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Rodrigo Freitas: União precisa entrar de vez no debate da mobilidade

Nada menos que R$ 60 bilhões. Esse é o valor estimado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) que o governo federal precisaria injetar no transporte público para melhorar a mobilidade nas metrópoles brasileiras. Parece muito, não é?! E é muito, se pensarmos pela lógica absoluta da cifra. Mas essa verba é relativa se fizermos uma análise sob a ótica dos benefícios que podem decorrer da priorização do transporte e da mobilidade urbana.

A primeira coisa a se pensar e a se explicar é a situação atual do transporte público em nossas cidades. Essa é uma bomba que recai sobre os ombros dos prefeitos que, por sua vez, têm a menor fatia da arrecadação de impostos no Brasil. A conta não fecha, afinal 70% de todos os impostos que pagamos ficam concentrados nas mãos da União. Ainda assim, quando tentam fazer algo efetivo, os prefeitos das grandes cidades não necessariamente são bem sucedidos. Vejamos o caso de Belo Horizonte. Na capital mineira, a Prefeitura colocou mais de R$ 500 milhões no transporte – sem reformulá-lo – só neste ano de 2023 e os problemas estão bem longe de serem resolvidos. Basta dar uma passada no noticiário para ver o quanto o belo-horizontino reclama – com razão – do transporte na cidade.

Apesar da discussão política em torno disso, é injusto culpar o atual prefeito, Fuad Noman, pela situação. Ele é parte do problema, mas decerto não é o gerador desse grande imbróglio. Dessa forma, parece-me injusto que os prefeitos sejam cobrados como são e arquem com essa conta do transporte sozinhos, sem qualquer ajuda que venha de cima. O resultado da incongruência de custos e financiamento, todos conhecemos: um modelo de transporte público falido, que não é bom para ninguém. Se está ruim para os empresários, imagine para o passageiro?

Por isso, é que a discussão precisa ir além. Faço uma defesa muito clara de que a União precisa entrar nesse jogo e “rachar o bolo” com prefeitos e governadores. Por sua vez, prefeitos e governadores precisam também se preparar e encampar essa discussão. A bomba estoura nas mãos dos gestores municipais, mas a responsabilidade passa igualmente pelos governadores. Não nos esqueçamos de que o transporte intermunicipal e/ou metropolitano é gerenciado pelos governos estaduais. O problema é que uma boa parte dos gestores “faz a egípcia” quando o assunto é a mobilidade urbana. Parece até que o problema não é deles!

É preciso que haja grandes discussões (locais e nacionais) acerca do assunto. É necessário que as metrópoles se esforcem para integrar a política da mobilidade urbana. E essa integração precisa ocorrer pelos modais (trem, metrô, ônibus, VLT, BRT, monotrilho, ciclovia etc) e pelo mapa das linhas, que não podem ficar presas aos limites de cada município. Mas aqui em Minas quem está fazendo essa discussão neste momento de forma assertiva? Vejo apenas a prefeita de Contagem, Marília Campos. Ela já conversou com concessionária do metrô, com o governador do Estado e seus secretários, com parlamentares de diferentes espectros, com o prefeito de Belo Horizonte… Mas, como diria Mário Reis, uma andorinha só não faz verão. Analisando de forma sincera, não vejo interesse dos outros atores políticos em levar adiante uma aprofundada discussão – trabalhosa, é verdade, mas absolutamente necessária.

Com esse ambiente de pouca discussão, como é que se pode cobrar que o governo federal entre de sola e invista R$ 60 bilhões na mobilidade? Não vai ser possível se cada um estiver preocupado com seu quadrado. E justiça seja feita: já ouvi Marília defender os outros municípios da região metropolitana de Belo Horizonte nessas discussões. E não se trata apenas de uma defesa midiática, feita aos microfones de emissoras de rádio e TV. A defesa das cidades metropolitanas foi feita nessas reuniões das quais falei, com argumentos técnicos e práticos. Participei de várias desses encontros.

PÚBLICO X PRIVADO

Um “liberal-raiz” que eventualmente esteja lendo minha explanação até aqui deve estar arrepiado até o último fio de cabelo de sua cabeça. Já ouço perguntas mentais feitas por esse hipotético leitor: Como a União vai gastar todo esse dinheiro? Como não cobrar mais impostos diante de uma proposta como essa? Porque o governo não investe apenas em saúde, educação e segurança e deixa o resto com a iniciativa privada? Onde está a eficiência fiscal?

A maior prova de que a União deve entrar nessa discussão é o próprio sistema de mobilidade urbana que temos no Brasil. Ele é contraproducente. É pouco ou nada eficiente. Ele gera prejuízos para a própria iniciativa privada. O sistema, tal qual foi concebido, entrou em colapso e algo precisa ser feito. Se não houver mobilização, as cidades vão parar. O cidadão perderá o direito de ir e vir. A economia será ainda mais prejudicada. Não se trata de uma discussão rasa sobre dinheiro público ou privado, mas, sim, de uma análise de um modelo de sociedade que se sustente efetivamente.

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Se bem executada, a mobilidade urbana é uma grande catalisadora de soluções para problemas das grandes cidades. Convido o caro leitor e a cara leitora a um raciocínio lógico sob vários prismas:

  • Com mais transporte público e menos carros nas ruas, teremos menos poluição. Com menos poluição, as pessoas terão menos problemas de saúde. Com menos problemas de saúde, teremos postos, UPAs e hospitais menos sobrecarregados. Com hospitais menos sobrecarregados, teremos mais qualidade de atendimento.
  • Com mais mobilidade, as pessoas poderão deixar o carro em casa. Com os carros em casa, o trânsito vai melhorar. Com o trânsito melhor, as pessoas vão se deslocar mais rápido. Com o deslocamento mais ágil, as pessoas vão ganhar tempo livre para curtir a vida. Mais felizes, as pessoas vão produzir mais e estarão menos cansadas. Com o trabalhador produzindo mais, o empresário aumenta seu faturamento e poderá crescer. Com mais empregos e faturamento, o dinheiro volta para a sociedade por meio dos impostos. Com mais arrecadação, o setor público poderá investir mais na mobilidade.
  • Com mais transporte público, haverá uma melhor ocupação dos espaços públicos. Com ruas ocupadas e pessoas em estações de metrô, pontos de ônibus e ciclovias até altas horas da noite, a segurança vai ser reforçada. Com segurança reforçada, mais empreendedores poderão investir (como o dono do food truck, por exemplo). Com mais gente investindo, haverá mais empregos. Com mais empregos, haverá mais renda, mais consumo e mais arrecadação para manter o sistema funcionando.

Como se pode ver, é tudo muito cíclico. A geração de riqueza é cíclica. Mas tudo isso depende da vontade política de priorizar e fazer acontecer. E essa é uma decisão coletiva.

SUM

Para que o sonho de uma mobilidade decente seja realizado, precisamos ainda de outro fator: avançar na discussão da PEC 25/2023, que cria o Sistema Único de Mobilidade (SUM) e está em tramitação na Câmara dos Deputados. A exemplo do SUS na Saúde, o SUM vai criar um modelo tripartite e “rachar o bolo” entre União, Estados e municípios, disciplinando um sistema de transporte que poderá ser financiado de maneira mais equânime. Será a solução definitiva do problema? Não. Mas certamente será um avanço importante na formulação de uma solução. Do jeito que está é que não pode ficar. Nossas cidades já estão parando.

Rodrigo Freitas é jornalista

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