cumplicidade do governo de Minas – mudou a regra e desconsiderou quase que por completo a quantidade de alunos que uma cidade tem na hora de fazer a repartição do dinheiro do imposto, que tem origem estadual. O mais gritante da história é que o critério adotado gera perdas para mais de 130 municípios onde estão 70% (!) dos alunos mineiros.

Enquanto Contagem, com 58 mil alunos na rede, receberá meros R$ 52 por aluno anualmente com a regra atual, a cidade de Itambé do Mato Dentro, que tem 60 estudantes, receberá R$ 30 mil anuais per capta. Ou seja, tiram dos municípios maiores e entregam de bandeja o orçamento para cidades menores. E vale lembrar: são os maiores municípios que têm demandas infindáveis na educação e são eles que movimentam muito mais o ICMS porque têm economias mais robustas e capital circulando por aí.

A prefeita de Contagem, Marília Campos, comprou a briga e declarou guerra. Está administrando a cidade com a perspectiva de ter toda essa perda no caixa. Por esses dias, vi nas redes sociais um post de um opositor de menor calibre criticando Marília porque ela havia deixado de ir a uma audiência pública que discutia problemas da Copasa no bairro Monte Castelo para cuidar de “coisas menores”, referindo-se a uma audiência sobre o ICMS da Educação. Desde quando R$ 87 milhões são “coisas menores”, cara pálida? Só alguém desconectado da realidade faria pouco de uma verba como essa.

A verdade é que, no frigir dos ovos, a população segue cobrando bem mais dos prefeitos do que de governadores e presidente. O papel dos governadores, sinto eu, é mais difuso no senso comum popular. As pessoas observam mais o pagamento em dia dos servidores e obras de infraestrutura como estradas do que o todo que envolve um Estado. Do presidente, a cobrança maior do cidadão é em torno do bolso. It’s the economy, stupid (é a economia, idiota), como já dizia James Carville, estrategista de campanha de Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos. Uma economia que anda bem e programas sociais bem azeitados são capazes de reeleger um presidente, mesmo que ele deixe de discutir alguns grandes problemas nacionais.

Diante de todo esse quadro, é necessário reconhecer o papel de Marília em Contagem. A cidade tem um arcabouço de 550 obras em todas as regiões, com R$ 1,5 bilhão em investimentos. Não é para qualquer um. Nos três primeiros anos de mandato, com desburocratização, digitalização e diálogo, novas empresas foram atraídas para a cidade, outras ampliaram suas frentes e a cidade gerou mais de 27 mil novos empregos. O governo Marília entregou uma nova UPA, está reconstruindo outra e retomou a obra parada de uma terceira UPA. É tudo fruto de gestão, esforço e suor. Sim, suor, porque o trabalho é incessante. Fazer mais com menos é um desafio e tanto que nosso governo tem conseguido. Porém, fazer um governo realizador quando a questão federativa joga tão contra exige muito. Gera cansaço. Ser prefeito é cada vez mais difícil, sobretudo se o gestor quiser realmente deixar um legado para sua cidade. Se não estiver interessado em mudar a vida das pessoas, talvez seja mais fácil. No entanto, enfrentar todo um sistema federativo antagônico é um desafio enorme para aqueles que querem fazer e são comprometidos com o bem público. Por tudo isso é que eu disse no começo do texto: se nada mudar, haverá o tempo em que ninguém do bem vai querer ser prefeito.

Rodrigo Freitas é jornalista

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